quinta-feira, 24 de abril de 2025

 

Missa em Ação de Graças

Homenagem aos 60 anos de Brasilândia/MS

Diác. Carlito Dutra

 



Brasilândia, Brasilândia

Como é bom poder dizer

Perante Deus agradecer

O trajeto percorrido

Um lindo jardim florido

Construído por pioneiros

Os nativos e campeiros

Que nesta terra chegaram

E no alto instalaram

Sinal da fé uma Cruz

Lenho que o Senhor Jesus

Sofreu morte e ressurgiu

E esta terra conduziu

Abençoando a cidade

Trazendo luz, claridade

Deixando o povo animado

E a vila virou povoado

Depois cidade emancipada

25 de abril encantada

Ano de 65

Vinham a pé, com afinco

Dos sítios e poucas casas

A esperança criou asas

Início da caminhada

Primeira missa rezada

Padre João Tomes, monsenhor

Na presença do fundador

Arthur Höffig, o patriarca

Fundamento da comarca

Mais do que uma expressão

Religiosa e coração

Daqueles que se instalaram

E aos poucos edificaram

Esta pilastra da história

Marco atávico de glória

Herança dos fundadores

Abnegados senhores

Que hoje olham em frente

Brasilândia está contente

Passado ficou para trás

Vive-se conquistas sociais

Se ontem vinham a cidade

De charrete, é verdade

Hoje se anda de carro

Já não põe o pé no barro

Tem asfalto a sua rua

Já não vive à luz da lua

Tem o ônibus e a escola

Tem feira, e tem viola

Oportunidade de Emprego

Segurança e sossego

Salário justo e conquista

Saúde a perder de vista

Temos muito a agradecer

Por isso é bom dizer:

Sempre assim, muito obrigado

A este lugar abençoado

Que Deus nos deu de presente

Que enche o coração da gente

Ver o quanto caminhamos

Por isso a Deus louvamos

Com a nossa gratidão

Todos num só coração

De mãos dadas celebramos.

 

Para trás ficou saudade

As comitivas, boiadas

Toque berrante na estrada

A viola sertaneja

Onde quer que tu estejas

Senhor Deus do universo

Na tua graça alicerço

Minha alma está cantando

Neste dia festejando

60 anos de idade

Brasilândia esta cidade

A jovem virou senhora

Responsável, sem demora

Ficou longe da poeira

E vai firme na dianteira

Sempre olhando para frente

E para o alto, consciente

Apostando no futuro

Deus a livre dos apuros

Mãe de Deus lhe socorrei

Que não te apartes da lei

Da justiça e o compromisso

Governar sem ser omisso

E dar justiça ao povo

Fazer brotar o vinho novo

Semear felicidade

União, fraternidade

Tornando esta terra forte

E contar com toda a sorte

Para juntos agradecer

A Deus Pai, pelo poder

Colocado a serviço

Firmando o compromisso

E fazer por merecer.

 

Parabéns Brasilândia. E que Deus a abençoe.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Um Papa fora da curva!

Pe. Jorge Paim dos Santos








Emocionados vemos muitas homenagens comovidas, de todas as partes do mundo, pela morte do nosso querido Papa Francisco, na madrugada, horário de Brasília, do dia 21 de abril de 2025.
Diferentes credos, até os sem, manifestam pesar, admiração e reconhecimento do grande legado deixado por Francisco, um Papa fora da curva.
Aliás, este legado deixado por Francisco deve ser seguido e ampliado: uma Igreja mais samaritana, mais coerente com a Alegria do Evangelho, e firme contra todos os desvios eclesiais; uma Igreja em saída, sensível aos sofrimentos que afetam a humanidade; uma Igreja mais aberta em relação ao Meio Ambiente, às questões sociais e políticas, incluindo os migrantes, refugiados e os povos originários.
A humildade de Francisco, enfim, conquistou o mundo desde o começo até ao final do seu papado - nos últimos dias, já com os sinais evidentes da sua debilidade física -.
Vejamos alguns exemplos marcantes da humildade de Francisco:
• Renunciou vestimentas pomposas. Na primeira aparição pública, no balcão da Basílica de São Pedro, Francisco usou apenas a batina branca – sem os demais itens que representavam até então a “dignidade do Sumo Pontífice”-.
• Renunciou o uso da cruz de ouro no peitoral, trocou por uma mais simples, de prata. Trocou, da mesma forma, o seu anel de ouro papal por um metal mais simples.
• Recusou os famosos sapatos vermelhos e continuou usando os surrados sapatos pretos, vindos da Argentina.
• Recusou a honra de viver no apartamento destinado ao Papa, no Palácio Apostólico. Desde o início de seu pontificado Francisco escolheu para morar em um pequeno edifício no Vaticano, hospedaria Casa Santa Marta.
• Renunciou ritual fúnebre pomposo. Prática secular, que consistia em enterrar os pontífices em três caixões interligados, feitos de cipreste, chumbo e carvalho. O papa, no entanto, deixou expresso em testamento a escolha de um funeral simples: ser enterrado fora do Vaticano, somente um caixão de madeira e no chão. Inscrever na lápide somente o nome Franciscus.
Por estas e outras razões, o Papa Francisco é candidatíssimo à inclusão no catálogo oficial dos grandes santos e santas contemporâneos da Igreja.
Franciscus, você foi um belo presente para nós todos. Louvamos a Deus pelo testemunho de vida. Nossa gratidão por você ter sido UM PAPA FORA DA CURVA. Boa viagem de volta à Casa do Pai. Você ficará sempre guardado nas nossas boas lembranças e nos nossos corações!
Ah! Não esqueça de interceder por nós junto ao Pai Misericordioso, para que tenhamos doses de tua coragem, sabedoria e ousadia esperançosa no nosso peregrinar, aqui na Terra, a nossa Casa Comum.

Fonte: Facebook


segunda-feira, 14 de abril de 2025

 

O pedal da fé, nosso mensageiro Léo Uchoa

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 









Olho a estrada e o que vejo?

Um menino sorridente

Cruza estradas reluzentes

Todo cheio de confiança

Leva na garupa, quase nada,

Água, mochila e esperança.

 

Mas qual será o motivo?

Daquele jovem intrépido

De sair de sua cidade

Mostrar força de vontade

E montar no seu pedal

Da fé, forte e esplendorosa

Sua devoção religiosa

Para encarar a estrada

Que lhe palpitava no peito.

 

É força que vem do alto

Que nem mesmo ele sabe

Dentro da alma não cabe

Explicar o que acontece

Mal o dia amanhece

Já lhe desce pelas mãos

Lhe ilumina as viseiras

Luvas, pernas, joelheiras

Voam asas coração.

 

Carrega desejos tantos

Dos muitos que nós queremos

Os sonhos que alimentamos

As promessas que fazemos

A gratidão que devemos

São tantas coisas, sabemos

Que tentamos realizar

Cedo ou tarde, nós podemos.

 

O vento acaricia o rosto

E o capacete brilha

A lembrança da família

Pelo trecho, a saudade

Gestos de fraternidade

Lhe animam no caminho

Mil KM, longa estrada

Por muitos acompanhada

Redes sociais, camaradas

Gente rezando e torcendo

Pra não ir esmorecendo.

 

E lá vai nosso guerreiro

Rumo à cidade da Santa

Aparecida que encanta

Mãe devota dos andantes

Que chegam a pé, confiantes

Ou em bike dos fundões

Caravanas, multidões

Todos querem abraçar

A Senhora Aparecida

Para lhe agradecer

Ter chegado ali e viver

De uma graça recebida.

 

Os 10 dias se passaram

Ei-lo aqui o viajante

Com o seu rosto marcante

Que valente suportou

A Chuva e o frio superou

Garantindo a vitória

A chegada é a glória

Óh! menino resiliente

Olha a cidade contente

Que te acolhe emocionada

Rompe a linha da chegada

E pelo amor que espalhou

A Santa Mãe o abençoou.

 

Brasilândia/MS, 14 de abril de 2025.

 

Fonte: De bike e com muita fé, ciclista de Brasilândia faz peregrinação até Santuário de Nossa Senhora Aparecida - Perfil News; (1) Facebook

 

 

 

 

 

sábado, 12 de abril de 2025

 

O sonho, a luta e o título da terra

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 



 


A entrega do título que garante aos atuais moradores dos reassentamentos Santana e Santa Emília é um acontecimento que deve ser comemorado. Receber das mãos da atual Prefeita Márcia Amaral e seu vice Fábio Toledo, o documento que os torna definitivamente proprietários de seu pedaço de terra, sim, é digno de aplauso. 

É uma demonstração, não somente de respeito ao cidadão devolvendo-lhe o que lhe é de direito, mas uma demonstração de reconhecimento pelo esforço realizado por uma comunidade que permaneceu firme na caminhada não abdicando de seus sonhos, travando suas lutas e almejando direitos e conquistando a vitória. 

O gesto que ocorreu no dia 11 de abril de 2025 último, mês em que Brasilândia/MS comemora 60 anos de emancipação político administrativa, também tem o mérito de acontecer pelas mãos de uma das filhas da mulher que tudo fez por aqueles reassentamentos, entre outros, impulsionando-os para vê-los florescer: a saudosa Prefeita Marilza do Amaral. 

Realidade que ainda pulsa no coração de muitos, mas sobretudo no coração de uma mãe que, do alto, vê o que tudo acontece. Em especial, os eventos realizados nos primeiros 100 dias do primeiro mandato de sua filha guerreira e vitoriosa: Márcia Amaral. 

Alegra-se em ver a coragem desta menina capaz de revelar a todos para onde o seu olhar aponta e qual a intenção do seu coração: os braços do povo e o seu labor. 

Ah, como bem sabem e sentiram na carne os que hoje lá residem como é bom serem reconhecidos, ouvidos e atendidos pela administração pública. Egressos de lutas, contra a poderosa Cesp, inicialmente classificados como mão de obra atingida pela barragem de Porto Primavera que os arrancou das margens do rio Paraná, foram tratados como números em planilhas de custos. 

Colocados em barracos de lona, acampados numa encruzilhada, em uma área prometida que depois foi loteada e transformada em reassentamento, recebem como prêmio uma casa provisórias, de madeirit, de somente um cômodo para sobreviverem. Somente depois de muitos protestos e reivindicações a voz destes pioneiros foi ouvida. 

E lá está a lembrança de seus primeiros nomes: Jaconias, José, Francisco, Domingos, Sebastião, Claudinei, Nilza, João, Fátima, Osvaldo, Pedro, Silvano, Raimundo, Benedito, Aparecido, Augusto, Sérgio, Mercedes, Laurindo, Manoel, Silvio, Júlio, Altair, Veridiano, Damiana, Gilberto, Antônio, Aparecido, Ademir, Andreia, Joel, Gersina, Édson, Sebastião, Lauro, Josielmo, Ismael, Anacleto, Durvalino, Rosalino, Luciano, Adriana, Roberto, João Brito, Nivaldo, Vandir, Jonas, Eurides, Altair, Aristide, e tantos outros pioneiros entre os que não soçobraram. 

Muitos deles perderam batalhas, sucumbiram, desistiram, foram enganados, e aos poucos, diante da falta de perspectivas para o lugar, foram entregando seus lotes acuados pelas dívidas acumuladas que os forçava a vende-los a preço venal. A infraestrutura prometida nunca lhes alcançou. O que era para ser desenvolvimento, só lhes trouxe desencantamento. 

Muitos deles, entretanto, resistiram e continuaram na luta sendo incentivados pelos novos moradores que foram se achegando com ideias novas e aptidão para o cultivo da terra, semeando alento ao lugar. 

E, assim como dizia minha mãe: ‘o que não tem remédio, remediado está’, o Reassentamento Santana e Santa Emília irmanou-se com os que foram adquirindo lotes unindo forças com o poder municipal solidário com seus sonhos e a influência do novo olhar e o novo tempo lhe se abria para todos eles. 

Hoje, passados 27 anos destes acontecimentos primeiros, pelas mãos de tantos filhos e herdeiros desta luta, cá estão estes pequenos proprietários de terra, revestidos do merecido manto de louvor que sobre seus ombros é colocado homenageando braços e mãos que venceram e têm razões de sobra para comemorar.  

Parabéns Reassentamento Santana e Santa Emília, e todos os que fizeram parte da história de luta e superação. Parabéns APASF e demais associações e entidades que sedimentaram este chão oportunizando a todos, com toda a sua dignidade, aqui chegar. Parabéns administração Márcia Amaral e sua equipe por tornar este sonho possível. 

Brasilândia/MS, 12 de abril de 2025.

 

Fonte e Fotos: Joana Nogueira in (2) Facebook; Dutra, C.A.S. História e Memória de Brasilândia/MS, volumes I-Pioneiros; II-Patrimônio; III-Cidadania; IV-desenvolvimento; e V-Poderes. Disponível para consulta na Biblioteca Pública Municipal de Brasilândia Professora Abadia dos Santos, e para aquisição no site: Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores

 

 

 Casal do Reassentamento Santana recebe mudas de seringueiras. (Foto: Jornal da Cidade, 2008).



O agricultor Vitalmiro Dias, do Reassentamento Santana e a abóbora gigante, de 33 kg, colhida em sua propriedade onde também planta milho, batata, feijão, jaca, caju, abacate, coco entre outros (Foto: Cidade Morena, 18. Fev.2009).

 





 No Reassentamento Santana, o agricultor João Brito de Souza prepara em seu viveiro mudas de plantas nativas para o reflorestamento de áreas degradadas e frutíferas em sua propriedade (Foto: João Brito de Souza, 2009).

 


João Brito de Souza e o Acampamento da Mão de Obra Atingida. (Foto: Arquivo João Brito de Souza, 1999).



Reunião com os moradores do Assentamento Santana e Santa Emília discutindo o Estatuto Social da APASF (Foto: Dutra, 2004).



Moradores do Assentamento Santana e Santa Emília vão ao Fórum da Comarca a procura de seus direitos (Foto: Independente Notícias, 2004).



Oleiros da Barranca do Porto João André reunidos com a Administração Municipal de Brasilândia (Foto: Jornal Dia a Dia, 1998).  



Reunião dos ribeirinhos da Mão de Obra Atingida pela barragem da hidrelétrica de Porto Primavera (Foto: Jair Bezerra Xavier/Jornal da Cidade, 2000).



Líder dos ribeirinhos do rio Verde e Paraná, João Brito de Souza, acampado na entrada da fazenda Santana exige da CESP a criação do Reassentamento Santana. (Foto: Jornal Dia a Dia, 2000).

 



Reunião dos Oleiros, pescadores, comerciantes e comunidade do Porto João André com a CESP, autoridades do município e lideranças do Estado (Foto: Miesceslau Kudlavicz, 1998).


quarta-feira, 2 de abril de 2025

  

Roni Eliandes Avá Verá está em Ñhanderu.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.


 

Dia 2 de abril de 2019 foi o dia que o nosso irmão indígena Roni Eliandes, o Avá Verá, da nação Guarani, partiu para os braços de Ñhanderu, deus da natureza e dos guerreiros que acolhe aqueles que pisam a Terra Sem Males e partilham sob empréstimo a sua posse entre seus patrícios e também nós.

Falar de Roni Eliandes é como falar do tempo. Sempre infinito enquanto dura. Mas sempre presente nas ações e nos acontecimentos. Ele era assim, desde pequeno interessado nas coisas do seu povo, suas lutas e suas esperanças.

Guarani por excelência, tanto os Ñhandeva como os Kaiowá da região de Dourados/MS, todos se sentiam representados pela sua liderança, desde os tempos de Marçal de Souza Tupã-i, o Deus pequeno, que era seu tio e que sempre lhe serviu de inspiração.

Como a vida de todo grande líder, sua trilha foi penosa. Filho de Vicente e Odete, assim que nasceu Roni foi separado de seus pais, sendo levado para uma aldeia na cidade de Amambay, para morar com uma tia e os avós maternos. Aos três anos de idade voltou a morar com seus pais que se mudaram da fazenda para a aldeia.

Em sua casa todos eram bilíngues: falavam a língua Guarani e o Português. Aprendeu a falar ambas as línguas com sua avó paterna de nome Maria, que dominava este idioma e instantaneamente já traduzia para o Português. Falar na língua nativa de seu povo para ele sempre foi motivo de orgulho e de um profunda inspiração histórica.

Morava em casa de sapê, e nunca teve muito tempo para brincadeiras: sua única ocupação era ajudar nos trabalhos de casa e na lida no campo. Frequentou a escola da Aldeia por apenas uma semana, quando tinha nove anos. Isso porque ele brigou com a professora que lhe aplicou um corretivo de palmatória.

Ele mesmo, anos mais tarde numa entrevista confirmou isso: derrubou a professora e saiu em disparada com seu cavalo. Chegando em casa, deixou o cavalo amarrado na cerca e fugiu para a estrada, onde encontrou um fazendeiro que passava e ia pra região de Campo Grande. O fazendeiro perguntou-lhe o que ele estava fazendo ali naquela estrada, e ele disse estar procurando alguém que lhe desse trabalho.

Roni então foi embora com esse fazendeiro, sem avisar ninguém de sua família, deixando todos preocupados, que passaram dias procurando o rapaz, depois desistiram. Um ano depois ele retornou à sua casa, com alguns trocados no bolso, e foi uma alegria para sua família. Estava cumprido o rito de passagem. Ele agora era um homem.

Quando falou que iria retornar para a fazenda para poder dar continuidade ao seu trabalho, o pai o seguiu, e trabalhou por algum tempo com seu filho na mesma fazenda. Trabalhou lá até os doze anos. Exemplo assim, não se verifica mais nos dias de hoje.

Depois da morte do pai, saiu da aldeia e foi para o Paraguai morando em várias fazendas por lá. Aos 17 anos retornou para a aldeia e ingressou no Exército, do qual desertou por medo da guerra, voltando então para os trabalhos em fazendas, até retornar para a aldeia aos 22 anos.

Roda o moinho do tempo e Roni Eliandes, homem feito, e experiente da vida e maduro, assume a condição de líder para o seu povo. E como toda a liderança combativa, logo entrou em conflito com os poderosos. Também sofreu a oposição de alguns patrícios simpáticos ao lucro fácil e seus próprios interesses. Mas nunca virou as costas para o seu povo.

Nunca se sentiu um vencido, nunca desanimou. Manteve-se firme na luta em defesa daqueles que mais precisavam. E olha lá ele novamente com o pé na estrada acompanhando uma réstia de patrícios retirados do Rancho Jacaré e aldeia Guaimbê, todos largados junto dos Ofaié no fundão da serra da Bodoquena, em Porto Murtinho, na Reserva Kadiwéu.

Foi lá que ele conheceu os Ofaié, integrando-se à luta desse povo desconhecido e minúsculo. Laços de solidariedade e compromisso os uniram a ponto dele se tornar um membro da família Ofaié, ao casar com Marilda, nossa professora e mestra maior e ter com elas os filhos Gilmar, Elizângela, Léia e o pequeno Josimar que o céu muito cedo levou.

De lá para cá, após o desterro de oito anos na Bodoquena, os passos que se seguiram só sedimentaram a amizade e o respeito entre duas culturas diferente, rompendo com a lógica verificada no passado eivada de brigas e ataques havidos entre os Guarani e os Ofaié, chamados Chavante naqueles tempos primeiros.

Logo seus outros filhos, Agenor, Laureano e Miguel vieram para Brasilândia e, definitivamente integrado aos Ofaié, constituíram suas famílias, fortalecendo os laços étnicos que caracterizam o povo Ofaié e o povo Guarani fazendo renascer a esperança desta nação ressurgida.

Hábil artesão fez questão de ensinar aos filhos o artesanato indígena, como arcos, flechas, penachos, maracás, com a preocupação de, algumas vezes, imitar o artesanato Ofaié, valendo-se dos mesmos materiais que utilizava nas peças de sua própria cultura material. Ensinou o Guarani para os filhos e a esposas. Fez isso por achar importante preservar o idioma nativo que aos poucos vai se acabando.

Quando perguntado certa vez por Márcio de Souza Sicílio, promotor cultural de Brasilândia, qual era o seu maior sonho, Roni respondeu: “Que haja mais união entre os índios da comunidade onde vivo, e que todos recebam tudo em partes iguais”. Ele concebia o poder como um serviço para garantir a partilha dos benefícios sem excluir ninguém. Era um sábio.

Nesta data a lembrança do nosso patrício, Roni Eliandes, se esvai, há poucos dias de completar 86 anos de idade ele se despediu de nós. E levou consigo uma boa parte da história e lembranças do povo Ofaié que conviveu por quatro décadas ao seu lado.

História que ele mesmo, sentado em sua cadeira de roda, gostava de contar aos visitantes que recebia, sempre sorrindo e gesticulando, como se desenhasse as cenas vividas no ar. Um verdadeiro poço da sabedoria indígena, coisas que somente os velhos e anciões dos povos mais antigos do Brasil sabem fazer e muito pouco valorizamos.

A ponto do Museu da Pessoa, da UNESCO, recolher o seu testemunho de vida e registrá-lo num vídeo que se encontra no youtube (cf. abaixo o vídeo) a disposição de todos que queiram entrar em contato com esse saber indígena que não morre e vai viver através das palavras e imagens que esse ancião Guarani deixou para os anais da história.

Quando ainda possuía força e saúde, mesmo de muletas, lá estava ela à beira da estrada empoeirada pedindo carona para ir até a cidade fazer suas compras e negócios. Pouco dependia dos outros. Havia certa dignidade no seu olhar e gestos, sem nunca deixar de ser prático nas exigências do cotidiano.

Rodeado de alunos e pesquisadores acadêmicos prendia a atenção de todos contando a história de luta do povo Ofaié, sendo às vezes confundido com se um deles fosse. Durante sua vida aprendeu a defender e respeitar a comunidade que o acolheu, desde os tristes dias de sofrimento na Reserva Kadiwéu, passando depois pela barranca do rio Paraná e por fim instalando-se no território tradicional Ofaié, na Aldeia Anodhi, em Brasilândia/MS, onde constituiu família, teve uma nova vida e onde deixou saudade. Descanse em paz Roni Eliandes, Avá Verá, nos braços de Ñhanderu.

 

Brasilândia/MS, 2 de abril de 2025. 

Publicado originalmente em 2 de abril de 2019 em http://www.institutocisalpina/roni_eliandes_ava_vera_esta_em_nhanderu.html






 

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