domingo, 1 de junho de 2025

 

Quando escrever é abraçar, sentir e sangrar…

Carlos Alberto dos Santos Dutra








A arte de agradar ou corresponder a expectativa de uma pessoa é uma tarefa sempre muito difícil, se não quase impossível. Em especial quando se é escritor. Isso porque o que se diz fica registrado no papel onde o tempo não apaga, mesmo que passem os anos nunca se está livre de que alguém, um dia vá encontrar as palavras plasmadas nas páginas de um livro ou postagem em uma rede social que sobreviveu aos avanços da tecnologia virtual. E passemos a ser julgados por elas.

Pois bem. Escrevo desde os 7 anos de idade, histórias infantis e fantasiosas que contava para meu irmãos maiores quando aqueles cinco guris se reuniam para ouvir o irmão mais velho no galpão do fundo de nossa casa lá no Rio Grande do Sul. Essas e outras histórias com o tempo foram ganhando o papel consolidando uma prática que me acompanha até hoje.

Mas para escrever, muito cedo aprendi, deve se ter um propósito, ir além do iludir e encantar como nos contos de ficção e romances. Foi com o auxílio da filosofia, já na minha juventude, que coloquei de vez os pés na realidade incorporando a ideia de que todo o ponto de vista é a vista a partir de um ponto, ou seja a escrita depende do lugar social onde você se encontra. 

E o meu lugar, muito cedo entendi, era o chão, o homem, os animais, a natureza, onde ambos se encontravam em desvantagem, quando não alijados, diminuídos, marginalizados, destruídos. Ou seja desde cedo dediquei meu verbo impregnado no papel, à morte e à vida como objeto de minha escrita, buscando sempre promover e elevar o que se encontrava caído.

Sem dúvida essa opção preferencial pelos pobres e o viés de esquerda de minhas opções ideológicas acabaram por intervir na minha escrita, quando não a consolidando numa linha que assumi por convicção e sem nenhuma fidelidade a este ou aquele ídolo, chefe ou senhor. Vencida esta fase primeira de minha juventude, quando a maturidade me alcançou, entreguei-me de vez aos braços e apelos do coração.

Sim. Passei a escrever norteado pelo sentimento que brotava das relações humanas, geralmente carentes de afeto, incompreensões, desânimo, dor e sofrimento. Nos últimos tempos, a tônica tem sido as lágrimas dos que acenam despedida a seus entes queridos. São essas palavras que tenho lançado ao vento na esperança de que elas afaguem a dor e devolvam o orgulho aos rebentos daqueles que se despedem de nós.

Mas para adentrar neste terreno delicado e sensível do coração humano, sempre há de se ter cuidado e sobretudo misericórdia. Por isso, meus últimos escritos têm se resumido a descrever emoções e sentimentos que vivi e senti junto aqueles a quem me dedico a escrever. Raras vezes os familiares me concederam a gentileza de fornecer maiores informações sobre a história de vida da pessoa querida que estou descrevendo. 

Por isso escrevo e descrevo somente histórias e experiências de vida de pessoas que cruzaram o meu caminho, que conhecia algo de suas almas que merecesse perenizar no tempo e causasse felicidade aos que lhe acenavam na dor. Sentimentos que, por alguma razão que não sei explicar, meu coração desejava homenageá-lo.

De quando em vez, entretanto, nos chega alguém fazendo cobrança pelo fato de não ter escrito sobre uma determinada pessoa. Como uma senhora que hoje me mandou uma mensagem dizendo o que abaixo reproduzo (in verbis) e que me motivou a escrever este texto, algo assim, como uma carta de adeus as letras.


É doutor antes eu me espelhava em tudo o que o senhor fazia em tempos eu te achava um ídolo, porém quando é alguém que tinha ou teve algum comércio ou algum bem o senhor vai lá e deixa o seu poema pra aquela pessoa que se foi quantas pessoas que já se foram e eram pioneiros da nossa querida Brasilândia mas que mal tinham seu pedaço de chão pra sobreviver nunca vi uma sequer homenagem, meu pai tinha minha família mas nunca foi visto como um alguém, mas acho que deve ser porque não era comerciante e nem alguém da alta socialite, mas sei que Deus já honrou cada um desses pioneiros igual a meu velho pai, sem mais até te agradeço pelo pouco de compaixão pelo qual o senhor ainda se dispõe a escrever algum verso...(in verbis).


Claramente a missivista se encontra indignada por eu não ter escrito nada sobre seu pai, pelo mote de seu nome não ter sido reconhecido pelo município, uma vez que foi um dos pioneiros, merecedor portanto de uma honraria pública que a ele deveria ter sido dedicada. Nada mais justo, entretanto, caberia ao Legislativo essa comenda.

Como se não bastasse, o sentimento de indignação da senhora recaiu sobre este escrevinhador, como se ele tivesse a pecha de privilegiar somente os comerciantes e os que frequentam a alta sociedade como pretexto literário para redigir seus escritos. O que não é verdade. Foi o que procurei responder acima na introdução deste artigo. 

Ainda assim, cabe aqui repisar: não escrevo para a elite pura e simplesmente, e se assim o fizesse seria para chamá-la as suas responsabilidades, a semelhança dos demais cidadãos. Escrevo muito mais para aqueles que meu coração abraça, deseja e sangra, como escreveu Ernest Hemingway, independente de cor, credo ou condição econômica. É só dar uma boa olhada nas minha postagens e textos nos livros que tenho escrito para perceber isso, desfazendo essa equivocada percepção.

Por essa falta involuntária, ainda assim, peço desculpa a esta senhora por não ter escrito nada sobre seu pai. Quiçá, nem o conhecia ou dele fui lembrado o seu passamento. Perdão se não correspondi ao que seu coração reclamava e esperava daquele que um dia, como disseste, foi seu ídolo. Deus a abençoe também.

Brasilândia/MS, 1º de junho de 2025.

Dia da Imprensa

Foto: A importância do bom Português - L.A. Fitness


Para conhecer a produção literária do autor cf. 

Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores

 

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