terça-feira, 29 de novembro de 2022

 

Por onde andam os Pioneiros da Saudade?

Carlos Alberto dos Santos Dutra




Escrever -- disse-me certa vez o saudoso Jesus Hernandez --, é um ato solitário que só é rompido quando o autor traz a lume sua obra: o livro, parido no dia do lançamento.

Palavras sábias do imortal da Academia Três-Lagoense de Letras que nos deu a honra de estar aqui em Brasilândia prestigiando uma noite de autógrafo no ano de 2005.

Eu diria mais que um ato solitário: é um verdadeiro gesto de heroísmo e paciência.

Tomo por exemplo a obra que nos últimos anos consumiu meus propósitos literários. Escrevi a história de Brasilândia, uma publicação ousada, de 5 volumes e rica bibliografia, retratando os diversos aspectos deste lugar comum que é um pouquinho de nós e de todos que por aqui aportaram.


Mas o mais difícil nesta obra -- o que parecia ser o aspecto mais fácil --, foi justamente falar dos que já partiram. O capítulo dos “Pioneiros da Saudade”, que integra o primeiro volume desta coleção. Na prática, foi o mais demorado e difícil de construir. E por uma simples razão: não temos tempo para falar de nossos mortos.

No mais das vezes lembramos seus rostos, seus pensamentos e as lembranças que ficaram. Um longo suspiro de saudade. E só. Rapidamente somos chamados aos nossos afazeres, o som de uma chamada telefônica, o aceno de um amigo, e lá vamos nós correndo para a vida e seus caprichos que não param, e cada vez mais nos assombra com sua rapidez e complexidade que nos envolve e exige.

Alguns pioneiros, moradores antigos deste lugar, cujos filhos ou netos ainda os guardam na memória ou na caixinha onde se encontram amareladas fotografias da família, oriundas de um tempo não digital. Oh! Mas como é difícil alcançá-los! É como se eles não tivessem mais espaço entre nós.

E realmente eles já não estão entre nós. Isso é um fato.

Mas o sentimento de vazio ainda é maior quando percebemos que não é somente a ausência física que é sentida. Aos poucos a invisibilidade se agiganta e suas imagens se diluem em nossos corações e mentes. E quando nos damos conta, já os perdemos de vez.

A ponto de já não termos mais tempo, sequer para falar um pouquinho sobre eles. Sua importância e o significado que representaram para a família. Os feitos da vida comunitária que ajudaram a construir. Tudo é levado pelo vento.

Esquecemos facilmente aqueles braços que abriram estradas e formaram fazendas; mãos que aplainaram madeira e alinharam tijolos; seios e ventres, lágrimas e sorrisos que alimentaram e fizeram nascer cada um dos que aqui hoje ainda vive e cruza as ruas com o passo firme cheios de si e vontade de viver.

Uma leve brisa dialética nos toma de assalto e percebemos o quão egoísta somos, o quanto ingratos nos tornamos e facilmente nos olvidamos das coisas que realmente foram importantes para todos nós.

Sim. Perdemos a memória. E a pergunta cabal carrega em si a resposta que bem sabemos: Estamos aqui porque eles nos antecederam. Foi pelos caminhos abertos por eles, que hoje trilhamos seguros, o futuro que eles plantaram.

Bem que mereciam uma palavra de agradecimento. Bem que mereciam inscrever um cadinho de suas vidas na moldura da história pela pena de um escrevinhador. Bem que cada filho, sobrinho ou neto podia dar este presente para a posteridade: imortalizar o feito destes primeiros quiçá imperfeitos, mas que tornou a todos melhores.

Esse é o desafio do escritor, do historiador, do memorialista: despertar nos vivos o quanto de vida ainda pulsa na sombra do que restou de nossos antepassados. Uma forma de homenageá-los. Porque reverenciá-los significa valorizar a nós mesmos, nossas famílias, nossa cidade.

A coleção "História e Memória de Brasilândia" em seu primeiro volume dedicado aos "Pioneiros" aguardou por um bom tempo o retorno do convite feito a rebentos dos pioneiros plantadores de tâmaras que um dia que já vai longe passaram por Brasilândia.

Logo o segundo volume, “Patrimônio” estará sendo distribuído à comunidade, sob o patrocínio da Câmara Municipal de Brasilândia. A semente foi lançada, o aceno foi dado. E para quem se encontra sentado à beira do caminho, curtindo o sonido do vento e o ardor da saudade, a trilha ainda pode ser alcançada... com um breve estender da mão.


Foto: Praça Santa Maria. Seu Tobias, Chico Doce, Zeca (pai do Loló), Ademir, Agmon, Alvino Valentim. Recolhida por Moisés Viana, 1982.

 
Pequena História da Diocese de Três Lagoas/MS
Diác. Carlos Alberto dos Santos Dutra
 
Voz

Amigos aqui presentes
Um momento vou falar
Quero a todos saudar
Neste encontro especial
Reunida a pastoral
Evangelho, catequese
Falo aqui pela Diocese
Três Lagoas está presente
E como estamos contentes
Poder a todos falar
E sua história contar
Que começou muito antes
Quando os primeiros habitantes
Santana de Paranaíba
Foram os primeiros escribas
Da história da região.
 
Padre Manoel de Casal
O Caiapó, Garcia Leal
Mil oitocentos, o ano
Tempo difícil, paisano
Ocupação de terra, disputa
Políticos, poder, má conduta
Campo fértil pro Evangelho
Trouxe o novo sobre o velho
Padre Francisco Fleury
Missionando por aí
Pois até cinquenta e sete
Tudo a Corumbá compete
Só depois nasceu no Estado
Campo Grande foi criado
Pelas mãos de Dom Antônio
Barbosa, e o patrimônio
Do antigo Mato Grosso
Que conferiu o endosso
Quando passou vinte anos
Empossou um salesiano
Geraldo Majela Reis
Primeiro bispo de vez
No dia 3 de janeiro
Setenta e oito, o pioneiro
Depois, Izidoro, vicentino
E foi longe este menino
27 anos de episcopado
Dom Moreira, apostolado
Mineiro que o sucedeu
Legado que se estendeu
A Dom Luiz Kupp, atual
Que conduz a pastoral
Com graça que Deus lhe deu.
 
Abrangendo dez cidades
Quinze paróquias instaladas
Cem capelas vinculadas
Padres, diáconos, religiosos
Leigos de corações bondosos
Comunidades atuando
Santo Antônio, Catedral, cantando
Aparecida, Luzia
Rita de Cássia, alegria
Francisco de Assis que completa
Na Diocese em cancha reta
Comunidade e seus dias.
 
E lá estão as paróquias
Água Clara, o Sagrado Coração
Pedro Apóstolo, em Chapadão
Bom Pastor, em Brasilândia
São José, em Cassilândia
E em Santa Rita do Pardo
Rita de Cássia em resguardo
Em Paranaíba, soberana
Santo Antônio e Sant’Ana
Em Selviria, João Batista
E para completar a lista
Bom Jesus, de Inocência
Aparecida abrangência
Do Taboado além da vista.
 
Toda esta trajetória
Que nasceu já faz cem anos
Teve a mão de paroquianos
Verdadeiros missionários
Novenas, procissões, rosários
Foram tantas religiosas
Salesianas prestimosas
Batistinas, Franciscanas
Devotas Agostinianas
Com a pastoral sonhada
Valorizado a caminhada
Lá estava o padre Ariento
Nicolau, Ernesto, alento
César, John, Adeodato
Unidos num só mandato
Desde os primeiros anos
Na Catequese, Margarida.
De Jesus Crucificado
Num trabalho dedicado
Em Selviria, Irmã Nair
Sabendo para onde ir
Inês Guarnieri e Rita
Em Água Clara, Irmã Benedita
Brasilândia, Judite, Geralda
Batismo, matrimônio, grinalda
Paróquias em construção
Mulheres que estenderam a mão
Irmã Laura, Susana, Francisca
O Evangelho seguido à risca
Maria Moura, Adélia
Irmã Vilda, Célia, Zélia
Primeiras coordenadoras
Que foram as precursoras
Que seguiram de mãos dadas
Foram trilhando estradas
Com presteza e diaconia
Diácono Jorge, Pedro, alegria
José Manoel e João
Alberto, Antônio, irmão
Afonso, Rikio, exemplos
Ajudaram a construir templos
Fomentaram seguidores
Todos os colaboradores
Na construção desta Igreja
Não importa aonde esteja
Suscitou gente de fé
Gastando a sola do pé
Por estas plagas andejas.
 
Pro arremate a homenagem
A uma grande catequista
Já saudosa e benquista
Por todos, a Sara Hita
Entre outras senhoritas
Quero aqui lembrar seu nome
Pois o tempo já consome
Quem fez parte da história
Nos perdemos na memória
Lá pelos anos noventa
Ela andava sempre atenta
Em quase toda a assembleia
Ela lançava uma ideia
Pleiteando prioridade
Documentos e verdades
Indicando horizontes
Olhar para além dos montes
À Diocese retraída
Apontando uma saída
Para o povo que se abria
Nova evangelização.
 
E Sara Hita, paciente
Foi formando o ambiente
Missionária proativa
Sempre comunicativa
Propôs ao clero leitura
Realidade abertura
Engajada catequista
Tantas, hoje, idealistas
Também seguem esses passos
Buscando afrouxar os laços
De uma Igreja em saída
Que se lança ao som da vida
Com os leigos de mãos dadas
Pés descalços pela estrada
Que o Papa nos convida.
 
Brasilândia/MS, 14 de julho de 2022
Diác. Carlito / Paróquia Cristo Bom Pastor

sábado, 26 de novembro de 2022

 

Mulher Negra, Mãe, Escravizada, Advogada.

Conselho da OAB Nacional reconhece Esperança Garcia como primeira advogada do Brasil



 

O Conselho Pleno da OAB Nacional reconheceu, na manhã desta sexta-feira (25/11), Esperança Garcia como a primeira advogada brasileira. Ela foi uma mulher negra escravizada que lutou contra a situação a qual ela e outras pessoas foram submetidas. O presidente Beto Simonetti comunicou aos presentes que a direção nacional aprovou o reconhecimento e a construção de um busto em homenagem a ela a ser colocado na sede do Conselho Federal.

O tema foi abraçado pelo CFOAB pela então presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA) e hoje presidente da OAB-BA, Daniela Borges, e a então presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI) da OAB, hoje conselheira federal Silvia Cerqueira (BA). Ambas fizeram o requerimento em nome da história de Esperança Garcia ainda na gestão 2019-2022, que foi também encampado pelas atuais presidentes dos órgãos, Cristiane Damasceno, na CNMA, e Alessandra Benedito, na CNPI.

“Mulher negra e escravizada peticionou, com o pouco conhecimento que tinha, das letras da lei, ao governador da capitania do Piauí para denunciar as violências pelas quais ela, suas companheiras e seus filhos passavam. A decisão é absolutamente oportuna, especialmente pela simbologia do mês de novembro, em que se comemora no dia 20 o Dia da Consciência Negra”, disse o presidente. Ele reforçou, ainda, que a OAB promove a campanha Novembro Preto, com o objetivo de falar sobre os avanços e impactos das questões raciais. 

“Que Esperança Garcia seja reconhecida como a primeira advogada brasileira. Para homenagear a história de Esperança Garcia, nada mais justo que reconheçamos agora a importância e declarar que ela é, sim, a primeira advogada do Brasil”, disse Beto Simonetti, presidente do CFOAB. Os conselheiros federais e direção nacional da Ordem aplaudiram de pé o encaminhamento.


História de Esperança


Em 2017, Esperança Garcia foi reconhecida pela seccional da OAB de Piauí como a primeira advogada piauiense. Em 6 de setembro de 1770, ela escreveu uma petição ao governador da Capitania em que denunciava as situações de violências pelas quais crianças e mulheres passavam e pedia providências. 

A data foi instituída, também, como o Dia Estadual da Consciência Negra, em 1999. O documento histórico é uma das primeiras cartas de direito de que se tem notícia. A OAB-PI considerou a carta como o primeiro habeas corpus e, portanto, o encaminhou aos dois colegiados que passaram a também resgatar a história para valorizá-la, em âmbito nacional. 

“Resgatar a memória de Esperança Garcia no plenário desta Casa é algo que nos remete à filosofia do ubuntu, que diz que devemos viver a restauração e a justiça no sentido de ver o passado para que não venhamos a cometer novamente aquelas atrocidades. Isso faz com que hoje vossa excelência tome uma atitude histórica, dando sequência a todo o trabalho que o Conselho Federal tem feito sobre as ações afirmativas. Esperança é um marco. Construiu o documento com toda a forma, desde o cabeçalho até o argumento final. Estou extremamente feliz e emocionada”, afirmou Silvia Cerqueira. 

Silvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, também ressaltou a importância do caminho trilhado pela OAB bem como registrou homenagens à colega Silvia Cerqueira, a primeira conselheira federal negra, aquela que assumiu o projeto de resgate da memória de Esperança Garcia no CFOAB e, também, como lembrou, fez a sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF) na ação que declarou constitucionais as ações afirmativas no ensino superior, a ADPF 186. 

A ideia é que seja construído um busto em homenagem a Esperança Garcia e como forma de lembrança do papel que ela cumpriu com firmeza na defesa da comunidade em que vivia. “É muita honra para o Piauí ter a história de Esperança Garcia reconhecida pelo Conselho Federal, e especialmente para nós, mulheres. O Piauí e a advocacia feminina estão em festa”, disse a conselheira federal pelo estado Élida Machado Franklin. 

O membro honorário vitalício Cezar Britto celebrou o momento. “A história é a referência que devemos ter para saber os caminhos que devemos seguir ou não seguir. Hoje é um dia extremamente importante neste reconhecimento. São esses gestos, de ação, que acenam para o público que é importante persistir, resistir.”


Dossiê Esperança Garcia


O reconhecimento a Esperança Garcia ocorreu sob a liderança e o trabalho de pesquisa da saudosa professora e advogada piauiense, Maria Sueli Rodrigues de Sousa, que presidiu a Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI (2016-18), período em que coordenou a produção do "Dossiê Esperança Garcia”, estudo responsável por reconhecer o título a Esperança Garcia como a primeira advogada do estado do Piauí e por tornar conhecidos nacionalmente seu nome e sua história como símbolo de resistência para o Direito.

"Eu penso que a Esperança aprendeu a ler por outros meios (que não pelos jesuítas). Agora, a gente olhando as Ordenações Filipinas, a gente vê que culmina com uma petição. O endereçamento tá correto, porque era endereçado ao rei. A luta pra tomar água. Era endereçada ao rei. O governador da província era o representante do rei. Por isso, ela endereçou a ele. E ela começa se apresentando, dizendo que é casada e tem muitos elementos religiosos. Mas a gente não pode esquecer o que eram as Ordenações Filipinas. Então, ela ia atrás daquele que a protegesse", afirmou Maria Sueli, em entrevista à Revista Direito Público (confira aqui).


Em série de textos que homenagearam juristas que marcaram a história, publicada ao longo do mês de agosto, quando se celebra, no dia 11, o Dia do Advogado, Esperança Garcia teve sua história contada e registrada.

Confira aqui a íntegra. Confira o estudo sobre Esperança Garcia coordenado pela advogada Maria Sueli Rodrigues de Sousa

 

Fonte: https://www.oab.org.br/noticia/60503/esperanca-garcia-e-reconhecida-pelo-conselho-pleno-como-a-primeira-advogada-brasileira; Foto: Imagem de Esperança Garcia postada em https://esperancagarcia.org/esperanca-garcia/

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

 

Vamos falar Ofayé?

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

 






A pergunta pode parecer estranha para alguns. Não para os habitantes do município de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul. Todos conhecem a saga desta, outrora vigorosa nação caçadora e coletora da margem direita do rio Paraná, sobrevivente que vive na Aldeia Anodi próxima ao ribeirão Boa Esperança berço de seu aparecimento na região. Porém poucos sabem que eles ainda falam o idioma Ofayé, língua única no mundo e que aos poucos começa a ser novamente falada pela comunidade indígena que não soçobrou.

A ideia de tornar esta língua, originalmente falada pelos primeiros habitantes da região, em língua cooficial não é um fato isolado na história. Em 2019, o então deputado pelo Mato Grosso do Sul, Dagoberto Nogueira já havia pensado algo semelhante, qual seja: tornar cooficial as línguas indígenas nos municípios brasileiros que possuem comunidades indígenas. Passava assim, cada município a ter como língua cooficial a língua indígena praticada no local.

Sem dúvida, em termos de Brasilândia, seria uma forma de prestar reconhecimento à língua Ofayé, secularmente falada na região. Mais que isso, seria uma forma de dar visibilidade e, consequentemente, garantia de direito aos seus falantes. Isso sem mencionar o alcance que este reconhecimento teria junto aos indígenas oportunizando ao Estado a prestação de serviços, como por exemplo, o fornecimento de documentos públicos na língua oficial (português) e na língua cooficial (indígena).

Tal iniciativa já é realidade em outros povos indígenas. Em 2002 o município de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, tornou-se o primeiro município brasileiro a cooficializar línguas indígenas. Uma lei municipal tornou o Tukano, o Baniwa e o Nheengatu línguas cooficiais. A cooficialização neste município fez irromper, em seguida, em diversas partes do País, reinvindicações de outros grupos étnicos para legalizar e legitimar suas línguas, que representam um aspecto essencial na construção de suas histórias.

Há quem possa dizer que o povo Ofaié, hoje reduzido a pouco mais de uma centena de indivíduos aculturados e miscigenados, não mereça tal esforço legislativo da edilidade local. Há de se dizer, entretanto, que antes de qualquer caucasiano aqui ter fincado sua bota, espada e cruz nesta terra, os Ofaié eram mais de dois mil indivíduos num país de 6 milhões. E hoje, com voz própria, ao reivindicar o uso de suas línguas em contextos oficiais e públicos, os indígenas reafirmam sua legitimidade linguística perante o Estado e buscam um novo padrão de relação política, no qual os grupos étnicos passam a ter um maior protagonismo e autonomia em suas relações.

A língua Ofayé aos poucos está sendo recuperada e revitalizada pelos jovens professores bilingues de hoje: José Koi, Elizângela e Silvano Hantarhec, ao lado dos falantes: Severino Haí, Neuza Tenghô, Ademir Hegraí, Cleonice Kníi, Joana Okuinrê, Luciana Chamiri, Rosalina Iorê, Eduardo Hauê, entre outros. 

E, assim, eles se somam a todo o saber e sons outrora pronunciados pela boca de Eugênia , Alfredo Ekureifyg, Dirce Ranhão, José Fuicxerêfuê, Eduardo Crií, Maria Tagoé, Tomé Chião, Felipe Totê, Francisca Hegueí, João Canrê, Arlindo Otichô, Gilmar Yacuinin, João He-í, Maria Hantogrê, Marilda Xartâ, Cleuza Kairã, Ataide Xehitâha... que já partiram. 

A diversidade linguística e cultural é uma riqueza que precisa ser melhor conhecida, documentada e preservada, todos sabemos e defendemos. Perder uma língua implica perder os conhecimentos incorporados àquela língua, inclusive conhecimentos culturais, ecológicos, elementos sobre a pré-história humana, informações sobre as estruturas e funções das línguas de modo geral. É uma preciosidade que temos nas mãos e não podemos deixar que se perca.

Sem dúvida, Brasilândia não é uma São Gabriel da Cachoeira, onde são falados 18 idiomas, sendo considerada aquela região do Alto Rio Negro como uma onde se encontra a maior diversidade étnica e linguística da Amazônia. 

Mas até nesta cidade, onde todos os indígenas falam a sua língua, no começo foi difícil: há 20 anos, isso era impossível, porque as pessoas tinham vergonha de falar sua língua materna e preferiam falar o português. Hoje, não. Se você passar 15 minutos andando nas ruas, você vai ouvir quase todas as línguas faladas aqui no município, observa o prefeito de São Gabriel da Cachoeira.

No Mato Grosso do Sul, o município de Tacuru, em 2010, já havia oficializado o Guarani como língua cooficial. No estado de Tocantins, Tocantínia também tinha declarado cooficial a língua Xerente naquele município. Segundo o prefeito daquela cidade a Rede Municipal de Ensino estava se preparando para colocar em prática a lei aprovada há dois anos. A ideia era oferecer o ensino de Xerente para todas as crianças do município, mesmo para os não indígenas.

A Escola Municipal Ofaié E-Iniecheki instalada na Aldeia Anodi, no município de Brasilândia, através do ensino às séries iniciais, tem conseguido grande progresso junto aos alunos, no ensino da língua Ofayé, com o apoio e dedicação dos professores bilingues que atuam na Escola que é mantida pela Prefeitura. 

Tranquilamente estes professores, jovens e anciões falantes da língua mãe deste povo poderiam contribuir de maneira decisiva para o caso do Município ou o Estado buscar qualificar o seu quadro docente propondo, inclusive, regras unificadas para a escrita do idioma Ofayé, uma vez que os professores desta etnia já possuem materiais didáticos e dicionários de sua autoria publicados, que serviriam, ao lado da mão de obra qualificada que representam, de subsídios para o ensino da língua em todas as escolas da Rede Municipal e Estadual de Ensino.

A aprovação de um Projeto de Lei pela Câmara Municipal de Brasilândia pode ser uma excelente oportunidade para o Poder Público demonstrar sua preocupação com a cultura e sua preservação notadamente da língua Ofayé. O reconhecimento desta língua como cooficial, com certeza, carrega em si um valor simbólico de alta relevância e incentivo para que as pessoas passem a usar a língua pátria desta terra no seu dia a dia.

Há alguns anos a Profª Floriana Débora de Souza Ladeia, então Secretária Municipal de Educação e Cultura, alimentava um sonho, também sonhado pelo imortal Hildebrando Campestrini (in memoriam) de colocar placas com a grafia indígena nos prédios e logradouros públicos de todo o Estado de Mato Grosso do Sul. 

Aqui em Brasilândia, a ideia também era essa: instalar placas com o respectivo nome Ofayé em pontes, margens dos rios, córregos, praças, escolas, hospitais, comércio, ruas, fazendas, portal de entrada e saída da cidade; enfim, espalhar palavras Ofayé pelos campos e cerrados, bairros e jardim desta nossa Cidade Esperança.

Brasilândia/MS, 25 de novembro de 2022.

34º ano de falecimento de Sebastião de Souza Ofaié

 

 

Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/625266-comissao-aprova-projeto-que-torna-idioma-indigena-lingua-cooficial-em-municipios-com-aldeias/?fbclid=IwAR0RnMllN06y_Vq4ahA_kF5vW8SY0KxWnHnKibetLKZb0EzX3XSCDbICjmQ

Projeto de Lei nº  3.074-A, de 2019 (Do Sr. Dagoberto Nogueira) Dispõe sobre a Cooficialização das Línguas indígenas nos municípios brasileiros que possuem comunidades indígenas.

Foto: Eduardo Monteiro, Hauê Ofaié (1950 - ) Imagem recolhida pela Profª Marta Fonseca, 2019

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Canción Por La Unidad Latinoamericana

Pablo Milanés



El nacimiento de un mundo se aplazó por un momento

un breve lapso del tiempo, del universo un segundo.
Sin embargo parecía que todo se iba a acabar
con la distancia mortal que separó nuestra vidas.

Realizaron la labor de desunir nuestras manos
y a pesar de ser hermanos nos miramos con temor.
Cuando pasaron los años se acumularon rencores,
se olvidaron los amores, parecíamos extraños.

Qué distancia tan sufrida, que mundo tan separado
jamás hubiera encontrado sin aportar nuevas vidas.
Esclavo por una parte, servil criado por la otra,
es lo primero que nota el último en desatarse.

Explotando esta misión de verlo todo tan claro
un día se vio liberal por esta revolución.
Esto no fue un buen ejemplo para otros por liberar,
la nueva labor fue aislar bloqueando toda experiencia.

Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar,
su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras costas.
Qué pagará este pesar del tiempo que se perdió.
de las vidas que costó, de las que puede costar.

Lo pagará la unidad de los pueblos en cuestión,
y al que niegue esta razón la historia condenará.
La historia lleva su carro y a muchos nos montará,
por encima pasará de aquel que quiera negarlo.

Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló,
Fidel la dignificó para andar por estas tierras.
Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló,
Fidel la dignificó para andar por estas tierras.

Pablo Milanés (24.Fev.1943 - 22.Nov.2022)


sábado, 19 de novembro de 2022

 

Feliz Aniversário Yuri Matsunaka

Carlos Alberto dos Santos Dutra




Querida Yuri. 

Hoje estás de aniversário, razão pela qual, desejo-te de todo o coração, já que meus braços não a alcançam, as mais belas flores do mundo. 

Sim, pode parecer piegas, escrevi certa vez, já que vivemos um tempo de tantas dores. Mas, falar de flores nos enobrece; plantar flores ainda é mais digno e poético, pois suas pétalas e perfume atraem vida, pássaros, e borboletas azuis de um novo horizonte.

Os aniversários têm dessas coisas: a capacidade de florir o caminho de nossas vidas. Nos faz rever o que fomos, o que somos, e o que seremos nos dias que nos restam. Sempre olhando para o amanhã. Ainda mais quando chegamos a uma certa idade, onde todo o mais nos é permitido, além de sonhar.

Agora, amiga, perenizaste no tempo a capacidade de amar incontinenti, mesmo que doa. Mas a dor é o arranque para que alcancemos a paz de espírito e alegria necessária para tocar em frente, vencer os obstáculos e deixar-se levar pela arena da vida, mesmo quando a sorte nem sempre nos sorria.

Que este marco, do teu aniversário, por fim, te projete no tempo que se rasga a nossa frente e que nos diz que ainda vale a pena. Cada vez mais sábia e sentindo gosto pelas pequenas grandes causas e lutas. Eis os teus frutos e rebentos...

O que vês lá fora, nem sempre é o que se passa por dentro, é bom lembrar. Razão pela qual envio-te novamente o presente poético Dentro e Fora, de Luan Jessan

Por fora, tenho tantos anos que você nem acredita. Por dentro, doze ou menos e me acho mais bonita. 

Por fora, óculos; algumas rugas, gordurinhas, prata nos tintos cabelos. Por dentro sou dourada, alma imaculada, corpo de modelo. 

Por fora em aluviões batem paixões contra o peito. Paixões por versos, pinturas, filosofia e amigos sem despeito. Por dentro, sei me cuidar, vivo a brincar meio sem jeito. 

Não me derrota a tristeza; não me deprime a saudade; não me demoro padecente. 

E é por viver contente, que concluo sem demora: é a menina que vive dentro, que alegra a mulher de fora!

Feliz Aniversário Yuri!

Brasilândia/MS, 19 de novembro de 2022.

Fonte: DUTRA, C.A.S. Homenagens, 2011, pág. 188; Foto: Yuri/Facebook


 

Dia Nacional da Consciência Negra

Carlos Alberto dos Santos Dutra

Voz: Carlito Dutra 


Vem de longe, de além mar

O lamento e as correntes

Antes livres sorridentes

Natureza e atabaque

Minha alma sem sotaque

Pés descalços, indefesos

Sobre o corpo verga o peso

Da injustiça que campeia

Escravidão e peleia

Na ginga e capoeira

Esperança na dianteira

Consciência vai nascendo

Desde Zumbi foi crescendo

Até os anos setenta

Os desafios que enfrenta

A luta dos movimentos

Igualdade racial nos tentos

Negro Unido, homenagem

Cultura ancestral e a coragem

Da mãe África, negritude

Símbolo e força, juventude

Resistência e liberdade

Sua culturalidade

O seu canto e seu valor

Inundar com seu amor

Redutos da sociedade

Visto sempre com maldade

Por homens brancos e ricos

Héteros, cisgêneros, fuxico

Microrrelações de poder

Que escondem prá valer

O privilégio social

Do homem sobre a mulher, afinal

Também outros marginais

A população LGBTQIA +

E os pretos que são maioria

Tudo isso evidencia

Materialismo que o diga

Desigualdade que intriga

E urge ser reparada,

Corrigida, denunciada

Desmistificar a história

Recuperar a memória

Festejar a importância

Protagonismo e a distância

Do tanto é preciso andar

A cabeça levantar

Contra o racismo e a cultura

Buscar uma nova leitura

Do choque e enfrentamento

Consciência, rompimento

Com a subalternidade

Negro como classe, metade

Desconstruir o papel

Na mídia de aluguel,

Sobre o empoderamento

Da força do movimento

Que é fonte de inspiração

Libelo, libertação

Mãos que foram acorrentadas

Mulheres encarceradas

Terceira maior do mundo

E o coração bate fundo

Saber que elas são pretas

Jovens, com filhos, eta!

Crimes leves cometidos

Sem violência, admitido...


Neste dia dedicado

Da consciência lembrado

Pelos negros, excluídos

Que a voz chegue aos ouvidos

De todos os povos da terra

Tal qual um grito de guerra

Do pioneiro de Palmares

Força às lutas populares

Das mulheres lá na frente

Parir novos combatentes

Por onde quer que andares...

 

Brasilândia/MS, 20 de novembro de 2022