sexta-feira, 30 de julho de 2021

 

Acácio Rocha: o adeus a um debrasense de coração.

Carlos Alberto dos Santos Dutra






Memória se assemelha a dupla face de Jano, da mitologia romana. Quando deitamos os olhos sobre um lado, o outro se nos apresenta oculto. Assim é com a vida: como se fosse uma folha de papel que escrevemos e não sabemos o que se encontra no verso. Com certos vultos, a linha que separa estas duas realidades às vezes é tênue; é como se a folha de papel, onde foi escrita sua história de vida, fosse transparente, a ponto de permitir ver a trajetória translúcida e brilhante deste personagem.

Com seu Acácio Rocha, podemos dizer que foi assim. Seus passos e caminho construído, profissional e pessoal, o transformaram numa referência para qualquer um que chegasse ao distrito Debrasa. Eram tempos áureos da produção de cana de açúcar e o poderio econômico daquela comunidade a fazia ter aspirações, até mesmo de vir a se transformar em município.

E ele estava lá, sedimentando a caminhada do lugar, com sua presença, seu trabalho, sua atividade econômica, constituindo família; enfim, investido de status e cidadania de um debrasense que dedicou sua vida integrado àquela comunidade geradora de trabalho e renda para sua gente.

Essa era a face que todos viam e sentiam orgulho do cidadão que ele se transformara. Nascido no dia 23 de novembro de 1951, ele também revelava no íntimo outra face: a de ser portador de uma bela história pessoal, de vida, de sonhos e superações. São os filhos agora que recordam o lado familiar mais íntimo de seu papis e o fazem com muito carinho, todo o respeito e eterna gratidão.

Casado com Marília Pereira Rocha, ao lado da esposa construiu seu primeiro lar onde acolheu nos braços os quatro filhos que Deus lhe deu. Experiência que lhe consolidou a maturidade e o encheu de alegria e bênçãos: Lani Cássia Pereira Rocha, Hélton Cássio Pereira Rocha, Jeferson Aparecido da Silva e Acácio Rocha Junior.

Em 2009, com 58 anos de idade tornou-se viúvo. Homem bom, trabalhador e ainda com filhos para criar, dois anos depois conheceu aquela viria a ser sua esposa, a professora Maria Partonice Almeida Rocha com quem se casou e que ao seu lado reencontrou a alegria de viver, sobretudo com a chegada dos netos que lhe encantavam os dias.

Desde que chegou ao distrito Debrasa em 1982, como simples trabalhador rural, foi no corte da cana que ele conferiu dignidade ao labor que sempre desempenhou na lavora. Logo chegou à condição de fiscal de campo e, alguns anos depois, tornou-se encarregado do departamento agrícola da então poderosa usina Destilaria de Álcool Debrasa S. A.

Trabalhou nesta empresa até 1990 quando dela se desligou e passou a dedicar-se juntamente com a esposa, no ramo do comércio: a Mercearia Rocha - Secos e Molhados. Durante vinte anos este palmeirense do coração atendeu a população da Debrasa. Conhecia um a um seus moradores, desde simples trabalhadores indígenas até encarregados e alta chefia da empresa que frequentavam seu estabelecimento. Período em que seu Acácio Rocha tornara-se respeitada referência no lugar.

A partir de 2011 ele transferiu os negócios para o seu filho caçula, Acácio Rocha Junior que passou a administrar com a mesma presteza e atenção do pai o estabelecimento da família. Mesmo sob a gerência do filho, com o passar dos anos, era possível ainda vê-lo sentado em frente da mercearia, cumprimentando os amigos e as novas gerações que se sucediam enquanto assistia em silêncio o declínio do plantio da cana naquela comunidade.

Os filhos recordam que o pai foi um homem de personalidade forte e presente, constituiu em sua trajetória, bons e duradouros amigos e admiradores. Na comunidade sempre ajudou ao próximo com cuidado e presteza. Nem de longe seu Acácio transparecia que tinha estudado somente até a 4ª série. Ele tinha um admirável dom: seu ponto forte era a clareza de administrador. Ele gostava de fazer cálculos, sempre foi muito bom na matemática, lembram os filhos com brilho nos olhos.

Em assim agindo, seu Acácio passou para os filhos qualidades que serviriam para toda a vida: honestidade e persistências em suas convicções. Sim. Foi um homem simples, porém de enorme sabedoria. Conhecimento que poucos sabiam que ele possuía: como o gosto para cozinhar comidas típicas do interior, recordam os filhos com saudade.

Momentos esses inesquecíveis que os filhos, esposa e amigos, irão lembrar para sempre com muito  carinho, orgulho e a satisfação de terem estado ao seu lado e ouvir seus conselhos. E vê-lo sorrir, mesmo quando a dor e a doença lhe fizeram companhia. Sempre rodeado de amigos, contando causos e piadas, mantinha a sua volta um círculo de bondade que o protegia das tristezas e desesperanças da vida.

Este escrevinhador lembra que no tempo da política quando o distrito Debrasa se transformava em polo de atração de candidatos, aquilo era o que sempre acontecia: o palanque eleitoral montado em frente a sua mercearia era o ponto de encontro de todos, independente das cores partidárias que vestissem, ali era o lugar onde as ideias circulavam e as amizades se consolidavam. Ao longo dos anos, todos que por ali chegavam, faziam questão de dividir com seu Acácio o prazer de tomar uma cervejinha com os amigos e recordar os tempos antigos.

Homem de fé, enquanto esteve à frente do seu comércio, trabalhava de segunda a segunda. O único dia do ano que seu Acácio não abria seu comércio era na sexta-feira santa, onde fazia questão de reunir seus filhos e... Aqui o filho que nos conta essa história de vida, não esconde a lágrima que rola no seu rosto. E se perde nas palavras dando espaço somente a voz do coração.

Cheio de saudade pronuncia em silêncio as últimas palavras de adeus ao seu velho e querido pai, fazendo coro junto com os demais filhos, esposa, netos e amigos que o conheceram...

O homem, pai e avô que, em 1993 festejou a chegada do seu primeiro neto, Joldeir, da parte de sua filha Lani Cássia; que teve a felicidade de ver casar seus filhos Jeferson Aparecido em 2004 e Acácio em 2010, e ainda em 2009 alegrar-se com o filho Hélton Cássio vendo-o formado em Psicologia..., depois de toda esta trajetória, sim, ele tinha razões de sobra para estar feliz.

Felicidade que hoje a família celebra -- com o coração partido pela dor da despedida --, mas com a alma em paz e o conforto de saber que seu Acácio viveu e promoveu vida a sua volta, semeou amizades e, firme nas suas convicções, colhe agora o fruto de seu trabalho e caminhada que empreendeu este antigo morador.

A vida, ele deixou para traz aos 69 anos de idade no dia 21 de julho de 2021, ainda ontem. E as estradas empoeiradas de sua querida Debrasa são apenas lembranças para aquele que experimenta hoje a glória de poder pisar a relva pura dos campos do Senhor. Descanse em paz, amigo Acácio Rocha, um debrasense de coração.

 

Brasilândia/MS, 30 de julho de 2021.



 

 

 

 









Fotos: Recolhidas em https://www.facebook.com/lanicassia.perreirarocha 

Texto: Com informações fornecidas pelos filhos Lani Cássia, Hélton Cássio, Jeferson Aparecido e Acácio Jr. em 29 de julho de 2021.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

 Ariovaldo Carlos de Oliveira: as mãos e o trabalho de um homem de bom coração.


 






Um dia existiu um homem que olhava o mundo a sua volta de forma diferente. De origem rural e formação humilde contentava-se em apreciar o nascer do dia desde os primeiros raios de sol de cada manhã. Ficava horas mirando o horizonte como se estivesse conversando com a estrela maior que despertava, a ponto de, às vezes, nem perceber que pé ante pé uma menina de rosto rosado se aproximava jogando-se inteira nos seus braços.

Pouco se importava e nem reparava as mãos calejadas do pai: o que ela queria mesmo era abraçá-lo e estar junto de seu astro-rei o resto dia. Tudo se transformava de repente e tudo parecia um sonho. Mas a menina e o irmãozinho ao seu lado, permaneciam ali, olhando, sorrindo, acenando, como se dele estivessem lembrando e vendo aquele vulto pela última vez.

O carinho e a presença dos filhos, Ariani e Henrique, sempre foram o maior tesouro que aquele homem carregou no coração e nos braços. Com o mesmo amor que devotava à esposa Nina, de candura inigualável, sua dedicação aos filhos era uma verdadeira oração. Juntos formavam o mais belo par. Algo que o jovem Ariovaldo Carlos de Oliveira sempre sonhou em construir e foi abençoado com este presente do céu: a sua amada e respeitada família.

E lá encontramos o pai, seu Andrelino Carlos de Oliveira, carinhosamente chamado por todos de seu Ico, e dona Dorvina Pereira Oliveira, mãe guerreira regendo a orquestra de uma família de dez filhos, em busca de  um jeito de lhes dar nomes que facilitasse chamá-los sem confundir-se. E assim foi, na medida em que iam nascendo foram recebendo o nome, todos com a letra ‘A’: Ariovaldo (Ari), Anadir, Ariobaldo (Badim, falecido), Adalto (falecido), Adalberto (Branco, falecido), Ademar (Zino, falecido), Adelmo (), Analzira, Nilton (César), e Alessandro (Britinho).

O filho mais velho nestas horas, ao lado do pai, era o esteio da casa. Foi no convívio íntimo com a mãe, e a responsabilidade de ajudar a criar os irmãos que o jovem Ariovaldo foi moldando o caráter e sedimentando o encargo que o transformou num homem e o fez ainda muito novo trabalhar nas fazendas com o pai para ajudar a sustentar a família. Tal exigência se, por um lado lhe conferiu respeito e independência, por outros o afastou dos estudos, tendo concluído somente a quarta série na fazenda onde trabalhava.

Sua família era natural da região de Três Fronteiras, no estado paulista, mas, no ano de 1956 aportaram no município de Brasilândia, quando foram trabalhar na fazenda São João. Foi ali que o jovem Ari e a família de seu pai trabalharam por trinta anos para a família Ferreira, que eram donos das fazendas São João e Barra do Cedro, cuidando de lavoura e pecuária.

Mas para o jovem Ari, que havia nascido no dia 25 de novembro de 1950, foi em terras brasilandenses que ele fez sua verdadeira história. Embora tenha estudado somente as séries iniciais numa escola que funcionava na Cabeceira Perdida, ele sempre se mostrou muito interessado e conhecedor da ciência da matemática e da dinâmica dos números: fazia cálculos sempre de cabeça sem o auxílio de lápis (e muito menos calculadora que nem existia na época) e, como recorda a filha Ariani: - ele carregava sabedoria de quem tinha a experiência e amor pela família.

Quem o conheceu em Brasilândia, logo percebia que ele amava e conhecia palmo a palmo esta cidade e sua gente. Desde a infância e juventude, e depois já homem feito, sempre era visto indo e voltando para o trabalho em sua bicicleta Monark barra forte vermelha, recorda a filha Ariani. Ele teve várias mas sempre da mesma cor e modelo, sorri com saudade.

Nas horas de folga, o seu lazer era jogar bola. Torcedor desde pequeno do time do São Paulo, sempre gostou do esporte, em especial do futebol de campo. Isso sempre foi uma alegria para aquele moço de olhar cabisbaixo e um enorme coração poder correr com a bola nos pés pelos campos em jogos pelas fazendas quando eram realizados torneios, muito comuns em tempos passados. Quando sabia que ia acontecer um desses eventos, mesmo em lugares distantes, ele sempre dava um jeito de ir: muitas vezes, a pé ou a cavalo para jogar bola.

Ainda moço, aos 24 anos de idade, casou com Nina Miranda de Oliveira, de 21 anos, e que conhecera alguns anos antes. O casamento ocorreu no dia 31 de julho de 1976 em cerimônia religiosa realizada na igreja matriz da Paróquia Cristo Bom Pastor, e celebrado pela Irmã Maria Aparecida, da Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado que administrava a paróquia na época.

Dessa união o casal teve dois filhos: Ariani Miranda de Oliveira Menezes e Jorge Henrique de Oliveira. Rebentos que frutificaram para a alegria dos avós brindando-lhes três netos: Matheus, hoje com cinco anos; Arthur, com dois anos, e Davi, com um ano e meio de idade. Já com família formada, no ano de 1985, seu Ariovaldo mudou da fazenda Barra do Cedro para a sede do município de Brasilândia, de modo que os filhos pudessem estudar.

Depois de ter trabalhado na lida do campo, desde as condições mais humildes, passando por cerqueiro [alambrador] e administrador de fazenda, concluiu sua trajetória de vida como servidor municipal. O fardo da vida que carregou, entretanto, nunca fez com que esmorecesse. Permaneceu sempre disposto para trabalhar, alimentando o gosto pela música caipira e assistir seus jogos de futebol.

E olha lá o avô, agora curtindo e brincando com os netos que eram sua maior paixão. O amor era tanto que, soluça a filha ao recordar, ele antes de falecer pediu para beijar a foto dos netinhos. Ver o filho formado era  outro sonho que seu Ari alimentava. E pode realizá-lo ao vê-lo cursando já o quinto ano de Medicina, muito próximo de dar-lhe completa alegria.

Entre as tristezas que a vida lhe reservou e que ele guardava no silêncio de seu coração estava a morte do pai, seu Andrelino, falecido em 30 de agosto de 2001 aos 82 anos de idade; e a perda dos irmãos: Adalto, Branco, Zino e Badim. Quando descobriu que estava com câncer ele e sua esposa mudaram para a cidade de Dracena/SP, onde a filha Ariani residia. A filha recorda que durante o tratamento o pai falava que depois, quando fosse curado iria voltar para terrinha amada, Brasilândia.

Mesmo com as dores da metástase óssea, ele sempre falava que o difícil não era a doença e sim não poder trabalhar. Homem acostumado ao labor, sempre que as pessoas perguntavam como ele estava ele prontamente  respondia --estou bem, estou melhorando, com um sorriso inocente no rosto. Mesmo nos piores momentos de dor ele nunca reclamou da sorte. Sempre muito positivo e, com sorriso, encarou a vida sempre de frente.

Esse foi o legado que seu Ariovaldo deixou para a esposa, os filhos e os netos: um  exemplo de dedicação como esposo, um pai carinhoso e presente, e que plantou  no coração de cada um de seus rebentos o orgulho de vê-lo sempre lutando para à família nada faltar.

Orgulho igual sentia o pai, agradecido, enquanto seu rosto queimado pelo sol conversava  com a aurora de cada dia: era todo gratidão pela família, pela esposa fiel e dedicada, pela filha bancária e pelo filho que em breve há de ser um médico. Lições de humildade e perseverança que todas as manhãs lhe animavam. E que permaneceram guardadas na alma, até o dia em que a dor já não lhe causou mais qualquer sofrer.

Ariovaldo Carlos de Oliveira faleceu no dia 23 de julho de 2021, com 71 anos de idade deixando um rastro de admiração e saudade. Descanse em paz amigo Ari, homem de um bom coração.

 

Brasilândia/MS, 28 de julho de 2021.


























Fotos e texto redigido com informações fornecidas pela filha Ariani Miranda de Oliveira Menezes, em 27 de julho de 2021. 

terça-feira, 27 de julho de 2021

 

Dona Eunice Rodrigues Fonseca: a simplicidade e o sorriso que venceu a dor.

Carlos Alberto dos Santo Dutra


 








O encontro com a vida, que cada um de nós realiza acontece desde o momento que respiramos pela primeira vez. A partir dali a sorte está lançada para aquele pequeno ser que dia a dia cresce e percebe o que se encontra a sua volta. Sorte aqui é sinônimo de lar, família, segurança, carinho, amor.

Pois é este amor e segurança que permite à criança dar seus primeiros passos e seguir em frente para encarar o mundo, encarar a vida, pintar o mundo com as cores que bem entender. Esses predicados, entretanto, nem sempre garantem a felicidade; eles dependem das circunstâncias e oportunidades que se nos são apresentadas ao longo do caminho.

Com aquela menina, em tempos recuados, somente o por do sol radiante era o colorido que iluminava sua vida. Raios de luz que lhe apontavam o rumo em direção ao amanhã. Casada muito cedo, seus pés pisaram fortes o cerrado mato-grossense acompanhando o esposo, jovem de família desbravadora desta terra desde há muito Xavantina.

Dona Eunice Rodrigues Fonseca, carinhosamente chamada de dona Nice nasceu na cidade paulista de Guataporanga, no dia 5 de janeiro de 1944. Filha de seu Ananias Rodrigues de Castro e dona Etelvina Rodrigues de Castro ela cresceu em meio a uma família de 12 irmãos: Antônio, Luzia, Maria, Ananias, José, Iná, Lázara, Plínio, Eunice, Deolinda, Izabel e Maria de Lourdes.

Vencendo as dificuldades da vida rural, seus avós e seus pais sempre viveram no interior, mas as principais recordações daquela que um dia fora jovem eram todas do tempo em que viveu na cidade de Adamantina, onde passou sua adolescência. Aos olhos daquela moça a cidade despertou sempre grande admiração, mesmo depois de adulta e já adiantada em idade, a saudade lhe fazia companhia, sobretudo quando recordava dos passeios pela praça central onde ela e as amigas circulavam com um sorvete na mão.

Ou então suas idas ao Cine Adamantina com as amigas e irmãs. Foram tempos de graça e encantamento, o que de certa forma a preparou para a vida que aos poucos foi se apresentando a sua frente. Recorda com muita lucidez ainda o tempo que trabalhou na casa de dona Abigail, gentil senhora que a acolheu no tempo em que estudava, e realizava para ela serviços domésticos. Neste período estudou até a quinta série numa escola municipal em Adamantina.

Durante a infância e início de sua juventude nesta cidade, se alegrava, junto de sua família, poder todos os domingos ir à missa, e depois, passear pelos jardins, ir ao cinema. Sempre protegendo e zelando por suas irmãs mais novas vendo-as crescer, sem descuidar de ajudar a mãe em casa e também ao pai, quando levava a comida até o local onde ele trabalhava, nos horários de almoço.

Certo dia, no ano de 1962, seus pais atravessaram o rio Paraná pela balsa do Porto João André e aportaram no município de Brasilândia. Seus Ananias, seu pai, recomeçou a vida aqui trabalhando como marceneiro e carpinteiro. Conforme a demanda do trabalho de construção de porteiras, galpões e sedes de fazenda eles se mudavam constantemente e andavam de fazenda em fazenda, às vezes até outras cidades. Até o dia que chegaram à fazenda Boa Esperança.

Nesta fazenda de propriedade do patriarca da cidade, Arthur Höffig, o pai de dona Nice viu um campo fértil para o seu serviço, sobretudo, pelas casas – que ajudava a construir -, pontes e móveis, lembra hoje a filha Cristiane. Ali dona Nice haveria de consolidar seu destino: depois de ter cruzado estradas, ajudado a abrir fazendas, e nunca esconder a mão ou recusar trabalho, onde quer que a família estivesse, conheceu aquele que seria seu esposo.

Ele trabalhava nesta fazenda Boa Esperança e o olhar cheio de encanto do jovem José Nicácio Fonseca haveria de conquistar o coração da jovem professora que ministrava aula na fazenda. Dona Nice, nesta época, cheia de predicados e formosura, igualmente, deitou os olhos sobre o jovem rapaz que era vizinho na colônia da fazenda, nascendo entre eles uma sólida amizade que se transformou em amor.

Dona Nice lecionava para os filhos dos empregados da fazenda e também para os adultos que lá trabalhavam. Foi lá que ela conheceu o seu Zé Fonseca, como se tornou conhecido, e que logo despertou interesse pela jovem Eunice começando a cativá-la. Dona Nice nesta época tinha namorado, porém, se deixou levar pelos encantos do seu futuro esposo e separou de seu namorado, recorda a filha Cristiane.

Após namorarem por um bom tempo, cerca de um ano, eles se casaram, com a aprovação do pai e da mãe, os quais gostavam muito de seu genro. Ele, José Nicácio Fonseca, nascido em 17 de abril de 1944, na própria fazenda Boa Esperança, era filho de um dos pioneiros fundadores de Brasilândia, Antenor Fonseca (nascido em 5 de maio de 1912 em Xavantina) e dona  Rosa Nicácio Fonseca (nascida em 16 de setembro de 1922).

Mesmo depois de casados dona Nice continuou na fazenda Boa Esperança trabalhando como professora ainda por oito anos, ensinando seus pupilos a ler, escrever e fazer contas, com muito zelo, sendo que seus alunos retratavam-na como muito exigente. E também ajudava a seu Antenor, seu sogro, fazendo a folha de pagamento dos funcionários da fazenda, quando o administrador não sabia ou não podia fazer.

Quando os filhos começaram a chegar, revelou-se uma exímia dona de casa, dedicando seu tempo aos  filhos e a família, além de dar suporte e conforto a todos que a ela recorriam. Juntos o casal teve quatro filhos: José Carlos, Paulo Sérgio, Edmilson e Cristiane. Com o tempo os filhos foram casando e brindando aquela senhora de netos: Ederson, Paulo Henrique e Pablo Tiago (filhos de José Carlos); Eduarda e Lívia (filhas de Edmilson); Ana Carolina, Ana Beatriz, e Ana Júlia (filhas de Cristiane).

A partir de 1985, já morando no novo bairro que surgia, COHAB Thomaz de Almeida, o casal logo se integrou ao grupo do Círculo Bíblico que foi criado no condomínio, ao lado de outros vizinhos, que para lá começavam a se mudar. Foram ali mais de trinta anos de feliz convivência, fé e harmonia. As reuniões semanais em sistema de rodízio nas casas foram bênçãos que iluminaram a vida daquele casal, fazendo-os suportar as dificuldades comuns da vida em família. Ao lado do esposo seu Zé Fonseca, dona Nice sempre lhe garantiu apoio suportando em silêncio a convivência nem sempre pacífica com a bebida que se tornou companheira do esposo, mal comum que acomete tantas pessoas.

Isso, entretanto, contrastava com o jeito amoroso e respeitoso que ele sempre tratou a esposa e os filhos, garantindo a alegria do viver ao casal. De comportamento reservado, porém portadora de um sentimento fraterno e de generosidade sem limites, dona Nice soube educar os filhos e dotá-los de valores humanos e altruístas que serviriam para a vida toda: humildade, honestidade e respeito.

Esteve sempre forte ao lado dos filhos quando a dor, a violência e a insegurança rondaram sua porta, mantendo-se esperançosa e confiante na justiça de Deus. Mulher de fé que era não sabia mais o que fazer quando alguém chegava a sua porta, recebendo a todos com um sorriso no rosto e as mãos estendidas para acolher.

Após o falecimento do esposo em 22 de janeiro de 2012, quando a doença e a idade ameaçavam tirar-lhe as forças, ela encontrava ânimo na fé e na igreja católica que lhe dava esperança e a impulsionava a ir à santa missa, grupo de oração e círculo bíblico, sempre que podia. Nunca faltava. Devota de Nossa Senhora Aparecida,  fervorosa, lá a encontramos nos últimos anos, aos domingos em frente da TV Aparecida assistindo a missa enquanto seus dedos já cansados não desistiam de dedilhar a reza pronunciando o terço todos os dias. Até quando sua saúde permitiu.

Ah dona Nice, nossas reuniões do Círculo Bíblico - findado este tempo de pandemia -, não serão mais as mesmas, em especial pela ausência e a dor que deixaste para a filha Cristiane e aqueles que lhe eram mais próximos. Mais do que sentir a dor de sua partida, porém, que os filhos e netos possam sentir orgulho pela avó que tiveram, silenciosa guerreira, mas não menos alterosa de virtudes e gestos de caridade que alcançavam longe.

Depois de ter enfrentado AVCs seguidos, nos últimos anos, fazia um esforço tremendo para lembrar o nome das pessoas, mas nunca perdeu o bom humor e o tom de brincadeira ao falar, coisas que despertou já nos últimos anos da vida. Sempre com um sorriso no rosto tratava a todos sempre com respeito e dignidade. Era como se a felicidade lhe acompanhasse aonde ia. Era como se livre estivesse das amarras e trancas de portas do passado antes impostas.

Sim, dona Nice se sentia livre. Livre como agora se encontra, liberta como os pássaros voando além do horizonte dourados que os olhos daquela menina ainda ontem haviam sonhado. Voe dona Nice, voe para o amor de Nossa Senhora, a quem tu eras devoto; voe para os braços de Deus para entregar-lhe o ramalhete de flores que fostes juntando um a um nos dias que por aqui passaste. Partes, mas o teu perfume há de permanecer entre nós. 

Dona Nice fez sua Páscoa definitiva no dia 25 de julho de 2021, aos 77 anos. Descanse em paz querida amiga dona Nice.

Brasilândia/MS, 27 de julho de 2021.

 




Texto e Fotos: Com informações fornecidas pela filha Cristiane Rodrigues Fonseca em 26.Jul.2021.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

 

Leonilda Marcondes, dona Lió: o melhor da vida é vivê-la bem, criar laços e ser feliz.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


A vida tem o seu curso, queiramos aceitar ou não. Apegamo-nos tanto a ela que, quando a despedida definitiva chega, é como se fôssemos pegos de surpresa. Esquecemo-nos que somos transitórios e que o melhor da vida é vivê-la bem, criar laços e ser feliz.

Foi o que aconteceu quando soube que dona Leonilda Marcondes partiu.  Sorrateira em meio a alegria de uma vida, não sem dificuldades, mas ciente do quanto tinha um papel a desempenhar, na família, na comunidade, e no seu tempo, a notícia foi se achegando e causando um aperto em nossos corações.

Pessoa simples, mas de uma aura radiante, sempre muito alinhada e elegante, demonstrando firmeza nos passos que dava, dona Lió, como era carinhosamente chamada, havia nascido na cidade paulista de Lins, no dia 31 de agosto de 1943. Sempre muito espirituosa e olhar focado na realidade que a cercava, a filha de seu Alípio Barbosa da Silva e dona Emília Marcondes, cresceu e tornou-se mulher, casou, e a partir de 1974 passou a residir em Cornélio Procópio/PR onde teve os filhos Valdecir, Paulo César, Cristiana, Claudemir, Cleide, Renata e Renato.

Sempre de cabeça erguida, mesmo depois de viúva, e por abraçar na fé o Deus da Vida, decidiu tocar em frente e voltar a acreditar no amor. Foi quando conheceu o mineiro Francisco Lino de Moraes, que lhe devotou respeito, companheirismo e um novo horizonte se abriu. Nascido em Andradas no dia 8 de julho de 1934, o filho de seu José e dona Sebastiana, depois de uma longa convivência uniu-se em casamento com dona Leonilda, para a alegria do coração daquela senhora menina.

Seu Francisco, homem simples, e trabalhador da roça, conheceu dona Leonilda no trabalho pelas fazendas, quando passaram a viver juntos, tendo ele ajudado a companheira a criar os dois filhos que ela segurava pela mão quando o conheceu: Cleonice e Altair. E outros que seu coração imenso de mãe generosa adotou.

Já em Brasilândia, moraram por muitos anos na rua Elviro Mancini, até mudarem-se para o bairro José Inácio Batista ampliando ainda mais o rol de amigos que ali cultivaramE lá está na lembrança dos filhos aquela gentil senhora de braços abertos recebendo o carinho de todos: num dado momento, corre-lhe ao encontro o neto Alisson, sempre crescendo, já quase um homem; em outro momento, outro netinho que se joga em seus braços. Pois para os avós eles, os netos, sempre serão crianças, para a tranquilidade e segurança dos pais, vendo a dedicação da mãe-avó que, a cada ano, estreitava o olhar e alongava os laços de amor, atenção e carinho pela família.

E cá está o escrevinhador recordando de um encontro de oração realizado na casa desta senhora, há alguns anos. Num dado momento ela nos chama em reservado e, em tom de segredo, diz a mim e minha esposa: -venham aqui que eu quero lhes mostrar uma coisa. Curiosos, avançamos pé ante pé em direção ao quarto onde se encontrava deitada sobre sua cama, uma de suas netinha, linda, ressonando, toda arrumada, salvo engano com uma blusinha vermelha. E com um sorriso angelical e olhos cheios de lágrimas, a vó aponta para a neta e nos diz: -ela é um de meus tesouros.

Essa é a vida maravilhosa que dona Leonilda Marcondes viveu e fez viver. Sua partida pode surpreender alguns. Mas para os que a conheciam, ainda que fosse jovem - 77 anos de idade -, todos guardam o consolo de que ela cumpriu heroicamente sua missão. Mesmo que as lágrima nos escapem, ela mereceu o prêmio: foi recolher no Céu as flores das sementes que aqui plantou. Sempre com altivez e alegria no olhar. 

Descanse em paz amiga querida, dona Leonilda Marcondes, diletíssima dona Lió.

Brasilândia/MS, 26 de julho de 2021.



quinta-feira, 22 de julho de 2021

 

Luilson e Victor: vocação é sempre resposta a um chamado de Deus.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


Vocação é sempre uma resposta. Não uma resposta qualquer. Isso porque a pergunta é mais que uma pergunta: é um chamado. E ele nos chega não pelos nossos ouvidos; mas pela voz do coração. Isso porque é um chamado de amor que sussurra e tem o sopro de Deus.

Quando este chamado nos chega este amor nos invade o coração. Algumas vezes parece dilacerar o coração e com o passar do tempo ele vai ganhando força e contornos diferentes. Até que um dia não é mais possível guardá-lo somente para si: somos impelidos a expressá-lo, a professá-lo, a cantá-lo aos quatro ventos.

Esta é a caminhada de uma vocação que vai amadurecendo aos poucos, durante a formação que pode acontecer num movimento, numa pastoral, num seminário. O chamado reclama, mas a resposta é livre. Algumas vezes quase imperceptível, noutras, escancaradas, impossível não percebê-la. Irrenunciável.

Para aqueles que atendem o chamado o caminho é longo e exigente. A formação em filosofia e teologia para aqueles que respondem à vocação ao sacerdócio, entretanto, os prepara para desamarrar as sandálias e experimentar degrau por degrau este aprendizado.

Próximo a concluir essa caminhada, o vocacionado começa já a experimentar a graça de ter chegado até ali. Começa a celebrar o advento do sacerdócio recebendo os ministérios de leitor e acólito’, serviços na Igreja que, antes do papa Paulo VI, eram chamados de ‘ordens menores’, e que recentemente o papa Francisco garantiu acesso através de mandato especial também às mulheres.

É isso que realizamos aqui nesta noite. Com grande alegria, a Diocese de Três Lagoas celebra o Ministério do Leitorado, concedido aos seminaristas Victor Henrique Ramos Silva e Luilson Augusto Gomes Siqueira. Dois jovens brasilandenses que são instituídos no serviço da mesa da Palavra, onde de forma oficial irão proclamar as leituras das celebrações (exceto o evangelho); poderão recitar o salmo entre  as leituras;  quando não houver diácono ou cantor, será ele a enunciar as intenções  da oração universal;  a dirigir o  canto  e  a  orientar  a  participação  do  povo  fiel..., tudo de modo a tornar-se um discípulo mais perfeito do Senhor.

E aqui está Victor Henrique Ramos Silva, filho de Brasilândia, nascido em 18 de agosto de 1993, com 27 anos de idade, filho de Solange Costa Ramos Silva e Gilberto da Silva. Batizado nesta mesma Paróquia Cristo Bom Pastor pelas mãos do padre Lauri Vital Bósio no dia 11 de dezembro do ano de seu nascimento, passou sua infância e juventude sempre com um sorriso estampado no rosto.

Aos 13 anos fez a sua 1ª Comunhão. Foi no dia 25 de junho de 2006, lembram seus pais, na mesma igreja em que foi batizado. Guarda com carinho a lembrança das catequistas Josefa e Eliana, e do padre Lauri que ministrou este sacramento que foi decisivo para o início de sua caminhada.

Ainda adolescente cursando o colegial terminou seus estudos em Brasilândia no ano de 2012, em sequência no ano seguinte, ingressou na faculdade de Gastronomia na AEMS na vizinha Três Lagoas. Alegre e desprendido, sempre gostou de cozinhar, assistir filmes, jogos eletrônicos, ler um bom livro, praticar esportes e estar com seus amigos e familiares. É carismático, atencioso, traz alegria onde há tristeza; é tudo de bom para um filho, reconhece a mãe orgulhosa.

Desde muito jovem Victor era muito assíduo às missas; atendo, sempre observando os padres e o rito dos sacramentos. Foi numa dessas ocasiões que sentiu de perto o chamado de Deus para uma experiência mais íntima com Ele: despertava assim a vocação religiosa.

Em 2015 tomou a decisão e iniciou os estudos religiosos no propedêutico, onde se teve mais certeza de sua vocação e após um ano foi direcionado a Campo Grande onde deu continuidade a seus estudos no Seminário Maior Regional Maria Mãe da Igreja, onde já se formou em filosofia e atualmente está cursando teologia no caminho de, com a graça de Deus, tornar-se um bom padre, lhe abençoam os pais.

O outro seminarista de Brasilândia a receber o ministério do Leitorado é Luilson Augusto Gomes Siqueira. Filho de dona Fátima Aparecida Gomes e seu Augusto Ramos Siqueira, ele nasceu no dia 14 de fevereiro de 1994, tendo também 27 anos de idade. Viveu a infância junto com a família que morava na barranca do rio Paraná, razão pela qual nasceu na vizinha Panorama/SP do outro lado do rio. A mãe lembra que ele, como filho, nunca lhe deu trabalho: sempre obediente,  estudioso, carinhoso e de um bom caráter, até hoje. Por isso ela confessa que entendeu quando soube que havia decidido ir para o seminário. Entendi que era um chamado de Deus, e fiquei muito feliz com a decisão dele.

Terceiro de um total de três irmãos, o jovem Luilson confirma que passou a sua infância com uma vida muito simples na beiro do Rio Paraná, no Porto João André, onde ainda cultivo gratas memórias. E relata sua trajetória vocacional: minha experiência de fé começou com a minha avó materna com a ‘Dona Maria Baixinha’, mulher de fé que ensinou a família os valores do amor a Deus e a vida de oração. Fui batizado no mesmo ano que nasci na capelinha do Porto João André, consagrada a Nossa Senhora das Graças, pelo saudoso padre Lauri.

Depois de uma infância retraída e os arroubos da juventude, aos 16 anos teve sua primeira experiência de fé ao frequentar o grupo a Renovação Carismática Católica, experiência essa que, nas suas palavras, mudou a minha visão do mundo, me possibilitando sentido para a minha existência. Fez sua primeira comunhão aos 18 anos de idade no tempo do padre Maurício Levy da Silva. Foi neste dia que ficou ‘tocado’ pelas palavras do padre que falou sobre a vocação. No mesmo ano recebi o Sacramento da Confirmação pelas mãos de Dom José Moreira Bastos.

Aos 19 anos de idade decidiu fazer a experiência no seminário, experiência que já perdura por quase oito anos. Confessa que não sei o que Deus ainda me reserva, mas permaneço atento ao seu chamado, buscando fazer a vontade Dele em minha vida. Sem dúvida, por ser um jovem reflexivo e dedicado aos estudos, a experiência tem-lhe garantido alimentar sua paixão pelos livros e estudos de filosofia e teologia.

Este jovem que tem gosto pelo futebol, flamenguista que é, aprecia estar com os amigos e, principalmente, com sua família com a qual faz questão de passar as férias escolares sempre em casa. O jovem Luilson que tem em Santo Tomás de Aquino sua grande referência de vida, de estudos e de santidade é hoje o seminarista que recebe juntamente com o colega Victor, o ministério do leitorado pelas mãos de Dom Luiz Gonçalves Knupp.

Parabéns novos Leitores. Deus os abençoe. São os votos da Comunidade da Paróquia Cristo Bom Pastor, padre Fábio Alves de Oliveira, diácono Carlito e todo o povo de Deus da Diocese de Três Lagoas/MS.

Brasilândia/MS, 21 de julho de 2021.