Balbina artesã: palhas, tintas e resiliência.
Carlos Alberto dos
Santos Dutra
Dia
19 de março foi o Dia do Artesão. Entre tantas profissões esta, sem dúvida, é a
primeira que revela a espiritualidade dos habitantes e os frutos da terra. Ela
nasceu, pois, num tempo pretérito, quando a humanidade ainda engatinhava e, num
dado momento, ergueu a cabeça e percebeu as cores do arco íris, o tom aveludado
das frutas, a firmeza dos juncos e das palhas do campo, a policromia das penas
e o canto dos pássaros.
E lá encontramos as
mulheres, enquanto seus homens embrenhavam-se nas distâncias em busca do
alimento desafiando a caça ao desconhecido durante dias, lá estavam elas nas
suas tendas, na beira dos riachos, acariciando a água e contemplando as plumas
esvoaçantes que lhe nutriam a alma e seu espírito inquieto e guerreiro.
Assim, neste ambiente
repleto de vida e onde a natureza se oferecia inteira com seus segredos e
magias, mãos de fada começavam a domar os fios, as palhas e as tintas,
entremeando as cores e as formas, fazendo brotar a arte que cada uma delas
guardava nos seus corações e nos recônditos da alma.
Ah, mas o tempo
não para. Roda o moinho dos ventos e cá estamos nós em Brasilândia. O ano é
1979, há 46 anos, portanto, e o artesanato com palha de milho dava seus
primeiros passos a partir de um curso de artesanato realizado pela prefeitura
local. O curso reuniu na época 30 alunos que se habilitaram no artesanato com palha
de milho e outros materiais.
Entre os alunos, também
lá estava o sonho de uma artesã que, hoje prestamos nossas homenagens: Dona Balbina
Ribeiro de Novaes, conhecida simplesmente por Bina, que hoje revela
o seu talento por meio do artesanato e já é referência dessa arte no nosso município.
Trata-se de trabalho
artesanal realizado em palha de milho e outras fibras trabalhadas com
carinho e maestria por mãos que as transformam em produto de utilidade e
fino acabamento, tais como bolsas, cestas, porta jornais, que identificam essa
lutadora, dona Balbina.
Depois de muito
trabalhar como servidora pública na condição de gari, onde acabou aposentada
por invalidez, há 20 anos, deu a volta por cima revelando-se uma artista ímpar e
de renome de nossa cidade.
Mas quem é essa
mulher criativa e maravilhosa? De onde ela veio e onde descobriu sua vocação
para a beleza da arte, parindo formas, rompendo barreiras, desenhando cores?
Pois bem, é ela
mesmo que conta a sua história, aqui cuidadosamente manuseada pelas palavras
deste modesto escrevinhador que pede licença poética para revelar aos presentes
um cadinho da história dessa mulher, experiência que perpassa também a história
de vida de cada uma das artesãs de nosso cidade, pois ela fala com o coração
feminino que nos envolve a todos.
Balbina Ribeiro de
Novaes,
recebeu o apelido de Bina quando jovem, mas sua mãe, Izabel Maria de
Novaes, sempre a chamava, carinhosamente de Nega. –Nega vai lá, --Nega
vem cá... Mas o nome que pegou mesmo foi Bina. Pois essa pérola
negra veio ao mundo no dia 4 de dezembro de 1946, lá no sudoeste Baiano, no município
de Caraíbas.
Pertencente a uma
extensa família, para a preocupação do pai, seu Domingos José dos Santos,
a jovem Bina era apenas mais um dos 22 irmãos que lhe ensinaram a dar os
primeiros passos naquela família.
Hoje, com 78 anos,
ela lembra muito bem daquele tempo. --Infância, eu nunca tive, diz
sorrindo. --Coloquei os pés em Brasilândia com 7 anos de idade. Naquele
tempo nós morava no km 17, nas margens do rio Paraná, no Porto João André,
ela recorda.
As águas mansas
daquele rio a fazem voltar no tempo e recordar o tempo que ali viveu: a escola
em que estudou e o quanto o mundo rodou. Não avançou muito no estudo, pois a
escola era precária e a distância impedia as crianças e os jovens que ali
viviam, de estudar.
Mas ela lembra da
professora Abadia dos Santos, sua professora que, sempre muito dedicada,
também ensinava na casa dos alunos que viviam no Porto. Balbina confessa
que deve a esta professora, todo o pouco que estudou.
Quando seus braços
já suportavam o peso da enxada, lá se encontrava a jovem Bina ajudando a
família no trabalho da roça, colhendo e plantando ao lado dos irmãos. O tempo
passou por ela e ela nem percebeu que a infância foi ficando para trás, a
juventude foi chegando, e quando abriu os olhos já era uma moça feita. Porém,
seus pés permaneceram sempre na roça, firmes na terra, o seu chão.
Foi no trabalho no
campo que ela conheceu aquele que viria a ser o seu esposo. Era um jovem que
trabalhava com o seu pai, seu Domingos, e que já há algum tempo seus
olhares já haviam se entrecruzado.
Sobre o seu casamento,
encabulada, conta que simplesmente foi embora com o esposo desprendendo-se da
família de seus pais. Tinha apenas 12 anos de coragem e maturidade, e seu olhos
miravam longe. A lado deste marido, teve de contentar-se com a missão de educar
os filhos, os 9 que teve com ele e mais 7 filhos que adotou. Hoje, com
satisfação é avó e contabiliza 12 netos.
Nesse período os
sonhos foram ficando para trás. Lembra com saudade que costumava sentar na
barranca do rio e deixar a água acariciar levemente a planta dos pés como que
convidando a caminhar sobre as águas e avançar em direção a outros mares com
seu barquinho de papel.
Quando não estava
trabalhando, algumas vezes divertia-se jogando bola com o esposo. Outras vezes,
num momento só seu, contemplava o colorido do brejo e varjões de Cisalpina,
seus juncos e flores, atrativos cênicos que mais tarde lhe inspirariam a
desenvolver a sua arte e seu ofício de artesã.
A condição de
mulher, esposa, mãe e servidora na atividade mais exigente e humilde que
exerceu, nunca foram empecilhos que lhe impediam de mostrar o mundo sua
capacidade e criatividade empreendedora. Mesmo quando não encontrava o apoio
que merecia, nunca desanimou fazendo seu artesanato e participando nos eventos
em que era convidada.
Dona Balbina
na atualidade é um exemplo de resiliência para todas as artesãs que consolidam
a ARTEBRÁS. E olha que ela já acumula diversos troféus e
homenagens que a enchem de alegria e contentamento. Mulher simples, mas também
prática, recorda que um dos primeiros troféus que recebeu foi um relógio de
feira e ver seu nome dado à Feira do Artesanato de Brasilândia.
De obstinada
persistência e vigor humano, dona Balbina soube ao logo do tempo vencer
os desafios que a vida impõe valendo-se de sua criatividade e a força de seus
ancestrais.
Quando lhe
faltavam recursos e matéria prima para seus trançados em palha de milho, não se
sentia encabulada de ir à imprensa e reivindicar junto à sociedade local, o seu
espaço de artesã, solicitando àqueles que pudessem ajudá-la, não por caridade, mas
como produtor de arte. Sua arte a fazia feliz e também a todos que viam aquele material
transformado em lindas cestas, balaios, leques de abano, entre outros.
Um momento de
glória lembrado por dona Balbina aconteceu no ano de 2008, quando Brasilândia
participou da 23ª Festa do Folclore de
Três Lagoas, e entre as peças produzidas por artistas brasilandenses, entre
eles estavam também os trabalhos produzidos pela artesã senhora Balbina.
Esta senhora é
exemplo para as demais artesãs e artesãos de nossa cidade. E pedem licença e
seguem em frente em busca de sua Casa do Artesão, levantam a voz em busca de apoio
para obtenção da matéria prima que necessitam para sua arte. Saem pelas praças
do mundo com seu colorido que brota da terra, provocando admiração e
encantamento a quem se permita deitar os olhos sobre o belo de peças,
produzidas com tanta graça, perícia e beleza.
Essa senhora com
sua arte, ganham o coração da humanidade transformando a matéria, do seu estado
natural em um produto artesanal pela força e esmero de suas mãos, expressão da
identidade cultural que cada um desses artistas carrega dentro de si: sua
habilidade, originalidade e potencial econômico que urge ser promovido e cuja
beleza encanta a todos.
Parabéns dona Balbina
Ribeiro de Novaes, parabéns artesãs e artesãos de Brasilândia. Feliz dia do
artesão. Feliz a administração pública que reconhece e valoriza o fruto de
vossas mãos! Feliz Dia do Artesão.
Brasilândia/MS, 19
de março de 2025.
Fonte: Balbina Ribeiro
de Novaes, entrevista concedida à Cristiane Carvalho em março de 2025; História
e Memória de Brasilândia, Vol. 2-Patrimônio, pág. 83-85.
Foto: Arquivo Profª Maria Rita Santini e Patrícia Acunha, 2014. Pedro Henrique Coutinho, 2025.