Arikâ Xehitâ-ha, velho guerreiro Ofaié
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Os passarinhos não cantam mais porque estão foragidos de
medo: barulho de maquinários que destroem sem piedade. Fogem sem rumo deixando seus filhotinhos para trás. Perdem
as suas vidas sem erro nenhum. Meu Deus, quanta ganância por injustiça! E o índio também sofre o mesmo regime. Quando luta
pelo seu direito encontra a desgraça imperfeita, criada pelo inimigo
desconhecido. Que pensa o homem? Esquece a própria vida, esquece os próprios filhos quando
sai para lugares estranhos. Mexer com o índio que nada pensa porque está na sua
terra, no seu ranchinho, mesmo sendo esquecido pelas autoridades competentes, que
fingem não saber o problema. Se a decisão chegasse com força o índio estaria
tranquilo, ia trabalhar mais sossegado, sem desconfiança nenhuma. O índio
espera esta oportunidade.
Este poema (Duas Vítimas) é de autoria de um jovem
índio Ofaié chamado Xehitâ-ha,
nome indígena que recebeu Ataíde Francisco Rodrigues antes de ser batizado
pelos brasileiros, no dia 15 de abril de 1957. Membro da comunidade indígena
Ofaié, do tronco macro-jê, descende de uma família de caciques. Antes, porém, era
um poeta. Também escritor e líder de seu povo.
Desde jovem dedicou
seu trabalho na promoção e defesa da sofrida comunidade a que pertence e a qual
ajudou a soerguer-se das cinzas, apontando-lhes uma esperança. Foi muito bem
alfabetizado em português, por uma das famílias que, juntamente com outros
fazendeiros, acabaram por tomar suas terras. Pode assim, desta forma, através
da palavra, falada e escrita, atuar de forma decisiva, levando adiante as
aspirações de seu povo. Com a sensibilidade e erudição que lhe foi sempre peculiar,
manifestou suas ideias, desenvolveu a poesia, resgatou a história e semeou um
rumo para a nação Ofaié.
Na introdução do
livro “Ofaié, morte e vida de um povo”, editado pelo Instituto Histórico e
Geográfico de Mato Grosso do Sul, em 1996, Xehitâ-ha nos brindou com uma
pequena parte da sua produção de escritos paridos dez anos antes, quando o
conheci, e que sobreviveu às constantes andanças e perseguições que têm sido
vítima estes tradicionais caçadores e coletores da margem direita do rio Paraná
e que mantinham sob domínio e controle uma extensa área onde habitavam desde o
rio Sucuriú até o rio Ivinhema.
Não poucas vezes seu
caderninho de anotações extraviou-se. E, pacientemente, lá o encontramos, sob a
lamparina, a escrever tudo de novo, revivendo em silêncio cada momento sofrido
nos campos do abandono pelos órgãos oficiais.
Lutador incansável
pela sobrevivência de seu povo, sua rica produção de escritos -- que hoje integra o acervo do Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, Campus de Três Lagoas-MS --, revela o quanto seu empenho e seu
comprometimento com a luta pela terra ancestral de seu povo marcou a história
deste Estado.
De forma admirável,
desafia os senhores da terra com seu canto de poesia e dor. Seus relatos, ora
em tom áspero e profundo, ora emocionado e pueril, navega entre o lírico e o
rasteiro, carregando nas palavras toda a força de sua narrativa.
Sua história, assim
como a sobrevivência da língua deste povo, mais do que um lamento a ser ouvido,
é o grito, de indignada esperança, que se traduz inteira na carência de
solidariedade devida.
Solidariedade que este velho guerreiro, meu irmão, que aprendi a admirar e respeitar, no dia de seu passamento, 13 de dezembro de 2016, há de
contemplar lá do alto da colina, onde os pássaros voam livres e em paz. E onde o
espírito repousa no Agã-chanagui de sua e nossa existência.
Arikâ Kren-graí. Adeus Xehitâ-ha Ofaié.
Para saber mais sobre Xehitâ-ha, acesse http://www.ndh.ufms.br/?page_id=943
Foto: Bill Gann (Fotógrafo da Revista Nathional Geographic), 1991.
Prof. Carlito, parabéns pelo seu trabalho de resgate e valorização da cultura Ofaié Xavante!
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