Delcino
Rodrigues de Oliveira, o Curió da Cachoeira.
Carlos Alberto
dos Santos Dutra
Algumas notícias
nos chegam de uma forma espantosamente rápida. Quando nos damos conta, somos
surpreendidos por elas e já não podemos dizer mais nada, a não ser lamentar ter
tomado conhecimento tão tarde. Outras notícias chegam sorrateiras, despretensiosas, no meio de
uma conversa, como uma canção de ninar que nos embala e vai nos envolvendo, em
tom de segredo, nos preparando para recebê-la e tomar ciência daquela realidade.
Foi assim que a
notícia do falecimento do amigo Curió da
Cachoeira, ocorrido no dia 5 de dezembro último nos acolheu de súbito. Em
meio a uma conversa, meu interlocutor a mencionou com naturalidade como se o
fato já fosse do meu conhecimento.
E não era. Foi
como se uma lança trespassasse o peito; como se uma nota dissonante na
sinfonia da vida quebrasse a harmonia da orquestra desafinando os instrumentos que davam fôlego à existência. Brasilândia, enfim, dava-se conta
do tamanho da perda de tão ilustre pessoa.
--Mas o que de especial tinha aquele mineiro natural de
Montes Claros que convivia conosco há tanto tempo? Ele que chegou
a Brasilândia em 1980, portanto há 40 anos e se tornara conhecido de todos, desde
o campo à cidade? A resposta pode ser obtida num simples deitar os olhos
e o ouvido sobre sua vida, sua história e as realizações deste brasilandense de
coração.
E lá vai Delcino Rodrigues de Oliveira, e sua
família, moradora no bairro João Paulo da Silva onde educou os filhos e também se
revelou membro atuante daquela comunidade, tendo presidido a Associação de Pais e Mestres da Escola
Municipal Paulo Simões Braga, instalada naquele núcleo habitacional pioneiro.
Nascido no dia
25 de dezembro de 1944, o filho de Antônio
Rodrigues de Oliveira e Rita Maria de
Oliveira rodeou-se de filhos - Rosely,
Sandra, Edimar, Edimilson e Rosemeire, e por fim, o caçula Fernando --, todos frutos de casamentos
felizes dos quais só tinha a agradecer e louvar.
Lembram os
familiares, em especial sua irmã Joana,
que ele aprendeu a tocar violão muito cedo. Seus irmãos Rosa e Celsino (in
memoriam), e os sobreviventes Joana, Sebastião e Domingos lembram com saudade do irmão: seu jeito simples e seu dom
de encantar com as canções que brotavam da ponta dos dedos e de seu coração.
O dom da música
sempre acompanhou seus passos, mesmo nas horas de trabalho, como operário e
servidor da prefeitura, ele encantava a todos com seu violão. Quem o via
andando de bicicleta pela cidade não imaginava o que escondia aquele cidadão
que também tinha a sua história e inestimável valor.
Por ser um exímio
violeiro fez bonito nas canções que entoou ao lado de Cidão da Viola, popular Tony
Carrero, numa dupla que por muitos anos marcou presença em diversos eventos
artísticos na cidade e região, fazendo ecoar alto o nome artístico do Curió da Cachoeira.
Sempre animado,
contrastava com seu estilo sóbrio e silencioso, uma alegria contagiante que só
era percebida por aqueles que se encontravam a sua volta quando tinha nos
braços o seu violão. Nestas horas os amigos sorriam e a alma de seu Delcino se iluminava a semelhança de um
menino embalado pelo canto do passeriforme mais famoso do Brasil. Momentos em
que o Curió que guardava no peito se
sentia livre de qualquer gaiola para pousar feliz no coração de todos.
Uma
espiada no tempo e lá encontramos seu Delcino no ano de 1998 emprestando sua
voz às ondas do rádio, chegando aos mais longínquos rincões. Tratava-se do
programa Raiz Viva, apresentado na Rádio FM Cidade pela dupla: Zé Rita e Curió da Cachoeira e que animava
as manhãs brasilandenses contando com a participação ao vivo dos ouvintes. O programa,
que primava pela originalidade, recordava aqueles programas
antigos de auditório que já não existem mais, mas que Delcino se lembrava muito bem.
A voz do Curió era verdadeira preciosidade da
cultura local. E saber que hoje ele já não se encontra mais entre nós causa muita
dor em todos que o conheceram. Em especial aos familiares e amigos mais
próximos que nos finais de semana reuniam-se em sua casa para uma roda de viola que
marcava o olhar e sentimento dos filhos e netos. Sua partida deixa uma lacuna irreparável
de um cantor e instrumentista de harmonia única,
original.
Homem dedicado ao seu ofício, houve um tempo que nas horas de folga dividia a viola entre o louvor a seu Deus, animando o coral da Paróquia Cristo Bom Pastor, e
as coisas belas da terra. Sua origem, sua alma e seu ser, nesta hora, seu canto
chegava ao céu, sempre de improviso, como se estivesse num grande palco rodeado
de aplauso.
Com pompa de
gente grande, familiarizado ao microfone, lá encontramos Delcino no rádio, preocupado com a afinação dos instrumentos, revelando o zelo com que se dedicava às pequenas coisas, primando pela
harmonia e beleza, virtudes que transmitiu à família, tornando-a digna e honrada.
Sem consultar letra ou partitura, tudo de memória, sua cantoria, aos poucos, sorrateira,
ia invadindo os corações apaixonados dos
peões ao pé do rádio.
O amigo Delcino, tanto no rádio como na roda de
amigos em sua residência, tornava a vida motivo de
alegria; momentos em que todos entravam em sintonia e partilhavam a alma do povo. Povo que
agora o vê partir para se reunir aos grandes violeiros no céu, cujo som ainda
alimenta nossos ouvidos e divide nosso coração pela saudade.
Neste Natal Delcino completaria 76 anos de idade.
Vinte dias antes, entretanto, o bom Deus o chamou para animar a orquestra
celeste dos violeiros. Continues cantando e tocando prá gente Curió da
Cachoeira. Amém.
Brasilândia/MS,
16 de dezembro de 2020.
Que notícia triste ... Tive o prazer de dividir alguns palcos com essa maravilhosa pessoa que eu tinha um grande carinho e ele por mim que não média esforços qua do precisei em algumas festividades musical ....
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