sábado, 28 de janeiro de 2023

 

O dia que a ponte do Rio Verde caiu

Carlos Alberto dos Santos Dutra



 


Contar a história deste episódio que marcou a vida dos brasilandenses que têm mais de 50 anos requer que façamos uma pequena digressão histórica. Os anos eram mil novecentos e sessenta e o transporte coletivo entre Brasilândia e o vizinho estado paulista acontecia através da empresa de ônibus Viação São Paulo-Mato Grosso Ltda que mantinha uma linha entre a sede da empresa, em Tupi Paulista até Três Lagoas. Depois de passar por diversas cidades do interior paulista até chegar a Panorama, explica o escritor de Panorama/SP, João Batista Marques, o desafio para os ônibus era a travessia do rio Paraná pela balsa, o que encarecia o preço da passagem por causa do seguro que era cobrado.

 

Neste trajeto, se, por um lado, havia pouco trânsito entre Porto João André e Brasilândia, a partir dali, até Três Lagoas, o ônibus vivia sempre cheio. Sem dúvida o maior desafio era a travessia da balsa que era sempre arriscada. Tanto que num dia desses, no tempo em que a empresa fazia esta travessia de Panorama a Três Lagoas, um ônibus de sua frota, ao sair da balsa do Porto João André caiu, e por muito pouco não foi levado pelas águas. O mesmo ônibus que posteriormente haveria de causar a maior tragédia vivida pela comunidade de Brasilândia e que acabou por determinar o encerramento das atividades dessa empresa no lado sul-mato-grossense.

 

Corria o dia 6 de fevereiro de 1966 quando os habitantes de Brasilândia, recém-emancipada, viram passar naquela tarde, pela última vez, o ônibus que regularmente saia da rodoviária, sempre lotado, vindo do Porto João André rumo à cidade de Três Lagoas. Ângelo Fabrício (ou Angelino, como era conhecido), o motorista, naquele dia teve de assistir o rompimento das estruturas da ponte de madeira que transpunha o rio Verde e que provocou a queda do ônibus causando a morte de 33 pessoas, 29 adultos e quatro crianças.

 

O jornal paulista Notícias Populares, no dia 11 de fevereiro de 1966 noticiou: Viajavam ao todo 39 pessoas e por verdadeiro milagre nove conseguiram salvar-se. Contam os mais antigos, diversas versões para esta história, porém todos são unânimes em dizer que foi sem dúvida, a maior tragédia acontecida nesta região.

O memorialista João Batista Marques, em seu livro Tempo heroicos. Resumo histórico da cidade de Panorama lançado em 2010, menciona que o acidente ocorreu em 6 de janeiro de 1966, porém, na verdade, jornais da época confirmam o fato ter ocorrido em 6 de fevereiro de 1966.

 

Seu Tarcisio Fonseca é uma das testemunhas ocular deste desastre. É ele que nos conta valendo-se da memória, os detalhes desta tragédia da qual também é um dos personagens: Na beira da ponte tinha um botequinho E tinha um paraguaio veio. Ele tinha cinco filhas que vinha dentro do ônibus, com neto e tudo. Aí passou um caminhão pesado de Três Lagoas pra cá. Estalou a ponte. Ponte de madeira, ponte velha. Aí ele falou: --Seu Angelino, não toca o ônibus não. Estalou a ponte aí no meio, o homem avisou.

 

–Ah, o quê, rapaz. Você tá bêbado, e fica aí enchendo o saco. E tocou o ônibus. Quando foi uns 50 metros pra diante a ponte estalou e quebrou pra trás. O ônibus veio de marcha à ré.

Aí, eu e mais um irmão meu que estava parando rodeio do gado na invernada, escutei: --Me acode. Ô, me acode. Ele falou: --Vou correr lá, que a mulher vai morrer afogada. Aí, chegando, o tanto de chegar lá, eu escutando: --Me acode. E aí, tudo saindo correndo para lá. Aí cheguei lá, já tava o ônibus dentro d’água, e cheio de mulher encima, e os meninos, tinha até uma mudinha que tava gritando: –Me acode. Aí, o ônibus foi afundando e eles rodando tudo.

 

Aí nós, --Vamos descer aí para baixo, caçando alguma coisa, nós vê. Descemos lá pra baixo, e já encontremos o bote e já subiram, e eu subi, puxando os cavalos, e ele subiu dentro do bote. Já acharam uma menina num ponto, essa mudinha, e umas malas. Aí eles vêm trazendo tudo para cima, o que achavam, mala, bolsa. Aí ficamos a noite inteira lá. O rio era correntoso e tava cheio, tava quase relando na pontezinha lá.

E aí já foram encostando, encostando. Daqui a pouco já tinha cem barcos lá e avião por cima, já veio, soube da notícia e já veio.

 

Seu Tarcisio relembra: O ônibus estava saindo de Brasilândia para Três Lagoas. Era de tarde, lá pelas 5 horas da tarde. Não lembro o nome da empresa, mas era de um português, o seu Antônio (Antônio Bigode). Sobre o nome da empresa lembra que parece que era Ouro Velho, já faz muito tempo.

 

O ônibus tava cheio. Morreram 27, mas saiu um punhado: saiu o Borges, saiu outro, o Dinarte, Ardil, um irmão meu, então, um punhado de homens. Meu irmão tava lá e saiu tudo nadando. Ele sabia nadar. E aí os homens que tinha filharada lá dentro do ônibus, a família, voltou no ônibus, arrancou a roupa e foi embora [jogando-se no rio], chegou lá no ônibus eles puseram um povo em cima [sobre o teto do veículo], esperando socorro, mas não tinha socorro nenhum ali. E o finado Angelino, motorista do ônibus, morreu enroscado numa vigota, foi um prego. O cobrador era o Arlindo. Esse não morreu porque eu lacei ele.

 

--Ah, foi esse que o senhor laçou, pergunto. Foi sim. Ele vinha rolando nas pedras. O ônibus ora estava pra cima outra hora ele afundava. E numa passada lacei ele. E aí arrastei ele para fora. Saiu a água de dentro da barriga dele, muita água e ele, ele levantou e veio parar aqui, assustado, correndo pela estrada, assustado, muito. O Arlindo, o cobrador, nunca mais eu vi. Agora, o motorista não, morreu lá mesmo, enroscado. E aí só foi enterrar gente, a noite inteira, baldeando gente para cá. Cada um trazia e assim ia.

 

Outro personagem desta história é Vicente Borges dos Reis, um dos sobreviventes da tragédia e que na época do acidente era policial militar do Estado de Mato Grosso sediado na cidade de Três Lagoas, mas que prestava serviço no Distrito de Xavantina, hoje município de Santa Rita do Pardo, e no Posto Policial do Porto João André. O cidadão Vicente Borges dos Reis também conta a mesma história narrada acima, porém com muito mais emoção, tendo vivido na pele todo aquele tormento, pois se encontrava dentro do ônibus no momento do desastre.

 

No primeiro instante o ônibus caiu em pé, com as rodas no fundo do rio. E o povão no maior sufoco conseguiu aglomerar-se sobre o teto do veículo que ainda se encontrava uns sessenta centímetros fora d’água.

 

Porém, com o ajuntamento do povo e o movimento sobre o teto, o ônibus rodou, levando de roldão grande parte dos passageiros, conforme disse o senhor Borges. Para se manter sobre o teto do ônibus, os sobreviventes iam se agarrando uns aos outros, e a tragédia só foi aumentando, consumando-se poucos minutos após. Das 41 pessoas que viajavam neste ônibus, lembra que 33 delas morreram, restando apenas oito sobreviventes.

 

O senhor Borges sobre o episódio lembra-se ainda de um fato curioso: tratava-se do cobrador do ônibus, de nome Arlindo [lembrado também pelo senhor Tarcisio Fonseca na entrevista acima], que foi salvo por um cavaleiro que chegou a toda brida e conseguiu jogar uma corda e salvou o cobrador, conforme relatos da época. Poucos cadáveres chegaram ao rio Paraná, pois devido às cheias, o rio Verde [local do acidente] havia transbordado e os corpos espalham-se pelos varjões, vindo a boiar nas invernadas periféricas.

 

Essas e outras lembranças este policial guarda até hoje (2015), desde quando chegou ao Porto João André e conheceu a jovem Niderci Marina, filha dos pioneiros  senhor Elpídio e dona Dolores, popular mamãe Dolores, proprietários de um bar restaurante, ali mesmo, naquele local, as margens do rio Paraná, num tempo onde a vida tocava os dias com a suavidade dos remos de uma canoa ao cair da tarde.

 

A imprensa nacional, na época, também deu destaque ao desastre em suas páginas. O jornal O Estado de São Paulo, através dos correspondentes de Dracena e Marilia, foi o primeiro a publicar três dias após o acidente, no dia 9 de fevereiro de 1966, com a manchete: Ônibus cai em rio: cerca de 20 mortos. Segundo o jornal, o peso do coletivo fez ruir a frágil ponte sobre o rio, precipitando-se nas águas e indo ao fundo imediatamente.

 

Ainda segundo o jornal Estadão, de acordo com informações prestadas pela delegacia de polícia de Dracena, uma viatura do Corpo de Bombeiros de São Paulo chegou àquela cidade e imediatamente se dirigiu para o local do acidente. Todavia, em virtude da violenta correnteza do rio Verde, até às últimas horas da tarde de ontem (ou seja, dois dias após o acidente), os bombeiros não tinham podido mergulhar para retirar os corpos do interior do veículo que se encontra no fundo do rio.

 

Passados 35 anos deste lamentável acidente, no ano de 2001, eis que nos chega a notícia de que o vereador Jaime Assis Alencar, popular Jaime Doce, havia apresentado na Câmara Municipal de Brasilândia uma Indicação solicitando ao Executivo a construção de um monumento na ponte do rio Verde em memória às 26 pessoas mortas no trágico acidente que deixou Brasilândia de luto. Embora a proposição tenha sido aprovada por unanimidade pelos seus pares em julho de 2001, cinquenta e seis anos passados, o monumento aprovado ainda não havia sido construído.

 

Mais detalhes e o restante desta história o leitor encontra no volume 1-Pioneiros, da coleção História e Memória de Brasilândia/MS, que se encontra na Biblioteca Pública de Brasilândia Profª Abadia dos Santos.




sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

 

O teatro amador de Brasilândia e a fé.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



A arte da representação sempre acompanhou os passos da humanidade desde o velho continente até o chamado Novo Mundo. Isso também não seria diferente por aqui, entre os cerrados da margem direita do Rio Paraná até as bordas do Verde, Taquaruçu e Pardo.

Um exemplo vivido pela Cidade Esperança foi a realização do Concurso Literário que brindou a população de Brasilândia num período de dez anos, com lindas apresentações artísticas, sobretudo das artes cênicas, por alunos cheios de talento e criatividade.

No seio das Igrejas também foi um tempo em que floresceram grupos de teatros e de representações que, associados aos valores da fé, manifestaram com vigor o quanto de beleza e arte por ali, igualmente, afloravam pelos campos do Senhor.

Consta ter existido em Brasilândia um grupo de teatro amador ligado à Igreja Católica que no ano de 1990 e seguintes passou a fazer apresentações, sobretudo de cunho religioso nas Semanas Santas encenando passagens bíblicas desde o Natal à Paixão e Morte de Jesus Cristo, Domingo de Ramos, Celebração de Lava-Pés, Vigília Pascal e Páscoa, entre outras. Participavam do elenco conforme o tema apresentado especialmente os jovens da Paróquia Cristo Bom Pastor e convidados.

Vinte anos, antes, entretanto, o germe da inovação e criatividade já havia sido lançado. Uma fotografia de rara beleza, gentilmente fornecida pela Profª. Áurea Cândido que, com dedicada atenção e cuidado, nos dá uma demonstração do talento, que vem de berço, que Brasilândia sempre possuiu.

Tratava-se de uma celebração ocorrida na igreja matriz, da Paróquia Cristo Bom Pastor, por volta dos anos 1970 ou 1972, onde jovens da comunidade local, em procissão, participam de uma cerimônia representando os doze apóstolos, paramentados em vestes litúrgicas próprias do tempo quaresmal, todos postados durante a encenação.

E lá estavam eles, alguns ainda muito jovens, porém todos atentos e compenetrados naquele gesto simples e ao mesmo tempo de significado sacro, de fé e de valor histórico.

De pé estavam: José Luiz Rodrigues da Silva, que mais tarde iria se transformar num dos maiores ícones do esporte brasilandense. Ao seu lado, Valdivino dos Santos, artista, pintor e professor; e o Prof. José Arnaldo da Silva, que viria a fundar a primeira Associação de Professores de Brasilândia, germe primeiro do SIMTED local.

Também o Chicão Preto, que a memória nos foge de seu nome verdadeiro; o Prof. Manuel Barbosa, e o Ariobaldo Carlos de Oliveira, popular Badim, instrumentista e maestro da primeira banda musical depois fanfarra, antes de vir a brilhar no futebol glorioso do BAC e outros times.

Sentados, encontramos ainda o mais novo de todos, José Dantas da Silva, popular Zé do Lila; ao seu lado, Odair CrepaldiFlorisvaldo Mendes, popular NegoAntônio de Oliveira Silva, popular TicoCarlos Roberto de Oliveira Silva, popular Berto, e Aderbal Marques, que era sobrinho do primeiro prefeito de Brasilândia, José Francisco Marques Neto.

Tanta saudade. No álbum de fotografias dos dias, encontramos, tempo depois, novamente a participação da juventude na vivência da fé e demonstração de desprendimento em momentos cruciais do calendário litúrgico cristão.

No ano de 1985, no primeiro ano de presença pastoral na Paróquia Cristo Bom Pastor, do padre Lauri Vital Bósio, durante a celebração de Domingo de Ramos ocorrida no dia 31 de março, eis que percorria pelas ruas da cidade, no lombo de um jumento, simbolizando a entrada triunfal, e ao mesmo tempo humilde de Jesus Nazareno, o ainda jovem Irineu de Souza Brito, participante do Grupo de Jovem da Paróquia, acompanhado de uma procissão de fiéis.

Correm os anos e, novamente, encontramos outra manifestação do povo na Sexta-Feira Santa, ocorrida no dia 24 de março de 1989, quando os fiéis católicos fizeram sua via-sacra pelas ruas da cidade finalizando a trajetória com a encenação da crucificação de Jesus Cristo, representado na ocasião pelo jovem Ti Carlo, outro talento entre tantos que a cidade viu surgir e que um dia brilharam marcando os feitos de sua história...

 

Sobre este e demais temas ligados ao Patrimônio Cultural de Brasilândia confira a coleção História e Memória de Brasilândia/MS - Volume II – Patrimônio que se encontra disponível na Biblioteca Municipal Profª Abadia dos Santos, de Brasilândia.

 

P.S. Em breve este Volume II-Patrimônio, da coleção História e Memória de Brasilândia/MS, estará sendo distribuído pela Câmara Municipal às escolas, bibliotecas, instituições e entidades de nossa cidade.

  

Fonte: História e Memória de Brasilândia/MS. Volume II – Patrimônio, página 248-249; 

Fotos: Cortesia Profª. Áurea Cândido, 1972 / Color My Heritage; Lauri Vital Bósio (in memoriam), 1982; 1987; 1989.









quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

 

A longevidade de Dona Idalina Ferreira

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 








O nome Idalina não é um nome comum. Logo algum familiar mais antigo há de lembrar uma parenta ou conhecida chamada Idalina. Entre os moradores desta cidade, um dia também viveu nestas terras uma pioneira com este nome. E com o diferencial de ter sido centenária.

A lembrança nos leva ao dia em que esta Idalina Ferreira, comemorava o transcurso de seu aniversário, que ocorria naquele dia 24 de setembro de 2005. Ocasião em que a Câmara Municipal de Brasilândia conferia uma Moção de Congratulações a esta senhora pela passagem de seus 103 anos de idade, honraria que foi entregue ao seu filho, Sr. Jesulino Ferreira numa sessão ordinária do dia 26 de setembro de 2005.  

Dona Idalina Ferreira nasceu no dia 24 de setembro de 1902, no interior de Guanambi, pequeno município encravado na Serra Geral do estado da Bahia. Filha de Manuel Ferreira e Maria de Jesus foi mãe de oito filhos: Jesulino, Manuel, Darci, Iraci, Edivaldo, Florisvaldo, Maria e Gessi 

Avó de uma centena de netos, dezenas de bisnetos e alguns tataranetos, ela e o marido, Sr. Simplício Rodrigues, falecido em 2004, aos 104 anos de idade, aqui chegaram nesse município, depois de passar por Mogiano e Marília, pela Sorocabana, com os cinco filhos mais velhos ainda rapazes.  

Como ela mesma havia nos confidenciado: Chegaram aqui onde era um batidão e não tinha estrada, não; de Três Lagoas para cá. E instalaram-se inicialmente na Fazenda Califórnia, onde trabalharam tocando lavoura, de milho, de arroz e de feijão. O dono da fazenda era um homem de nome Marco, um fazendeiro velho, depois vendeu para o seu Ozardino, recorda.  

De lá seus filhos foram esparramando cada um para um canto. Morou também na banda do rio Taquaruçu, no lugar chamado Pororoca, fazenda Barreiro. Depois mudaram para a fazenda dos Mundin. Conviveram muitos anos na Aldeia dos Índios. Ali plantaram arroz e algodão. Os filhos rapazes já trabalhavam, junto dos outros mais miudinhos. Todos trabalhavam catando algodão.  

Na data em que foi homenageada (2005), dona Idalina Ferreira vivia na residência do casal Vicente e Luzia, hoje saudosos, na Rua Elviro Mancini, n° 834. Já com escassa visão e caminhando com dificuldade, ao completar 103 anos de idade, no dia do seu aniversário fez questão de perfilar-se e assoprar com vigor a velinha do bolo que os parentes e amigos lhe brindaram naquela data inesquecível e tão significativa.  

Para seus familiares foi a maior bênção terem ao seu lado a presença daquela matriarca de olhar suave que inspirava confiança e paz a todos. Para Brasilândia também foi motivo de alegria poder honrá-la e homenageá-la por ser, com certeza, a moradora com mais idade do município.  

Dona Idalina Ferreira, depois de festejar aquele aniversário, ainda viveu quatro anos, rodeada de carinho e amigos, participando de círculos bíblicos e se manifestando carinhosamente disposta.  

No dia 19 de abril de 2010, quando os anjos vieram buscá-la, a encontram em paz e sorrindo. Depois de percorrer uma longa estrada, durante os 107 anos de vida que Deus lhe deu, ela estava pronta para partir. Pois já havia descoberto o caminho e o endereço certo da felicidade... no Céu. 

 

Foto: Dona Idalina Ferreira festeja 103 anos de idade em sua casa com a família e amigos Fonte: História e Memória de Brasilândia/MS, Volume 1-Pioneiros, página 194.















 

Pequena história do 1º Concurso Literário de Brasilândia/MS

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Entre os anos de 1995 e 2004 um evento cultural intitulado Concurso Literário, também chamado de Prêmio Literário, promovido pela prefeitura de Brasilândia, deu oportunidade aos estudantes das redes municipal e estadual de ensino de manifestarem seus dons artísticos no campo da música, poesia, dança e teatro.

A feliz iniciativa nasceu de uma Indicação do então vereador Irineu de Souza Brito transformado em Projeto de Lei e sancionado pela prefeita Neuza Paulino Maia através da Lei n° 904/96, de 15 de maio de 1996 que criou este Concurso Literário como parte integrante das comemorações do aniversário da Brasilândia e que acabou tornando-se tradição por uma década, garantindo a participação dos alunos das escolas estaduais e municipais nas áreas da literatura, dança, teatro e música. Nas palavras de lançamento do Concurso Literário, a prefeita Neuza Paulino Maia disse que o objetivo da iniciativa era aprimorar e incentivar o educando na leitura.

O nome conferido a este evento foi uma homenagem a Henrique Simões Maia que foi poeta sem livros, um sonhador que gostava de ler bons livros; era também trovador e fazia a criança rir de suas trovas. Apaixonado pela região, Henrique Simões Maia era pai do saudoso prefeito de Brasilândia, Julião de Lima Maia e da professora Maria Alexandrina que, por muitos anos, trabalhou na Escola Estadual Adilson Alves da Silva. Mudou-se para Brasilândia, no então distrito de Xavantina, hoje Santa Rita do Pardo em 1928 e ali criou a sua família.

Em 1971, durante os festejos do 6º aniversário de Brasilândia, numa sessão realizada na Câmara Municipal de Brasilândia, foi concedido o primeiro título de Cidadão Brasilandense que se tem notícia ao senhor Henrique Simões Maiapaulista de nascimento, mas mato-grossense de coração que há mais de 40 anos radicou-se na região vendo e ajudando a crescer o atual município de Brasilândia.

Na época, a imprensa noticiou: O homenageado, pai do prefeito Julião de Lima Maia recebeu tão significativa distinção das mãos do presidente da Câmara Municipal, senhor Onofre de Souza Oliveira, e com voz embargada pela emoção, agradeceu a homenagem com que era distinguido, dizendo essas palavras: ‘O diploma que me foi outorgado neste momento por vossa excelência me traz alegria, recordação e paz. Digo isso porque tenho a certeza que, os meus 40 anos de vivência neste município foram cumpridos com dignidade. Sempre fui humano e sempre ajudei os que de mim necessitavam. Assim sendo, só tenho a dizer-lhes: que Deus lhe pague por essa alegria que acabo de receber.

Poucos são os registros que a imprensa local e regional se dignou publicar sobre o Concurso Literário de Brasilândia. A maior parte das informações aqui reunidas nós as retiramos dos eventos promovidos, ao longo dos anos, em homenagem aos aniversários da cidade.

A primeira edição do Concurso Literário de Brasilândia, também chamado de Prêmio Literário ocorreu no ano de 1995 durante os festejos de 30 anos de aniversário de Brasilândia, realizado em meio a uma concorrida programação entre os dias 12 a 25 de abril daquele ano e homenageou Henrique Simões Maia.

A programação oficial do evento anunciava que havia sido reservado o dia 21 de abril para a realização do 1º Concurso Literário na Praça Pública, com direito a show artístico, apresentações Prata da Casa e sorteio de brindes aos presentes. O concurso agraciou troféu para o 1º lugar, sendo que no quesito Poesia a vencedora foi a jovem poetisa Patrícia Luciana Paulino Acunha, mal sabendo que 14 anos depois lançaria seu primeiro livro em homenagem à Brasilândia.

Aos 2º e 3º lugares foram concedidas medalhas de prata e bronze. Os trabalhos foram coordenados por cinco professores e a entrega dos prêmios aconteceu no palco onde houve um show para as crianças de Brasilândia. Na oportunidade, a secretária municipal de Educação e Cultura de Brasilândia, Célia Tech Cantarin agradeceu às professoras e aos membros da Comissão Julgadora, as professoras Ilda Falcão, Luciana Cardoso, Rosemeire Ferreira, Ângela Okamoto e Rosemeire Cavalcante, que ‘tão gentilmente deixaram de gozar o seu feriado de 21 de abril para dar seus préstimos aos futuros poetas e escritores de Brasilândia’.

Sobre as edições seguintes do Concurso Literário e demais temas ligados ao Patrimônio Cultural de Brasilândia Cf. a coleção História e Memória de Brasilândia/MS - Volume II – Patrimônio disponível em Brasilândia na Biblioteca Municipal Profª Abadia dos Santos.

P.S. Em breve este Volume II, da coleção, estará sendo distribuído pela Câmara Municipal às escolas, bibliotecas, instituições e entidades de Brasilândia.



 

Foto: Henrique Simões Braga e o vereador Onofre de Souza Oliveira. Folha da Região, Três Lagoas, 1971.



Brasilândia/MS, 12 de janeiro de 2023.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

 

Arruaceiros, terroristas, nossos vizinhos

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Escrever ou falar sobre os atos de vandalismo ocorridos domingo, dia 9, na Capital Federal é um imperativo para quem preza pelos valores da Democracia e do Estado de Direito. Impossível não se posicionar todo o brasileiro que deseja viver em  paz e com segurança no seu país, na sua pátria, com sua família.

O que aconteceu durante aquele fatídico dia revoltou o estômago e a alma de todos os brasileiros, a imensa maioria do povo que sempre viveu em paz neste país. Mas lá estavam quase cinco mil arruaceiros para mostrar a face mais vergonhosa dos falsos brasileiros.

E lá estavam eles, agindo como terroristas, vindos de ônibus, de todas as partes do Brasil, fazendo baderna e dilapidando o patrimônio público numa ação jamais vista e orquestrada que atingiu em cheio o coração da Nação brasileira: o Congresso Nacional, o Palácio Presidencial e a Suprema Corte do país.

As cenas eram estarrecedoras. E cá eu com meus botões, comparei aquela tragédia a uma família que sai para ir ao supermercado com os filhos e quando retorna encontra sua casa, arrombada, saqueada e dilapidada. Como não se revoltar contra o que foi  praticado? Como não se indignar ao ver aquilo que é seu, o asilo inviolável mais sagrado, abrigo e sustentação de sua família, ser destruído?

Mas o pior. O desastre doméstico não havia sido praticado pela ação da natureza, um vendaval ou tempestade; um incêndio ou estragos fruto de um caminhão desgovernado que atingiu em cheio a sua casa, lhe destruindo o lar. O atentado havia brotado das mãos de seus próprios vizinhos, moradores de sua rua, de seu bairro, de sua cidade, de seu país.

Isso é o mais revoltante. Brasileiros, dilapidando o património de brasileiros, destruindo bens que a todos pertencem. As cenas veiculadas pela imprensa e redes sociais não deixam dúvidas do delírio inominável vivido por milhares de cidadãos e cidadãs que perderam a noção do bom senso e da razão, deixando-se manipular pelos mentores do caos e que se locupletam com a desordem e a insegurança.

O dia de ontem entristeceu a todos, em especial àqueles que sonharam ser possível reconstruir o Brasil. Um Brasil para todos. Um país, hoje percebemos, dividido e alimentado por mentes e instituições capazes de irem às últimas consequências financiando a desordem e o medo.

Escrever sobre os atos praticados no dia de ontem, sobretudo para às pessoas simples das pequenas cidades que não dispõem do discernimento necessário, tornou-se um grande e doloroso desafio, isso porque as forças rebeldes antidemocráticas há tempo passeiam livremente pelas ruas, empoderadas. O que nos diz que não devemos subestimá-las. Porque, revestidos pelo poder e a força do capital que acumularam, tudo podem, e avançam sobre àqueles que tudo ignoram.

Brasilândia/MS, 9 de janeiro de 2023.

Foto: Ton Molina/AFP  https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/08/veja-pessoas-que-participaram-de-invasao-do-congresso-do-stf-e-do-planalto.ghtml


sábado, 7 de janeiro de 2023

 

Seu Jonas e a Festa de Santos Reis

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Dia 6 de janeiro, o calendário registra a Festa de Santos Reis, ou simplesmente Folia de Reis, festa popular brasileira e que ocorria tradicionalmente também aqui em Brasilândia. O jornalista J. Fragoso chegou a escrever no Jornal de Brasilândia um artigo contando os detalhes de uma dessas manifestações culturais de nosso município, que ocorreu no dia 6 de janeiro de 1996.

Esta festa, entretanto, havia nascido por aqui 20 anos antes, no ano de 1973 e sempre pelas mãos do senhor Jonas Alves Moreira, um cidadão nascido em 15 de maio de 1928, lá na cidade de Condeúba (antiga Cadeado, hoje município de Cordeiro), na Bahia, onde seu pai, Traquilino Alves Moreira, foi festeiro por 40 anos e desde os seis anos de idade, incentivado pela mãe, Donatilia Maria de Jesus, aprendeu a conduzir essa festa, nunca mais se apartando desta folia.

Pois foi no ano de 1995, aos 66 anos de idade, que seu Jonas Alves Moreira, deu esta entrevista e contou um pouco da história da Folia de Reis em nossa cidade. A peregrinação dos adeptos inicia no dia 25 de dezembro, dia da comemoração do nascimento do Menino Jesus. A caravana é composta por vários integrantes que percorrem os lares saudando com músicas típicas como acontecia na cidade de Belém. Segundo a tradição esta visita é o anúncio do nascimento do Menino Jesus que viera ao mundo para nos salvar. Este nascimento foi tão bem recebido pelo Rei Herodes que ordenou a matança de todos os recém-nascidos abaixo de dois anos de idade.

Segundo ele, as primeiras pessoas a visitar o Menino Jesus levando presentes foram os três reis magos: Baltazar (que trouxe ouro), Belchior (que trouxe mirra), e Gaspar (que trouxe incenso). A viagem até chegar ao Menino Jesus durou 12 dias e por onde passaram os reis pediam ajuda e após localizar o Menino tudo que arrecadaram foi possível realizar uma grande festa.

Esta tradição continuou viva em Brasilândia por muitos anos, sempre realizadas pelo senhor Jonas Alves Moreira que, com a ajuda da comunidade, sobretudo católica, proporcionava esta festa que, acompanhou a trajetória do senhor Jonas por onde viveu: iniciou na Fazenda Malu, durante três anos; na Fazenda Faveiro, por dez anos; na zona urbana de Brasilândia por sete anos e nos últimos dois anos (1993 e 1994), sendo realizada pelo seu filho João Alves Moreira (Adãozinho).

Cada componente integrante da caravana da folia tinha um papel a desempenhar: seu Jonas era o mestre, e o contramestre Adãozinho; José Firmino (Pio) e José Grosso (que dá a resposta de voz); Neide (bandeira); a rainha era Edna Alves Moreira; o rei, Cleber Carlos de Souza; e os companheiros da folia: Maria Rocha, Marina Duarte, Cláudio Morais Pires da Silva, Gelson, Izaura Morais Pires da Silva. Ao encerrar a entrevista o mestre Jonas disse ao Jornal de Brasilândia, que ia entregar a direção desta bandeira para seus filhos porque estava há 22 anos realizando esta festa e estava um pouco cansado.

No ano seguinte, em 1996 a Folia de Reis ocorreu no dia 6 de janeiro na residência do senhor Jonas, principal provedor do evento. A festa neste dia iniciou às 20 horas e grande multidão já aguardava a chegada da Bandeira, símbolo principal da festa. A bandeira saiu da casa da Dailva Cabral de Souza para o encontro final. Antes, porém, a referida bandeira, juntamente com seus foliões, já havia percorrido vários lugares, visitando as famílias, contando suas canções de louvor, como manda a tradição.

Seu Jonas faz questão de frisar que, antes também, receberam a visita dos foliões, juntamente com toda a procissão a senhora Anésia Dutra, moradora da Rua Adilson Alves da Silva, nº 104, do Parque João de Abreu, e o senhor João Batista Piauí, juntamente com sua esposa também recepcionaram os foliões. Dentre as muitas visitas, como já dito, também as receberam o casal Manoel Soares e Júlia Maria de Carvalho, onde os mesmos pediram com bastante fé, que tudo isso venha novamente a se concretizar.

Sendo quase impossível citar todos os lugares percorridos pelos foliões (Bandeira), o grupo finaliza relembrando o encerramento realizado com uma grande festa contando com uma imensidão de convidados, grande queima de fogos de artifício, um Terço de Ação de Graça, rezado pela senhora Leda Galdino, aos padroeiros, e um suculento churrasco regado com muito refrigerante e bebidas diversas

Uma das últimas menções da Folia de Reis na imprensa local, sob o título Tradição continua em Brasilândia, o jornal Independente Notícias fez lembrar que a FM Cidade foi surpreendida e ao mesmo tempo feliz com a visita da Folia de Reis no dia 5 de janeiro de 2004, folia organizada e conduzida pelo senhor Jonas que há mais de vinte anos luta com todas as suas forças e com a ajuda de alguns para manter a tradição aqui em nosso município, o qual já construiu uma igrejinha dos Três Reis Magos, no bairro Jardim Oiti, em sua residência. Na visita, a emissora de rádio local colocou no ar e ao vivo uma das canções por eles tocada e interpretada.

O restante desta história e fotografias da Folia de Reis você encontra no Volume 1-Pioneiros, página 243 e Volume 2-Patrimônio, página 153, da coleção História e Memória de Brasilândia/MS.

Brasilândia, 6 de janeiro de 2023.









Primeira Folia de Reis de Brasilândia: Barranca do Rio Verde, 1978 (Foto: Cortesia Jonas Alves Moreira)