O dia que a ponte do
Rio Verde caiu
Carlos Alberto dos
Santos Dutra
Contar a história deste
episódio que marcou a vida dos brasilandenses que têm mais de 50 anos requer que façamos uma pequena
digressão histórica. Os anos eram mil novecentos e sessenta e o transporte
coletivo entre Brasilândia e o vizinho estado paulista acontecia através da
empresa de ônibus Viação São Paulo-Mato
Grosso Ltda que mantinha uma linha entre a sede da empresa, em Tupi
Paulista até Três Lagoas. Depois de
passar por diversas cidades do interior paulista até chegar a Panorama,
explica o escritor de Panorama/SP, João Batista Marques, o desafio para os ônibus era a travessia do rio Paraná pela balsa, o
que encarecia o preço da passagem por causa do seguro que era cobrado.
Neste trajeto, se, por
um lado, havia pouco trânsito entre Porto João André e Brasilândia, a partir
dali, até Três Lagoas, o ônibus vivia sempre cheio. Sem dúvida o maior desafio era a travessia da balsa
que era sempre arriscada. Tanto que num dia desses, no tempo em que a empresa
fazia esta travessia de Panorama a Três Lagoas, um ônibus de sua frota, ao sair
da balsa do Porto João André caiu, e por muito pouco não foi levado pelas
águas. O mesmo ônibus que posteriormente haveria de causar a maior tragédia
vivida pela comunidade de Brasilândia e que acabou por determinar o
encerramento das atividades dessa empresa no lado sul-mato-grossense.
Corria o dia 6 de fevereiro de 1966 quando os
habitantes de Brasilândia, recém-emancipada, viram passar naquela tarde, pela
última vez, o ônibus que regularmente saia da rodoviária, sempre lotado, vindo
do Porto João André rumo à cidade de Três Lagoas. Ângelo Fabrício (ou Angelino,
como era conhecido), o motorista, naquele dia teve de assistir o rompimento das
estruturas da ponte de madeira que transpunha o rio Verde e que provocou a
queda do ônibus causando a morte de 33 pessoas, 29 adultos e quatro crianças.
O jornal paulista
Notícias Populares, no dia 11 de fevereiro de 1966 noticiou: Viajavam ao todo 39 pessoas e por verdadeiro
milagre nove conseguiram salvar-se. Contam
os mais antigos, diversas versões para esta história, porém todos são
unânimes em dizer que foi sem dúvida, a
maior tragédia acontecida nesta região.
O memorialista João
Batista Marques, em seu livro Tempo heroicos. Resumo histórico da cidade de
Panorama lançado em 2010, menciona que o acidente ocorreu em 6 de janeiro
de 1966, porém, na verdade, jornais da época confirmam o fato ter ocorrido em 6
de fevereiro de 1966.
Seu Tarcisio
Fonseca é uma das testemunhas ocular deste desastre. É ele que nos
conta valendo-se da memória, os
detalhes desta tragédia da qual também é um dos personagens: Na beira da ponte tinha um botequinho E
tinha um paraguaio veio. Ele tinha cinco filhas que vinha dentro do ônibus,
com neto e tudo. Aí passou um caminhão pesado de Três Lagoas pra cá. Estalou a ponte.
Ponte de madeira, ponte velha. Aí ele falou: --Seu Angelino, não toca o ônibus
não. Estalou a ponte aí no meio,
o homem avisou.
–Ah, o quê, rapaz. Você tá bêbado, e fica aí enchendo
o saco. E tocou o ônibus. Quando foi
uns 50 metros pra diante a ponte estalou e quebrou pra trás. O ônibus veio de
marcha à ré.
Aí, eu e mais um irmão meu que estava parando rodeio
do gado na invernada, escutei: --Me acode. Ô, me acode. Ele falou: --Vou
correr lá, que a mulher vai morrer afogada. Aí, chegando, o tanto de
chegar lá, eu escutando: --Me acode. E aí, tudo saindo correndo para lá. Aí
cheguei lá, já tava o ônibus dentro d’água, e cheio de mulher encima, e os
meninos, tinha até uma mudinha que tava gritando: –Me acode. Aí, o ônibus foi
afundando e eles rodando tudo.
Aí nós, --Vamos
descer aí para baixo, caçando alguma coisa, nós vê. Descemos lá
pra baixo, e já encontremos o bote e já subiram, e eu subi, puxando os cavalos,
e ele subiu dentro do bote. Já acharam uma menina num ponto, essa mudinha, e
umas malas. Aí eles vêm trazendo tudo para cima, o que achavam, mala, bolsa. Aí
ficamos a noite inteira lá. O rio era correntoso e tava cheio, tava
quase relando na pontezinha lá.
E aí já foram
encostando, encostando. Daqui a pouco já tinha cem barcos lá e avião por cima,
já veio, soube da notícia e já veio.
Seu Tarcisio
relembra: O ônibus estava saindo de Brasilândia para Três Lagoas. Era de tarde,
lá pelas 5 horas da tarde. Não lembro o nome da empresa, mas era de um
português, o seu Antônio (Antônio Bigode). Sobre o nome da empresa
lembra que parece que era Ouro Velho,
já faz muito tempo.
O ônibus tava cheio. Morreram 27, mas saiu um punhado:
saiu o Borges, saiu outro, o Dinarte, Ardil, um irmão meu, então, um punhado de
homens. Meu irmão tava lá e saiu tudo nadando. Ele sabia nadar. E aí os homens
que tinha filharada lá dentro do ônibus, a família, voltou no ônibus, arrancou
a roupa e foi embora [jogando-se no
rio], chegou lá no ônibus eles puseram um povo em cima [sobre o teto do
veículo], esperando socorro, mas não tinha socorro nenhum ali. E o finado Angelino,
motorista do ônibus, morreu enroscado numa vigota, foi um prego. O cobrador era
o Arlindo. Esse não morreu porque eu
lacei ele.
--Ah, foi esse que o
senhor laçou, pergunto. Foi sim. Ele
vinha rolando nas pedras. O ônibus ora estava pra cima outra hora ele afundava.
E numa passada lacei ele. E aí arrastei ele para fora. Saiu a água de dentro
da barriga dele, muita água e ele, ele levantou e veio parar aqui, assustado,
correndo pela estrada, assustado, muito. O Arlindo, o cobrador, nunca mais eu
vi. Agora, o motorista não, morreu lá mesmo, enroscado. E aí só foi
enterrar gente, a noite inteira, baldeando gente para cá. Cada um trazia e
assim ia.
Outro personagem desta
história é Vicente Borges dos Reis, um dos sobreviventes da tragédia e
que na época do acidente era policial militar do Estado de Mato Grosso sediado
na cidade de Três Lagoas, mas que prestava serviço no Distrito de Xavantina,
hoje município de Santa Rita do Pardo, e no Posto Policial do Porto João André.
O cidadão Vicente Borges dos Reis também
conta a mesma história narrada acima, porém com muito mais emoção, tendo vivido
na pele todo aquele tormento, pois se encontrava dentro do ônibus no momento do
desastre.
No primeiro instante o
ônibus caiu em pé, com as rodas no fundo do rio. E o povão no maior sufoco
conseguiu aglomerar-se sobre o teto do veículo que ainda se encontrava uns
sessenta centímetros fora d’água.
Porém, com o
ajuntamento do povo e o movimento sobre o teto, o ônibus rodou, levando de
roldão grande parte dos passageiros, conforme disse o senhor Borges. Para se
manter sobre o teto do ônibus, os sobreviventes iam se agarrando uns aos
outros, e a tragédia só foi aumentando, consumando-se poucos minutos após. Das
41 pessoas que viajavam neste ônibus, lembra que 33 delas morreram, restando
apenas oito sobreviventes.
O senhor Borges sobre o episódio lembra-se ainda
de um fato curioso: tratava-se do
cobrador do ônibus, de nome Arlindo
[lembrado também pelo senhor Tarcisio
Fonseca na entrevista acima], que foi salvo por um cavaleiro que chegou a toda brida e conseguiu jogar
uma corda e salvou o cobrador, conforme relatos da época. Poucos cadáveres
chegaram ao rio Paraná, pois devido às cheias, o rio Verde [local do acidente]
havia transbordado e os corpos espalham-se pelos varjões, vindo a boiar nas
invernadas periféricas.
Essas e outras
lembranças este policial guarda até hoje (2015), desde quando chegou ao Porto
João André e conheceu a jovem Niderci
Marina, filha dos pioneiros senhor Elpídio
e dona Dolores, popular mamãe
Dolores, proprietários de um bar restaurante, ali mesmo, naquele local, as
margens do rio Paraná, num tempo onde a vida tocava os dias com a suavidade dos
remos de uma canoa ao cair da tarde.
A imprensa nacional, na
época, também deu destaque ao desastre em suas páginas. O jornal O Estado de
São Paulo, através dos correspondentes de Dracena e Marilia, foi o primeiro a
publicar três dias após o acidente, no dia 9 de fevereiro de 1966, com a
manchete: Ônibus cai em rio: cerca de 20
mortos. Segundo o jornal, o peso do
coletivo fez ruir a frágil ponte sobre o rio, precipitando-se nas águas e indo
ao fundo imediatamente.
Ainda segundo o jornal
Estadão, de acordo com informações
prestadas pela delegacia de polícia de Dracena, uma viatura do Corpo de
Bombeiros de São Paulo chegou àquela cidade e imediatamente se dirigiu para o
local do acidente. Todavia, em virtude da violenta correnteza do rio Verde, até
às últimas horas da tarde de ontem (ou seja, dois dias após o acidente), os bombeiros não tinham podido mergulhar
para retirar os corpos do interior do veículo que se encontra no fundo do rio.
Passados 35 anos deste lamentável acidente, no ano de 2001, eis que nos chega a notícia de que o
vereador Jaime Assis Alencar, popular Jaime Doce, havia apresentado na Câmara Municipal de Brasilândia
uma Indicação solicitando ao
Executivo a construção de um monumento
na ponte do rio Verde em memória às 26 pessoas mortas no trágico acidente que
deixou Brasilândia de luto. Embora a proposição tenha sido aprovada por
unanimidade pelos seus pares em julho de 2001, cinquenta e seis anos passados,
o monumento aprovado ainda não havia sido construído.
Mais detalhes e o restante
desta história o leitor encontra no volume 1-Pioneiros, da coleção História e
Memória de Brasilândia/MS, que se encontra na Biblioteca Pública de Brasilândia
Profª Abadia dos Santos.
Parabéns professor pela narrativa. Muito triste o que aconteceu. Infelizmente até hj ainda falta cuidados em pontes seja de madeira ou concreto. A nossa hj de Brasilândia ,necessita urgente de reparos 🙏🏻🙏🏻🙏🏻Deus nos proteja que usamos muito este trajeto 🙏🏻🙏🏻🙏🏻
ResponderExcluirOlá Carlito parabéns.sou Paulo Fonseca Filho do sr.Jose Fonseca e Eunice Fonseca estou morando na Bélgica
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