terça-feira, 13 de dezembro de 2016




Arikâ Xehitâ-ha, velho guerreiro Ofaié

Carlos Alberto dos Santos Dutra




Os passarinhos não cantam mais porque estão foragidos de medo: barulho de maquinários que destroem sem piedade. Fogem sem rumo deixando seus filhotinhos para trás. Perdem as suas vidas sem erro nenhum. Meu Deus, quanta ganância por injustiça! E o índio também sofre o mesmo regime. Quando luta pelo seu direito encontra a desgraça imperfeita, criada pelo inimigo desconhecido. Que pensa o homem? Esquece a própria vida, esquece os próprios filhos quando sai para lugares estranhos. Mexer com o índio que nada pensa porque está na sua terra, no seu ranchinho, mesmo sendo esquecido pelas autoridades competentes, que fingem não saber o problema. Se a decisão chegasse com força o índio estaria tranquilo, ia trabalhar mais sossegado, sem desconfiança nenhuma. O índio espera esta oportunidade.

Este poema (Duas Vítimas) é de autoria de um jovem índio Ofaié chamado  Xehitâ-ha, nome indígena que recebeu Ataíde Francisco Rodrigues antes de ser batizado pelos brasileiros, no dia 15 de abril de 1957. Membro da comunidade indígena Ofaié, do tronco macro-jê, descende de uma família de caciques. Antes, porém, era um poeta. Também escritor e líder de seu povo.

Desde jovem dedicou seu trabalho na promoção e defesa da sofrida comunidade a que pertence e a qual ajudou a soerguer-se das cinzas, apontando-lhes uma esperança. Foi muito bem alfabetizado em português, por uma das famílias que, juntamente com outros fazendeiros, acabaram por tomar suas terras. Pode assim, desta forma, através da palavra, falada e escrita, atuar de forma decisiva, levando adiante as aspirações de seu povo. Com a sensibilidade e erudição que lhe foi sempre peculiar, manifestou suas ideias, desenvolveu a poesia, resgatou a história e semeou um rumo para a nação Ofaié.

Na introdução do livro “Ofaié, morte e vida de um povo”, editado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, em 1996, Xehitâ-ha nos brindou com uma pequena parte da sua produção de escritos paridos dez anos antes, quando o conheci, e que sobreviveu às constantes andanças e perseguições que têm sido vítima estes tradicionais caçadores e coletores da margem direita do rio Paraná e que mantinham sob domínio e controle uma extensa área onde habitavam desde o rio Sucuriú até o rio Ivinhema.

Não poucas vezes seu caderninho de anotações extraviou-se. E, pacientemente, lá o encontramos, sob a lamparina, a escrever tudo de novo, revivendo em silêncio cada momento sofrido nos campos do abandono pelos órgãos oficiais.

Lutador incansável pela sobrevivência de seu povo, sua rica produção de escritos  -- que hoje integra o acervo do Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro,  da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas-MS --, revela o quanto seu empenho e seu comprometimento com a luta pela terra ancestral de seu povo marcou a história deste Estado.

De forma admirável, desafia os senhores da terra com seu canto de poesia e dor. Seus relatos, ora em tom áspero e profundo, ora emocionado e pueril, navega entre o lírico e o rasteiro, carregando nas palavras toda a força de sua narrativa.

Sua história, assim como a sobrevivência da língua deste povo, mais do que um lamento a ser ouvido, é o grito, de indignada esperança, que se traduz inteira na carência de solidariedade devida.

Solidariedade que este velho guerreiro, meu irmão, que aprendi a admirar e respeitar, no dia de seu passamento, 13 de dezembro de 2016, há de contemplar lá do alto da colina, onde os pássaros voam livres e em paz. E onde o espírito repousa no Agã-chanagui de sua e nossa existência.

Arikâ Kren-graí. Adeus Xehitâ-ha Ofaié.

Para saber mais sobre Xehitâ-ha, acesse http://www.ndh.ufms.br/?page_id=943

Foto: Bill Gann (Fotógrafo da Revista Nathional Geographic), 1991.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Os pássaros e a beleza do Rio Verde.


A preocupação com o meio ambiente, infelizmente, hoje, se faz notar somente por uma minoria que se posiciona publicamente contra as agressões praticada contra ela. É incrível. Com toda a tecnologia e informação disponível ainda vemos nos dias atuais homens maduros gastando parte do seu tempo produtivo capturando animais silvestres. Causa indignação a recente noticia que em Santa Rita do Pardo um cidadão foi flagrado criando 17 aves silvestres em cativeiro no assentamento rural Porto Seguro, segundo o Portal G1.

Atitude digna não de uma criança, pois os jovens hoje estão aí a ensinar como se deve respeitar o meio ambiente em ações e projetos que são o orgulho para muitos pais e professores. A notícia diz que ele foi multado em 9 mil reais. Faz-me rir. Como coisa que multas contra pessoas que agridem o meio ambiente fossem pagas ou modificassem a mentalidade primitiva dessas pessoas.

A lá estavam na residência do assentado três paturis, um canário-da-terra, cinco pássaros-pretos, quatro curiós, três coleirinhas e um sangue-de-boi, que estavam em 15 gaiolas a espera de compradores que vivem do tráfico de animais. Mais que isso, pássaros que lá estavam – oxalá -, a espera que algum vizinho levantasse a voz e denunciasse este ato criminoso praticado contra a vida desses animais indefesos.

Cá no nosso quintal, a natureza também não está segura. Como se não bastasse as dezenas de atropelamentos de animais silvestres pelas estradas, sobretudo pela BR 158 que atravessa a Reserva Cilsapina e diversas áreas de preservação e maciço florestal plantado entre Brasilândia e Três Lagoas, a ação predatória do homem engrossa a fila dos destruidores da natureza.

Há poucos dias a Polícia Militar Ambiental autuou e multou um homem de 35 anos por derrubar árvores nas margens do curso d’água de um riozinho cristalino que atravessa o loteamento Beleza Rio Verde, aqui em Brasilândia. Um loteamento criado para o deleite daqueles que curtem a natureza, na margem de um dos rios mais piscosos que existiu na Costa Leste Sul Mato-grossense, eis que este cidadão, resolve, a seu bel prazer, degradar 10 mil metros quadrados de mata ciliar que protege as margens desse rio, que é Área de Preservação Permanente (APP) protegida por lei.

A notícia informa que ele deverá pagar uma multa de 5 mil reais e apresentar um plano de recuperação de área degrada. Área degrada, registre-se, que ele próprio degradou. Recuperação que, aliás, nunca será igual e com a mesma diversidade implantada ao longo do tempo pela natureza pela margem do rio que serviu e serve de alimento para a fauna deste córrego Beleza e deságua seu caudal a poucos metros no Rio Verde.

Assim como os pássaros, presos e debatendo-se em minúsculas gaiolas, assim também se vai a beleza dos rios quando solapamos suas matas ciliares e o sufocamos com nossa irresponsabilidade. (Por Carlos Alberto dos Santos Dutra)