quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O natal, o ano novo e as luzes

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Minha neta aponta o dedinho para o alto e me diz: --vovô, o homem está voando. Saio no portão e vejo os funcionários da Elektro em guindaste trocando lâmpadas no poste da rua de minha casa. 

Ela brinca e abana para o jovem todo equipado e prestativo que se esmera naquele serviço providencial, porém arriscado, ainda que se valesse das facilidades da eletromecânica de hoje, que permite acesso às alturas com muito menos esforço do que em tempos passados.

O resultado só se obteve a noite quando ao cair da tarde as novas luzes revelaram o seu esplendor. A troca das lâmpadas comuns por luzes de LED na iluminação, a exemplo certamente do que ocorreu em outras ruas de nossa cidade, mereciam sim, não só o aplauso inocente de minha neta, mas de toda a população brasilandense.

Reconhecimento civil pela aplicação com lisura do erário pelo chefe do Executivo local e Elektro cuja CIP (Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública) arrecadado dos contribuintes no mês de outubro último foi de pouco mais de 38 mil reais.

Em que pese o toque de recolher a partir das 22 horas por causa do COVID-19 que exigiu que as pessoas frequentassem em menor grau as ruas, tempo não faltou para que a população sentisse a diferença a olhos vistos.

Em meio à pálida decoração pública natalina deste ano que penalizou a todos, sobretudo os pequenos municípios, as luzes de LED instaladas fizeram a diferença e o brilho da Cidade Esperança se fez sentir. 

A claridade é impressionante e a diferença é significativa em relação às antigas lâmpadas cuja visão, na maioria das vias públicas – sobretudo na minha rua -- nos acostumou às luzes amareladas que sempre predominaram.

Mas, afinal era véspera de Natal e o Ano Novo se aproximava. Razões havia para mudar o visual da cidade e também para se comemorar. 

E isso Cecília soube muito bem expressar em sua alegria, mesmo sem entender direito o significado de tanta euforia e esperança, pois afinal, sempre há um dia após o outro, e quase sempre nada muda...

Mas muda sim. 

A cada 31 de dezembro, eis que uma luz muito clara - à semelhança da lâmpada de LED instalada -, é como se uma aura transpassasse nossas almas enchendo-nos de otimismo. 

Uma força interior que nos anima a continuar a batalha do dia a dia anterior, mas de roupa nova, buscando vislumbrar no horizonte a felicidade que vínhamos perseguindo há tempo.

E esse tempo está preste a chegar. Talvez ele não seja o que sonhamos, mas com certeza ele será do tamanho de nossas posses, do nosso fardo e capacidade para carrega-lo.

A felicidade que nos espera em 2021 dependerá muito mais do que cada um de nós se proporá a fazer e ser digno de merecer a empreita. 

O que plantou deverá colher, sejam flores ou abrolhos. Se louvar deverá ter bênçãos. Se cuidar deverá garantir saúde a si e aos que ama. Se acreditar vai sobreviver.

Até que adentremos o novo ano de Vida e suas bênçãos que batem a nossa porta e pede passagem... De seringa na mão.

Feliz Ano Novo a todos.

Brasilândia/MS, 31 de dezembro de 2020.


Foto: Visão aérea noturna de Brasilândia/MS (Foto: Prefeitura Municipal de Brasilândia, 2018) 


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020


Homenagem aos 15 anos de Ordenação Sacerdotal

Padre Fábio Alves de Oliveira.













  • 1- Senhores peço licença / Que no más vou me chegando
  • E aos pouquitos vou hablando / Deixando o peito pulsar
  • Quero a todos saudar / Nesta noite tão festiva
  • Pois o povo não se esquiva / De fazer sua homenagem
  • E não lhe falta coragem / De professar a alegria
  • Que ao som da melodia / Dos anjos que vem do céu
  • Tem a proteção do véu / Da santa virgem Maria.
  •  
  • 2- Transformada em catedral / Hoje toda a Igreja canta
  • Nossa Paróquia mais santa / Com o aniversário do Padre
  • De ordenação do confrade / Por isso quero saudar
  • E sua história contar: / Padre Fábio que aqui está
  • Gente buenaça, quiçá / De Penápolis é a cria
  • O filho de dona Maria / E seu José, já no céu
  • Esconde a aba do chapéu / Mas não esconde a alegria.
  •  
  • 3- Fábio Alves de Oliveira / Sacerdote ordenado
  • Em Glicério consagrado / Co’a bênção de dom Irineu
  • E olha que isso aconteceu / Há apenas 15 anos
  • Mas esse Padre paisano / Já fez sua caminhada
  • Trilhando boa jornada / Santa Terezinha do Menino Jesus
  • A primeira paróquia foi luz / São Sebastião, Pirajuí
  • E olha lá o nosso guri / Santa Luzia, Promissão
  • No lado paulista, irmão / Deixou saudade ali.
  •  
  • 4- Envolvido na pastoral / Vigário forâneo em Lins
  • Seu lema: formou jardins / Pregou vida em abudância
  • Na missão venceu distância / E varou o rio Paraná.
  • E olha onde foi parar / Na São Francisco de Assis
  • Prá alegria de Dom Luiz / E força renovadora
  • Ação evangelizadora / De um vigário foranial
  • Reforço na Pastoral / Apostolado da Oração
  • Pastoral Carcerária, irmão / Sem descuidar do Missal.
  •  
  • 5- Assistente Eclesiástico / Oficinas de oração, juventude
  • OVISA, Família, e Saúde / Para vencer o desafio
  • Quando a vida por um fio / Se nos apresenta um calvário
  • Mas ao som do Campanário / Seja feita a Tua vontade
  • Lema diaconal, de verdade / Que deu-lhe força e vigor
  • Todo engessado de amor / Venceu! E a todos conforta
  • Transformou-se numa porta / Para o trânsito do Senhor.
  •  
  • 6- Este é o nosso desejo / Padre Fábio cidadão
  • 15 anos padre, irmão / És parte desta comunidade
  • Num gesto de fraternidade / Te abraçamos neste dia
  • Que não te falte alegria / Pra celebrar sempre a vida
  • Corpo e Sangue, acolhida / A Palavra e o Evangelho
  • Torne novo o que era velho / Ilumine os caminhos
  • Deus o livre dos espinhos / Dê-nos tua graça Jesus
  • Que à sombra de tua Cruz / Saiba que não estás sozinho.
  •  
  • 7- Nossa Igreja te saúda / A capela São Vicente
  • No João Paulo, sorridente / Nossa Senhora das Graças
  • Ceramistas, mãos na massa / Lá do Porto João André.
  • Também festeja com fé / A São José Operário
  • Na Debrasa, mundo agrário / Capela de Aparecida
  • Pedra Bonita, aguerrida / São José dos Jesuítas
  • Tanta paisagem bonita / Desde a Limeira, ao Pontal
  • Assentamento rural / Tantas devoções benditas.
  •  
  • 8- Os desafios se superam / Com os parceiros da estrada
  • Pessoas interessadas / Nas pastorais, movimentos
  • Nos serviços, segmentos / Voluntários que se doam
  • Muitos fiéis que abençoam / De mãos dadas, padre Fábio
  • Com as mãos e com os lábios / Rezando por esta Igreja
  • Não importa aonde esteja / Todos querem te saudar
  • E com o senhor festejar / Este seu aniversário
  • De ordenação e um rosário / De bênçãos, não vão faltar.
  •  
  • 9- Padre Fábio lhe saudamos / Feliz Aniversário Pastor
  • Esta é a casa do Senhor / Que dividimos contigo
  • Sempre pai, irmão, amigo / Presente vindo de Deus
  • Que mandou pros filhos seus / Com as bênçãos lá do céu.
  • Que a Mitra e o Solidéu / Pelas mãos de Dom Luiz
  • O torne um Padre Feliz / Desejamos nós também
  • Que a estrela de Belém / Ilumine o seu caminho
  • Obrigado pelo carinho / Deus o abençoe. Amém.












Paróquia Cristo Bom Pastor, Brasilândia, 17  de Dezembro de 2020.

Diác. Carlito Dutra.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 

Delcino Rodrigues de Oliveira, o Curió da Cachoeira.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Algumas notícias nos chegam de uma forma espantosamente rápida. Quando nos damos conta, somos surpreendidos por elas e já não podemos dizer mais nada, a não ser lamentar ter tomado conhecimento tão tarde. Outras notícias chegam sorrateiras, despretensiosas, no meio de uma conversa, como uma canção de ninar que nos embala e vai nos envolvendo, em tom de segredo, nos preparando para recebê-la e tomar ciência daquela realidade.


Foi assim que a notícia do falecimento do amigo Curió da Cachoeira, ocorrido no dia 5 de dezembro último nos acolheu de súbito. Em meio a uma conversa, meu interlocutor a mencionou com naturalidade como se o fato já fosse do meu conhecimento.


E não era. Foi como se uma lança trespassasse o peito; como se uma nota dissonante na sinfonia da vida quebrasse a harmonia da orquestra desafinando os instrumentos que davam fôlego à existência. Brasilândia, enfim, dava-se conta do tamanho da perda de tão ilustre pessoa.


--Mas o que de especial tinha aquele mineiro natural de Montes Claros que convivia conosco há tanto tempo? Ele que chegou a Brasilândia em 1980, portanto há 40 anos e se tornara conhecido de todos, desde o campo à cidade? A resposta pode ser obtida num simples deitar os olhos e o ouvido sobre sua vida, sua história e as realizações deste brasilandense de coração.


E lá vai Delcino Rodrigues de Oliveira, e sua família, moradora no bairro João Paulo da Silva onde educou os filhos e também se revelou membro atuante daquela comunidade, tendo presidido a Associação de Pais e Mestres da Escola Municipal Paulo Simões Braga, instalada naquele núcleo habitacional pioneiro.


Nascido no dia 25 de dezembro de 1944, o filho de Antônio Rodrigues de Oliveira e Rita Maria de Oliveira rodeou-se de filhos - Rosely, Sandra, Edimar, Edimilson e Rosemeire, e por fim, o caçula Fernando --, todos frutos de casamentos felizes dos quais só tinha a agradecer e louvar.


Lembram os familiares, em especial sua irmã Joana, que ele aprendeu a tocar violão muito cedo. Seus irmãos Rosa e Celsino (in memoriam), e os sobreviventes Joana, Sebastião e Domingos lembram com saudade do irmão: seu jeito simples e seu dom de encantar com as canções que brotavam da ponta dos dedos e de seu coração.


O dom da música sempre acompanhou seus passos, mesmo nas horas de trabalho, como operário e servidor da prefeitura, ele encantava a todos com seu violão. Quem o via andando de bicicleta pela cidade não imaginava o que escondia aquele cidadão que também tinha a sua história e inestimável valor.


Por ser um exímio violeiro fez bonito nas canções que entoou ao lado de Cidão da Viola, popular Tony Carrero, numa dupla que por muitos anos marcou presença em diversos eventos artísticos na cidade e região, fazendo ecoar alto o nome artístico do Curió da Cachoeira.


Sempre animado, contrastava com seu estilo sóbrio e silencioso, uma alegria contagiante que só era percebida por aqueles que se encontravam a sua volta quando tinha nos braços o seu violão. Nestas horas os amigos sorriam e a alma de seu Delcino se iluminava a semelhança de um menino embalado pelo canto do passeriforme mais famoso do Brasil. Momentos em que o Curió que guardava no peito se sentia livre de qualquer gaiola para pousar feliz no coração de todos.


Uma espiada no tempo e lá encontramos seu Delcino no ano de 1998 emprestando sua voz às ondas do rádio, chegando aos mais longínquos rincões. Tratava-se do programa Raiz Viva, apresentado na Rádio FM Cidade pela dupla: Zé Rita e Curió da Cachoeira e que animava as manhãs brasilandenses contando com a participação ao vivo dos ouvintes. O programa, que primava pela originalidade, recordava aqueles programas antigos de auditório que já não existem mais, mas que Delcino se lembrava muito bem.


A voz do Curió era verdadeira preciosidade da cultura local. E saber que hoje ele já não se encontra mais entre nós causa muita dor em todos que o conheceram. Em especial aos familiares e amigos mais próximos que nos finais de semana reuniam-se em sua casa para uma roda de viola que marcava o olhar e sentimento dos filhos e netos. Sua partida deixa uma lacuna irreparável de um cantor e instrumentista de harmonia única, original.


Homem dedicado ao seu ofício, houve um tempo que nas horas de folga dividia a viola entre o louvor a seu Deus, animando o coral da Paróquia Cristo Bom Pastor, e as coisas belas da terra. Sua origem, sua alma e seu ser, nesta hora, seu canto chegava ao céu, sempre de improviso, como se estivesse num grande palco rodeado de aplauso.


Com pompa de gente grande, familiarizado ao microfone, lá encontramos Delcino no rádio, preocupado com a afinação dos instrumentos, revelando o zelo com que se dedicava às pequenas coisas, primando pela harmonia e beleza, virtudes que transmitiu à família, tornando-a digna e honrada. Sem consultar letra ou partitura, tudo de memória, sua cantoria, aos poucos, sorrateira, ia invadindo os corações apaixonados dos peões ao pé do rádio.


O amigo Delcino, tanto no rádio como na roda de amigos em sua residência, tornava a vida motivo de alegria; momentos em que todos entravam em sintonia e partilhavam a alma do povo. Povo que agora o vê partir para se reunir aos grandes violeiros no céu, cujo som ainda alimenta nossos ouvidos e divide nosso coração pela saudade.


Neste Natal Delcino completaria 76 anos de idade. Vinte dias antes, entretanto, o bom Deus o chamou para animar a orquestra celeste dos violeiros. Continues cantando e tocando prá gente Curió da Cachoeira. Amém.

 

Brasilândia/MS, 16 de dezembro de 2020.

















Com informações fornecidas pelo filho Fernando e a irmã Joana sobre a vida de Delcino Rodrigues de Oliveira.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Feliz Aniversário dona Yeda. Os filhos que trouxeste ao mundo te saúdam.

Carlos Alberto dos Santo Dutra.





Hoje é o aniversário de uma pessoa especial. Minhas palavras são poucas para alcançar todo o esplendor que esta mulher representa para muitos brasilandenses. 

O texto que segue integra uma das mais belas páginas da história desta cidade (e que modestamente estará no volume 3 da coleção História e Memória de Brasilândia que se encontra no prelo). 

Dona Yeda Dolores Fernandes Lopes aprendeu a lidar com a vida muito antes de se tornar enfermeira no Hospital Municipal Dr. Júlio César Paulino Maia, onde começou a trabalhar a partir de 1988. Nascida em Caitité, na Bahia, no dia 1º de dezembro de 1938, a filha do senhor Amphilophio Fernandes da Silva e dona Laudemira Gomes Moraes Fernandes, dona Yeda, pode ser comparada a verdadeira mãe de muitos brasilandenses num tempo em que os recursos médicos eram escassos e o atendimento às gestantes era precário. 

O gosto pela profissão adquiriu muito cedo, quando ainda era jovem. Depois de passar sua infância na Bahia e, depois, São Paulo, no bairro Parque de Brito, para onde seus pais se mudaram, na juventude muito cedo enfrentou o mundo do trabalho com disposição e muita determinação. Dona Yeda, hoje, ao completar 82 anos, nos lembra com carinho a sua exitosa trajetória. Dividir com os amigos essa história é o mesmo que antecipar o presente que todos gostaríamos de brindá-la. 

Trabalhei numa fábrica de costura, lá na rua Catão, em São Paulo capital. Depois trabalhei em casa com costura. Fiz o curso de Enfermagem e comecei a trabalhar no Hospital Santa Madalena. Fiz estágio lá; gostaram de mim e eu fiquei por lá por muitos anos. Depois trabalhei no Hospital Psiquiátrico na Vila Alpina. Também trabalhei no comércio, em uma farmácia na Vila Alpina, depois fui para a farmácia Araújo, lá na Água Branca. 

Dona Yeda recorda cada detalhe de uma vida que causa orgulho a seus filhos. Lembra que fez seus estudos iniciais em Andradina e Jundiaí, época em que tomou gosto pela enfermagem. Foi, entretanto, por ocasião da doença de sua mãe, que ela, ainda mocinha, colocou em prática seu maior dom: cuidou de sua mãe cercando-a de afeto, com muito zelo e responsabilidade, despertando e consolidando a vocação que Deus havia escolhido para ela: lidar com a vida e tratar de pacientes com total dedicação. 

Casou com apenas 17 anos de idade, na cidade de Panorama, no dia 10 de novembro de 1955, com Ataíde Lopes (que tinha na época 21 anos). A partir desta data sua história passa a ser dividida com a de seu esposo que trabalhava na fazenda Pedra Bonita e depois na fazenda Cisalpina, em Brasilândia, onde o casal residiu por muitos anos. Dona Yeda ainda recorda do senhor Luigi Cantone, proprietário do grupo Cisalpina, sua esposa Anamaria e sua filha Cecília, com uma pontinha de saudade. 

Só depois deste longo percurso, depois de deixar a zona rural e mudar-se para a cidade é que dona Yeda começou a dedicar-se de corpo e alma na profissão: a divina arte de trazer ao mundo crianças, gesto maternal que a notabilizou. Inicialmente no atendimento ao povo que afluía em direção ao antigo Posto de Saúde, ao lado do Dr. Paulo Veron da Motta, recorda. Fiz dois partos com ele e depois ele me liberou, eu fiquei sozinha fazendo o que mais gostava: trabalhar como parteira. 

Nesta época Brasilândia ainda não dispunha de hospital e os partos eram realizados em casa ou no Posto de Saúde, para onde eram trazidas as mães em trabalho de parto. Dona Yeda fecha os olhos e faz um esforço na memória para recordar alguns de seus primeiros partos, muitos deles feitos na residência de moradores nas fazendas, em sítios, e até na rua chegou a aparar crianças que tinham pressa em nascer, lembra. Ao total, calcula que mais de cinquenta crianças foram aparadas por ela, antes de começar a trabalhar no hospital, inaugurado, depois, em 1988. 

Em ambiente precário e de poucos instrumentais, dona Yeda recorda que tinha só uma balancinha para pesar os bebês; não tinha quase nada para socorrer as crianças após o parto; era tudo natural. Lembra ainda que nem relógio eles possuíam. Só tinha o relógio da praça (Santa Maria). Quando nascia uma criança eu ia correndo olhar a hora no relógio da praça, para registrar, sorri, parecendo uma menina cheia de satisfação. 

Mesmo depois da inauguração do Hospital Municipal Dr. Júlio César Paulino Maia a grande maioria dos partos que ocorriam em Brasilândia permaneceram sendo realizados por dona Yeda que lá trabalhou como enfermeira assistente desde a sua fundação. Presença que enriqueceram em muito os procedimentos clínicos ali realizados.

Com conhecimento superior ao de uma Doula era capaz de prestar apoio emocional e físico antes, durante e após o parto. E lá estavam as mãos abençoadas de dona Yeda, como parteira tradicional, legalmente apta a realizar exame clínico durante a gestação, parto e pós-parto, fazendo este acompanhamento através de um olhar integrativo da mulher-bebê-família que estava por nascer. Por isso, merecidamente ela recebe o título de enfermeira obstétrica ou obstetriz (...).

Dona Yeda Dolores Fernandes Lopes, hoje, encontra-se aposentada na profissão que sempre lhe trouxe a maior das satisfações. Cercada de filhos (Edilson, Sonia, Valdemira e Marcelo), netos (Valdenir, Fernanda, Bruna, Daniele e Eliene), e bisnetos (Gian, Eduardo, Heloisa, Alice, Felipe, Thiago, Arthur e Henrique); e de uma centena de crianças-filhos que ajudou a trazer ao mundo, tem a gratidão e o reconhecimento do quão importante foram suas mãos e conselhos ofertados às mamães de Brasilândia [1]. Por isso tudo, neste dia mamãe Yeda, retumba a voz que vem de muitos corações, e que externam o mais afetuoso Muito Obrigado! Sinta-se abraçada por todos nós. E um Feliz Aniversário!

 

Brasilândia/MS, 1º de dezembro de 2020.

 


[1] Com informações recolhidas graciosamente pela filha Valdemira Fernandes Lopes em 9.Out.2020.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020


Marçal Tupã-i, o banguela dos lábios de mel.
Carlos Alberto dos Santos Dutra



No dia 2 de setembro de 2002, o Juiz Federal José Denílson
Branco, da 2ª Subseção Judiciária da 1ª Vara Criminal de Dourados
(MS) extinguiu o processo 2001.60.02.001890-6, o chamado Caso Marçal, líder guarani assassinado numa emboscada na Aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), no dia 25 de novembro de 1983
Hoje, passados 37 anos de sua morte, sob os benefícios escusos da lei, Justiça ainda não se fez e, nesses moldes,
jamais se fará. O que nos leva a cantar, com o poeta:

Adeus Marçal de guerra,
que lutava por terra, eram tempos difíceis.
Adeus Marçal de sonhos,
Guarani de fibra,
voz afiada em riste, a desafiar poderosos.

Adeus Marçal de Souza,
como tantos, silvas, pereiras, santos,
anônimos e esquecidos.

Adeus Marçal do Papa,
da mídia, e do mutirão,
da enfermaria, da tribuna e dos tribunais.

É, amigo Ñhandeva,
segura firme neste microfone e grita.
Brada aos ventos a injustiça que temos
e a que falta aos pequenos.
A terra que perdemos, o pão que não comemos.

É, amigo Kaiowá,
teus irmãos ainda lutam.
Paulito e Marta, ainda ontem partiram,
falaram que iam ao teu encontro.
Como outros que já se foram, antes do tempo e depois.

É, amigo Mbyá, irmão de longe,
que também se soma em coro na dor.
Ainda que as portas se fechem,
ainda que juízes te arquivem nos porões do esquecimento.
Yvy Maraney é blasfêmia
aos ouvidos do latifúndio.

Incomoda-lhes saber que tua memória vive,
que tuas ideias comovem.
Tua lembrança fere e questiona a nossa Ordem.
E desnuda a hipocrisia,
cultivada dia-a-dia, nos discursos, sem alarde.

Adeus Marçal desse mundo,
nem um julgamento decente te damos.
Adeus Marçal dessa terra, nem um monumento à tua altura fizemos.
Adeus Marçal Guarani, a espera é longa, mas não tarda.
Logo o ajuste te conta os espreita
na esquina senil da vida.

Donos do mundo e das coisas,
nos apossamos.
Donos das pessoas e da vida,
as compramos.
Donos da Lei, da Moral e da Justiça,
as decretamos para que outros a cumpram.

Adeus Marçal de Souza Tupã-i.
Podem extinguir e arquivar processos de nanquim e celulose.
Porém, não podem calar a carne e a verve do teu verbo.
Aquela que vem intestina, com o sabor das matas,
dos campos e das aldeias.

Do Pirakuá Guarani ao São Lourenço Guató,
Do Boa Esperança Ofaié à Aldeinha Terena,
Do Tarumã Kadiwéu ao Panambi Kaiowá.
E tantos tekoha, com suas lutas e suas changas
que se somam na esperança.

Adeus Marçal.
Reze por nós Pa-í Kaiowá
e Ñanderu Nhandeva
que em breve estaremos juntos.
Teu sonho, à semelhança de Sepé Tiarajú,
há de permanecer sendo a estrela de maior brilho.
Não mais como sonho,
mas realidade construída.

Não pelos homens,
ditos doutos e letrados,
mas pelas mãos de teus patrícios, parceiros.
Irmãos que manuseiam a terra desafiam a morte
e ousam cantar liberdades...

Brasilândia 25 de novembro de 2020.

Fonte: 1- Publicado originalmente no Diário MS, Dourados-MS, 24.Nov.2003; A Tribuna, Campo Grande-MS, 23.Nov.2003, e Jornal da Cidade, Brasilândia-MS, 21.Mar.2003. Publicado também em DUTRA, C.A.S. Uma flecha no coração de Hans Kelsen. Brasilândia-MS: Edição do Autor/Clube de Autores, 2009, p. 10-12.
Foto: Marçal de Souza Tupã-i (Deus  pequeno). Portal da Missões, 2019.

domingo, 22 de novembro de 2020

 

Emilly, esta menina tá virando moça.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 


 











Ah, como o tempo voa. Esta menina tá virando moça. Como não haveremos de envelhecer? Se quem nós carregamos no colo hoje nos dão bom dia e já estão mais altos que nós? Esta parece ser a sina dos mais velhos, sorrir, zelar, sonhar e chorar. Sorrir, quando eles nascem, filhos, sobrinhos, afilhados, amigos. Zelar, quando os ajudamos, os aconselhamos, os orientamos. Sonhar, quando os projetamos no futuro e os vemos realizados na vida, felizes. Chorar, quando já não podemos mais acompanhá-los em sua inexorável caminhada, que é só deles e de mais ninguém.

Hoje me sinto assim, entre um sorriso e uma lagrima, e por um motivo simples, banal, para alguns. Afinal, aniversários acontecem todos os dias, a cada hora, a cada minuto na nossa vida e círculo familiar de amigos. E lá está o Facebook para nos lembrar da data quando a memória nos falha e o coração reclama.

Só que alguns aniversários mexem com a gente, pois relembram passagens de nossas vidas, de tempos passados, que nos enchem de sentimentos, às vezes de alegria, às vezes de tristeza. Por isso essas datas são importantes por nos mostrarem o quão transitório somos e que não ficaremos por aqui para sempre. Por isso, deixemos que as lágrimas rolem pelo nosso rosto e o coração transborde de alegria e felicidade. Pois, afinal é Dia de Aniversário.

Tudo isso para dizer o quanto o aniversário de uma pessoinha querida é importante para todos nós. Aniversário, entretanto, ainda mais especial para sua família, seus parentes, e cá entre eles, este sonhador. Sem querer expô-la ao mundo, uma vez que isso sempre será uma decisão sua, a menciono nestas linhas de forma simbólica, para exaltar suas qualidades e virtudes de menina-moça.

Sim aquela menina que carreguei no colo lá no ano de 2007 está de aniversário. Não. Ela não era uma criança qualquer das tantas que abraçamos todos os dias e ficamos felizes por elas e seus pais. Tratava-se de minha afilhada. Pode parecer bobo destacar esse detalhe, porém, ele é fundamental para a sobrevivência de muitos velhos. Explico.

O coração dos mais velhos vive de recordações. Embora procurem se manter sarados e com boa aparência, entre um fio de cabelo branco aqui e outro acolá, sempre aquelas têmporas escondem lembranças de um tempo idílico, vivências que tiveram ao longo da vida e que nunca esqueceram. O abraço aos filhos, afilhados e netos deixam marcas para sempre. É isso que, nos aniversários, as lembranças nos pedem.

E a moça está lá, sentada no chão, acariciando uma euék e um kétot. Já não é segredo para ninguém de quem se trata – graças a mídia social todo o mundo virtual já está lhe dando os parabéns agora. Ela permanece ali, com seu sorriso encabulado, porém muito determinada na sua demonstração de afeto e respeito para com a natureza que a cerca, na aldeia onde vive.

Uma leve brisa a envolve vindo do interior do cerrado a sua volta e é como voltasse a ser criança de colo, quando as palavras ainda lhe faltavam para expressar o sentir. Sempre muito bem agasalhada pela mãe Kiní-i, parecia um totenzinho de pano deixando somente a cabeça de fora, muito ereta e olhinhos pretos bem espertos que a tudo observava.

A fotografia tirada no meu escritório no dia que recebi o convite para ser seu padrinho demonstra isso: seus olhinhos espreitam aquele homem de cabelos brancos que a toma nos braços. Quem seria? O que queria? Não sabia direito o que pensar naquela hora. Porém, poderia ela ter pensado: --o calor de seus braços me conforta, vou ficar quietinha, por ora.

Como todas as crianças indígenas, ela sempre foi uma criança silenciosa e comedida nos seus atos. Porém seus olhos nunca conseguiram esconder a grandeza de seu potencial: para ser uma grande líder, uma grande profissional, uma grande mulher, uma grande guerreira. Calma! O vovô se empolga com os encantos da afilhada e projeta nela todos os seus sonhos, sonhos de todos que a querem vê-la feliz.

Mas a estrada da vida possui muito caminhos e caberá a esta jovem que hoje completa aniversário decidir qual deles seguir. Um conselho o padrinho ainda insiste em dar: siga sempre o seu coração, depois de a todos ouvir e ponderar, em especial os mais antigos da aldeia. Podes errar, mas estarás em paz e com o apoio de muitos para se levantar...

Para orgulho de Kãi’rã, Ta’gué, To’tê, Hanto’grê, Xar’tâ, Xehit’ha, He’í, Hegue’í e tantos parentes que lá do alto te abençoam e torcem por você. E desejam Feliz Aniversário Emilly Ofaié!

Brasilândia/MS, 22 de novembro de 2020, Dia Mundial da Água.



sábado, 21 de novembro de 2020

 

Canga Zumba do Cabelo Bom.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Ontem foi o Dia da Consciência Negra e, para não passar em branco, revivo as palavras que escrevi há 14 anos. É um tema que permanece sempre atual e, a julgar pelos acontecimentos dos últimos dias e que se repetem o ano inteiro, republicá-lo se reveste de importância capital para cutucar a nódoa do racismo e preconceito que assombra a todos nós.

O texto de Jamile Chequer, sobre o cabelo ruim, publicado no antigo site do Ibase, em 17.Nov.2006 foi na veia. Impossível não comentar o texto que ilustra as comemorações do Dia da Consciência Negra que lembram Zumbi, aquele negro que teve a cabeça decepada e exposta nas ruas do Recife, em 20 de novembro de 1695, depois de comandar a maior rebelião contra o regime escravista no Brasil inspirado por seu tio Canga Zumba, o primeiro líder do Quilombo dos Palmares que o governou de 1670 a 1678.

Trezentos anos depois, a música fala de chapinha e o cantor MC Franc reforça no refrão: Ih, choveu, cabelo encolheu. A letra cantada não é só uma preferência musical. Faz parte de um ideal. A onda é ser mulher magra e homem sarado, escreve a jornalista. O cidadão se olha no espelho e pergunta: O que há de errado comigo? Mas será que adianta dizer: Não há nada errado com você?

Acontece que o mundo global vive uma corrida louca em busca da perfeição. A tal da qualidade. E aí, quando o cidadão não se encaixa no perfil perfeito, ainda tem que ouvir que seu cabelo não é bom. A cultura do tal cabelo bom tomou conta da sociedade de tal forma que o ideal, no imaginário, são melenas compridas, impecavelmente lisas e que deve balançar ao vento igual à moça da TV.

Uma remexida no baú da história de Canga Zumba, e logo percebemos que essa visão de beleza tem origem no passado escravista e nas relações de dominação que imperaram no decorrer dos séculos após o arrojo de Jorge Velho lá pelo distrito de Porto Calvo. O cabelo do negro, visto como ruim tornou-se a expressão velada do racismo e da desigualdade racial que recai todos os dias sobre os herdeiros de Palmares. É expressão do conflito racial vivido por negros e brancos que se digladiam na busca pelo ideal.

E entopem os salões de beleza; empanzinam-se de produtos químicos, expondo na vitrine do shopping, nas palavras da professora Nilma Lino Gomes, da UFMG, o suporte simbólico da identidade negra brasileira: o cabelo crespo cada vez mais longe do corpo da pele morena, por forma de um patrulhamento estético.

A chamada beleza negra é expressão que nasceu de uma construção social, cultural, política e ideológica criada no seio de uma comunidade. E para que se compreenda o que as pessoas negras pensam e sentem quando mudam os seus cabelos, é preciso conhecê-las e entender como se dá o processo de construção dessa identidade negra no Brasil.

Por outro lado, não se pode dizer que uma pessoa embranqueceu ou que tem consciência política só pelo fato de usar esse ou aquele tipo de penteado. Ainda mais quando se sabe que os efeitos do racismo recaem pesados sobre as mulheres, exigindo-lhe primor na aparência. Dificilmente negros e negras conseguem se expressar esteticamente livres do olhar severo e do julgamento intestino da sociedade que os cercam.

Por isso, mudar o cabelo pode ser entendido como uma tentativa de sair do lugar de inferioridade imposto pelo racismo, um sentimento de autonomia, expresso nas formas ousadas e criativas de usar o cabelo e a presença de uma identidade negra positiva, independente, alternativa.

Ângela Maria dos Santos, professora da UFMT, citada pela articulista, observa que nesse quadro, a escola tem sido outro palco de reprodução de racismo. A referência negativa ao cabelo afro é a marca fenotípica mais explicitamente mencionada nas situações de ofensas raciais nos corredores escolares, explica.

A reprodução da expressão cabelo ruim, em qualquer meio – mas, sobretudo no ambiente escolar das séries iniciais --, tem trazido graves consequências para o futuro dos jovens. Porque nessa faixa etária existe uma forma naturalizada do racismo se apresentar. E a naturalização do preconceito racial alimenta relações de poder desigual entre alunos brancos e negros, afirma.

A cor, portanto, deixou de ser, em primeiro plano, a marca perceptível da aparência física utilizada pela pessoa que discrimina. Para a professora acima, o que aparece como uma característica física mais funcional para se discriminar racialmente passou, agora, a ser o cabelo. E tudo isso pelo fato de que no imaginário, desde pequenos, ouvimos dizer que alguém em nossa família tinha o cabelo ruim.

Isso demonstra que estereotipamos e fazemos comentários negativos acerca do cabelo, e achamos isso normal. Fazer menção ao cabelo parece não constituir uma forma aberta de racismo, nos desculpamos, diferentemente de quando nos referimos à cor da pele. Quando não nos referimos à cor, julgamos ficar isentos de um comportamento racista. É como se as pessoas ficassem mais à vontade, justifica a autora.

Outro dado assustador é que facilmente fazemos ligação entre negro e coisas. Quando você faz referência ao cabelo do negro comparando-o a uma planta espinhosa, por exemplo, está tirando a sua feição humana. O negro é coisa, e coisa feia. Para se ter uma ideia da força do racismo, observemos que hoje não encontramos facilmente teorias coisificando os negros, mas, no entanto, no discurso e nas falas de nosso cotidiano, elas estão presentes, principalmente na fala de crianças e adolescentes.

Portanto, é na escola que a criança negra sofre a maior carga do preconceito racial. Os apelidos, as comparações com animais (principalmente o macaco) e as referências ao cabelo crespo, como Bombril e outros nomes pejorativos, são comuns no ambiente escolar. No íntimo, muitas negras confessam que só foram usar tranças rastafári, depois de muito relutar consigo mesmo. Um antigo sonho que eu nunca tinha conseguido realizar, explica. E olha que isso, -- confessa uma adolescente--, causou em minha uma transformação autoimagem: um dia, resolvi usá-lo natural. Foi um momento de intenso crescimento pessoal.

Enquanto alguns professores preferem evitar o assunto, outros encaram a situação e estão dispostos a refletir com os estudantes sobre essas brincadeiras nada inocentes. Porque isso precisa ser desmascarado. Não basta a intervenção do tipo: não diga isso. A intervenção pela censura dificilmente leva o educando a refletir. É preciso aproveitar a situação para fazer uma boa discussão de conteúdo, recomendam os pedagogos.

E aí, rebentos de quilombos e palenques? Que tal, cantarolar para nossos filhos e alunos, a música do Max de Castro? Muita gente implica com meu pixaim. Mas o que me implica é que o cabelo é bom. E quando isso me irrita vai ter briga sim. Porque não aceito discriminação. Alisa ele não, você é meu nego do cabelo bom. 

 

Foto: Monica Cardim, 2018. Disponível em https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/miss-recebe-a-exposicao-mulheres-negras-na-danca, acesso em 21.Nov.2020.

Texto: Publicada originalmente pelo jornal a Tribuna, de Três Lagoas na edição de 26 de novembro de 2006.


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Homenagem aos 100 anos do Vovô Lúcio.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.


Homenagear em vida a pessoa que amamos conforta o coração de quem fica. E alegra o coração de quem parte.



Brasilândia/MS 17 de novembro de 2020.


terça-feira, 17 de novembro de 2020

Tire a sua raiva do caminho que eu quero passar... com meu amor.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.



Durante o período eleitoral deste ano em Brasilândia foram postados 12 artigos de autoria deste escrevinhador redigidos especialmente para as eleições municipais locais. O quadro comparativo abaixo, nos mostra as visualizações que ocorreram tanto no Blog como no Face para cada artigo. Isso nos auxilia a entender o alcance dos enunciados e propósitos destes escritos.

Para quem escreve pelo simples prazer de escrever isso pode representar pouco, da mesma forma para quem lê. Mas, para quem escreve ou lê um artigo revestido de idealismo, preocupação social, com espírito formador e pedagógico, buscando ajudar o cidadão a pensar, esses números podem dizer muito. E auxiliar a ambos fazer uma releitura não somente dos textos, mas da realidade social e política que os envolve. 

No cálculo geral, a dúzia de textos produzidos e publicados nos 60 dias finais da campanha eleitoral foram acessados diretamente no Blog carlitodutra.blogspot.com 1.973 vezes, enquanto esses mesmo artigos foram curtidos ou receberam comentários e compartilhamentos, 647 vezes no Face facebook.com/carlito.dutra/ (32% em relação ao Blog). 

Uma das explicações para essa diferença no número de acessos entre os aplicativos pode estar ligada ao fato de que no Blog, o contador de acessos (que é automático e sem a interferência do titular da conta) ele não identifica o leitor, o que permite maior liberdade para quem acessa poder ler ou enviar (também via celular) para qualquer um. Ao passo que pelo Face, o aplicativo identifica quem curtiu, comentou ou compartilhou o artigo, tornando público a sua simpatia ou confronto como o que é apresentado. 













O quadro pode receber várias leituras, por profissionais especializados também. Porém, a mim cabe destacar, de forma singela os conteúdos acessados. Preliminarmente nota-se que o artigo O que a eleição de 2020 tem em comum com a eleição de 1988, redigido ainda em 28 de setembro, foi o que mais chamou a atenção do internauta (484 acessos no Blog). Atribuo esse interesse velado (pois o Face registrou somente 61 acessos) em razão do momento vivido, distante do pré-eleitoral, onde o cidadão ainda buscava algum referencial teórico para posicionar-se diante da política local.

O terceiro artigo mais acessado (com 338 acessos no Blog, e já com um número mais elevado de leitores que o acessaram via Face (134 registros), acontece trinta dias depois do primeiro colocado, e versava sobre Novas ideias, novos projetos e velhos paradigmas a superar, publicado em 29 de outubro. Aqui entendo que o leitor/eleitor comece a revelar seu interesse pelas propostas e projetos que os candidatos passam a divulgar, ainda que timidamente, pela mídia e redes sociais.

No outro extremo da balança encontramos os dois artigos que foram menos acessados. A pouco mais de um mês das eleições era de se esperar que a temática abordada por estes artigos despertasse maior interesse. Engano nosso. O artigo A reeleição e os estreantes na política em Brasilândia, publicado em 11 de outubro teve apenas 49 acessos no Blog e 13 no Face, o que nos força a aprofundar a reflexão buscando uma causa provável para este comportamento.

O público permanecia o mesmo: era aquele que nos dias anteriores havia depositado suas curtidas e diversos comentários sobre os outros temas políticos já publicados. Portanto, não se tratava de uma rejeição ao autor ou ao instrumento virtual utilizado. Observando mais amiúde o texto em apreço, a reticência poderia estar relacionada ao tema propriamente dito. Posicionar-se contra a reeleição numa cidade pequena significa contrariar interesses, uma vez que todos são conhecidos e estreitam laços de compadrio.

O artigo O candidato ideal: ideologia ou amizade, publicado na semana seguinte, nos faz repensar o caso. Reforça o entendimento de que o texto discorre sobre uma realidade que a população geralmente lida com bastante dificuldade. Ao se identificar com quem esteja colocando este instituto em xeque (ainda que através de um texto),  estariam eles correndo o risco de romper com este liame amigável, de longa data, nutrido pelos favores de quem se assenta no poder e não mais quer dele sair. Tudo isso configura ameaça e risco de amargar possíveis desafetos.

É o que aconteceu com o artigo da reeleição. Embora ressalte o importante papel dos estreantes na política – o que de certa forma é bandeira da maioria --, o texto não teve a mesma aceitação. Mudar sempre é doloroso, causa desconforto e insegurança, porém, o bom senso, quase sempre demonstra que é caminhando que se abre caminho escreveu meu professor em ideias, do tempo da teologia na PUCRS, o missionário italiano Arturo Paoli.

Tal entendimento, entretanto, não é uniforme. É o que nos faz crer se perguntarmos por que o artigo As mulheres, a política e as eleições em Brasilândia obteve apenas 10 acessos no Blog e o dobro de curtidas no Face? Uma possível resposta para essa discrepância pode estar ligada ao conteúdo abordado: Ao denunciar a situação real vivida por cada uma das mulheres que sonham, por exemplo, um dia candidatar-se, o texto exerceu forte identificação sobre elas. 

Sobretudo quando descortinou: Todos sabem que a construção dos partidos políticos não é pensada para que as mulheres participem (...), a cada eleição, elas aparecem no final do rol de candidatos, tão somente para completar a chapa em cumprimento à exigência legal dos 30%(...),  poucas tiveram a oportunidade de opinar na elaboração das propostas defendidas pelos partidos aos quais estão concorrendo, reproduzido no texto.  

Observar a realidade quando se está próximo exige esforço redobrado, tempo disponível e discernimento acurado. Às vezes requer até um empurrãozinho para que o oprimido caia em si e decida mudar. O texto parece que exerceu este papel motivador: A democracia não pode abdicar da representatividade da mulher no cenário político. É através de sua voz na tribuna do Legislativo que a realidade pode mudar. Este é o caminho para (...) superar o patriarcalismo arraigado, onde a mulher foi submetida a uma posição de inferioridade em relação ao homem em todos os níveis sociais. 

Um longo caminho, entretanto, ainda precisa ser percorrido, para que se garantam espaços democráticos e de igualdade entre homens e mulheres. Romper com estruturas que no curso da historia política brasileira obstaculizaram a participação feminina nos espaços de poder é um imperativo. O que poderá ser conseguido garantindo-se o acesso das mulheres a este debate, alcançando-as em todos os lugares, em especial entre as mulheres negras, indígenas e extratos sociais mais excluídos, frisava o texto preterido.

No caso de Brasilândia, a resposta veio das urnas, em silêncio, com um laço de fita na cabeça, amor no coração e uma lança vitoriosa em riste na mão. A repercussão do artigo final A reeleição e a Supremacia feminina na Câmara de Brasilândia que recebeu, num só dia após as eleições, 367 acessos no Blog e 152 curtidas, comentários e compartilhamentos no Face é uma prova disso. E pode ser entendido como uma demonstração de amadurecimento político, tanto das candidatas como dos eleitores, sobremaneira das mulheres eleitas que deixam o anonimato – ainda não todas --, e assumem definitivamente em alto e bom tom o comando da Casa Legislativa de Brasilândia.

 

Brasilândia/MS, 17 de novembro de 2020.

 




Frase: Slogan utilizada pela candidata a prefeita de Porto Alegre, jornalista Manuela D'Ávila, do PC do B, nas eleições 2020. Foto: Imagem símbolo contra o racismo e xenofobia criada pelo artista espanhol Luiso García, a partir da fotografia da ativista sueca Tess Asplud em homenagem ao gesto icônico de desafio contra a marcha fascista em Borlange, no centro da Suécia. Disponível no site do Instituto da Mulher Negra, em https://www.geledes.org.br/tag/tess-asplund/ 12.Mai.2016., acesso em 17.Nov.2020. Gráfico: Elaborado pelo autor Carlito Dutra, em 17.Nov.2020.