segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O que a eleição de 2020 têm em comum com a eleição de 1988?

Carlos Alberto dos Santos Dutra.

As eleições municipais começaram. E os brasileiros pela primeira vez se deparam com uma nova situação. Os candidatos ao cargo de vereador não podem mais concorrer por meio de coligações. 

O fim das coligações na eleição proporcional passou a valer desde 2017 com a reforma eleitoral pacificando uma questão há muito discutida entre os partidos e os tribunais. 

Na eleição proporcional agora é o partido que recebe as vagas e não o candidato. Para o cargo de prefeito, continua sendo possível a união de diferentes partidos em apoio a um candidato[1].

Se por um lado isso tornou as eleições mais disputadas, por outro, deu mais segurança ao eleitor que poderá acompanhar mais de perto o resultado e o desempenho de seu partido e candidato. Nos municípios essa é uma questão relevante, pois muitas vezes um candidato a vereador que foi bem votado acaba perdendo a eleição para um que fez menos votos, e isso acontecia porque o voto alcançado pela coligação acabava privilegiando os velhos caciques da política que se mantinham no poder indefinidamente valendo-se deste artifício.

Essa nova situação fez com que o número de candidatos aumentasse, pois cada partido teve de lançar seus próprios candidatos, sob risco de não alcançarem o quociente eleitoral para eleger alguém de sua sigla, uma vez que não mais contará com o apoio de legendas consideradas fortes e que muitas vezes foi a responsável por eleger sempre os mesmos candidatos. Agora cada sigla deverá se empenhar para mostrar realmente a sua força, o que deixará o pleito bem mais interessante.

Só para ter uma ideia, reuni abaixo um quadro demonstrativo com o número de concorrentes às eleições em Brasilândia/MS nos últimos 38 anos para o cargo de prefeito e vereador[2]. Se o número de concorrentes para o cargo de prefeito manteve-se padrão, entre dois e três candidatos, com exceção de 2000 quando concorreram quatro candidatos, já para o cargo de vereador o número de concorrentes foi bastante variável. 

Se nas últimas eleições municipais, que ocorreu em 2016, por exemplo, disputaram apenas 35 candidatos para o cargo de vereador, quatro anos depois, na eleição deste ano temos inscritos no TRE/MS, nada menos que 69 candidatos. Um aumento de quase 100%.



Outro elemento que chama a atenção é a comparação entre os anos. O número de candidatos a vereador de 2020 praticamente iguala-se ao número de candidatos de uma eleição que ocorreu há 32 anos, quando os candidatos chegaram a 71 participantes na disputa por uma vaga no Legislativo municipal local.

Naquele ano concorreram ao cargo de prefeito, três candidatos, José Candido da Silva, que foi eleito pelo PTB, com 2.215 votos, derrotando os candidatos Patrocínio de Souza Marinho, do PMDB, com 1.436 votos, e Joélio dos Santos Lima, o estreante candidato do PT, sigla que concorria pela primeira vez no município e que obteve apenas 130 votos.

A questão, entretanto, que instiga o observador é: --O que essas duas datas, 1988 e 2020 teriam em comum? --O que justificaria a candidatura de tantos concorrentes ao cargo de vereador em Brasilândia nestes anos?

Em 1988, numa rápida digressão histórica, arrisco a dizer que a realidade daqueles dias mostrava um município atravessando uma grave crise econômica, reflexo da implantação pelo governo federal do Plano Cruzado cuja reforma tributária orquestrada por José Sarney, de congelamento de preços e salários, levou o Brasil ao fracasso de ter de conviver com uma inflação de 337% que só teve fim em 1989.

No olho deste furacão, aliado ao desencanto dos cidadãos com a atuação dos vereadores locais, em franca oposição à prefeita municipal da época, Neuza Maia, o município não dispunha de recursos sequer para pagar o funcionalismo público e o 13º salário que se encontrava em atraso, tendo de se valer de empréstimo bancário para saldar as dívidas.

As irregularidades apontavam também para o Legislativo: gastos e contratação de pessoal acima do necessário, altos salários e a promoção de páginas inteiras nos jornais, como se o dinheiro público fosse ilimitado, como foi denunciado na época. Esta teria sido a causa motivadora para o surgimento de tão elevado numero de candidatos em 1988, algo assim, como que querendo dar um basta aos descalabros políticos da época.

Nos dias atuais, entretanto, o município não vive qualquer abalo em sua economia, muito menos com atraso no pagamento aos servidores e estrangulamento de suas contas públicas.  O foco seria mesmo o Legislativo local que, ao contrário do Executivo que desapontou menos a população, despertou protesto numa parcela significativa da comunidade que teve de presenciar, por vez primeira, um vereador destituído de suas funções por irregularidades praticadas. 

Ainda que a Câmara municipal tenha galgado o mérito de ter aprovado o impeachment de um de seus pares, paradoxalmente teve o demérito de conviver com a impopularidade motivada ainda por uma desafortunada cassação de prefeito, que foi revertida em pouco mais de 24 horas pela Justiça, o que ofuscou sensivelmente o brilho daquela edilidade.

Uma das explicações possíveis para entender o porquê de um número tão alto de candidatos a vereador nos anos que se seguiram a 1988 e agora 2020, teria sido, portanto, a insatisfação popular e o descontentamento geral com os vereadores. Situação que rendeu um saldo positivo fazendo despertar o desejo de mudança na forma de fazer política pelo Legislativo. Este parece ter sido o recado dos cidadãos em épocas distintas, não nas urnas, mas decidindo fazer parte do pleito diretamente.

E o que se viu, por conseguinte, foi uma acirrada busca, na proporção de sete candidatos para cada vaga de vereador, de cidadãos e cidadãs comuns se lançando - a maior parte deles pela primeira vez -, no desafio de se tornar um servidor público por excelência, um agente político capaz de bem administrar os destinos de seu município.

Em 1988, Jorge Madeira foi eleito vereador e José Quintino de Souza e Euclides Buzatt ficaram como suplentes. Hoje, no pleito que se aproxima, oito dos atuais vereadores buscam a reeleição numa disputa que envolve 69 candidatos. Todos alimentando o sonho de ocupar uma cadeira no Legislativo local e dar o melhor de si pela cidade que amam com oportunidade justa para todos.

Mas voltaremos ao assunto.

 

Brasilândia/MS, 28 de setembro de 2020.

 



[2] - Mais informações sobre as Eleições em Brasilândia/MS, cf. DUTRA, C.A.S. História e Memória de Brasilândia, vol. 5, O poderes, as eleições e a política, p. 38-42, Brasilândia, Edição do Autor, (no prelo).

[Fotos] Fotos dos candidatos a vereador em ordem nominal alfabética obtidas na Internet via Fabricio's Post, em 28.Set.2020.

[Atualizado em 29.Set.2020]