À Mãe Helena Franckini com carinho.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
A vida sempre nos enche de alegria onde quer que andemos. Desde a nossa
infância inúmeros gestos de carinho e pequenos cuidados para nós foram desprendidos, às vezes, por ilustres desconhecidos. Depois, crescemos. E durante
a juventude também não faltou quem nos estendesse a mão e nos dispensasse um abraço de
acolhida nos aninhando em sua concha.
No curso de minha vida, desde que minha mãe Laura, que ainda ontem nos
deixou, me lançou no mundo, meus caminhos foram pontilhados de amigos e de modo
especial de mães que sempre me dedicaram carinho e amparo.
Aquariana generosa soube dona Laura educar seus filhos tornando-os
homens em conexão com o seu tempo. E sensíveis aos apelos do coração e
sentimentos daqueles que se encontram a nossa volta.
Primeiro foi minha avó Maria que já no meu primeiro ano de vida, entre
fraldas, me carregou de trem até a estação ferroviária de Entroncamento onde meu avô, seu
Santos, era agente: ela foi minha segunda mãe.
Depois, foi a lendária tia Nelci, minha mãe rural, que me ensinou os
segredos da vida e a paciência do campo. A tia Laureci, embora jovem, no
meu tempo de criança, ela me tornou confidente de seus primeiros madrigais,
completando o círculo de afeto que circundou minha infância.
Sempre fui uma criança abençoada. Depois de jovem, já no quartel militar, a mãe
Albertina e sua simplicidade acolhendo-me num quartinho em sua casa e me
fazendo não desanimar e a suportar as agruras do meu período verde oliva lá pelas
bandas do rio Ibirapuitã, no Alegrete.
Por fim, já maduro, a mãe Helena nesta trilha que me levou à Pelotas e me
fez descobrir os segredos do mundo, desde a filosofia da universidade ao
engraxar as mãos no serviço braçal, me aproximando da terra e dos valores
humanos da solidariedade para além das aparências.
E lá se encontrava o carrinho dormitório da Rede Ferroviária Federal, agora
instalado naquela cidade tendo como local o recinto dos trilhos, junto a
oficina e depósito, os dormentes, troles e EPIs dos trabalhadores que
reformavam bueiros e pontes empunhando pesados arrebentadores e o solavanco das
marretas.
Nas horas de descanso, os olhos daquele jovem, de quando em vez repousavam
sobre uma cerca florida que fazia divisa entre aqueles vagões e o fundo de pátios dos
moradores vizinhos.
E lá estava ela: cabelos levemente ondulados, aos poucos embranquecendo, sempre
às voltas com a lida da casa. Mulher dinâmica era o orgulho da família e a
alegria dos vizinhos e amigos. Estava sempre disposta a preparar pratos
especiais da comida italiana, berço de seus antepassados.
Seu esposo, seu Daniel, também ferroviário, depois de muito trabalhar e
garantir o sustento da família, depois de ter andado por outros depósitos e
oficinas da Rede, já aposentado, ainda mantinha o vigor e a regência da casa.
Ao lado dos filhos, Caco, Tide, Cláu e Leo, aquela
família ofereceu-se inteira a mim, como um ninho de acolhida amenizando a
saudade de um tempo que ficara para trás na distante Cacequi.
Os dias foram passando e eis que amizade brotou cheia de laços de afeto e
respeito, entre aquela senhora e aquele jovem que passou a ser chamado o filho
preto, sentindo-se querido e abraçado.
Impossível desvencilhar-se quando o carinho e as lembranças são a base de uma
amizade sólida e verdadeira. Impossível aquele jovem ter conseguido avançar nos
seus estudos e progresso profissional, não fosse a atenção e o zelo daquela mãe
generosa chamada Helena.
Sempre rodeada de flores, se esmerando para manter o jardim bonito e perfeito,
ela era o centro das atenções. Mesmo quando os filhos aos poucos, um a um,
foram deixando aquele casarão de madeira que mais parecia um castelo de sonhos
e realidade de dias felizes, a aura e o perfume de vida ali permanecia.
Quando seu Daniel cumpriu o seu tempo e os anjos vieram buscá-lo,
permaneceu ela firme no manejo do barco da casa, sempre com o olhar cumprido
para os filhos e netos que de quando em vez chegavam, e também aqueles que lhe
eram ausentes.
Entre eles, cá estava o filho preto, frequentando novos lugares, novos
rumos, por terras estranhas, entre índios, sem-terra e capelas, com olhar
espichado para as terras do Rio Grande e aquele amor materno pelo torrão natal
que se negava morrer.
Sempre cheio de desculpas, nunca arrumou tempo para estar de novo ao lado
daquela por quem seu coração ainda hoje reclama. Mensagens, telefonemas,
palavras de estimulo à amiga, filha cuidadora Cláu a quem coube a nobre tarefa
de ficar ao lado da mãe até os últimos momentos, foram os últimos gestos de
aproximação.
Momento que hoje invade a alma deste filho ausente na lembrança do último
adeus; irmão que chora com os demais e que, sob empréstimo, dividiram comigo o
carinho nesta despedida de dor desta senhora.
E lá estava ela -- dona Loci era o seu verdadeiro nome --, sempre com um
sorriso maroto no rosto, mesmo que esquecida de tudo, no alto de seus 91 anos,
pela força da idade e da doença que lhe embaralhava as lembranças, demonstrava
em silêncio ainda tudo recordar.
Óh, mãe Helena, sábio é o nosso Deus que a inspirou e preparou o caminho
desta longa e lenta despedida. Óh, como dói senti-la desprendendo-se aos poucos
de todos que se encontram a sua volta, distante e perto.
Das cinco mães de coração que Deus me deu, somente aquela que me deu a luz, lá
numa pequena casinha de madeira à luz de lampião na minha terra natal,
permaneceu ao meu lado até o dia 21 de agosto último. Uma a uma foram partindo.
De certa forma dona Laura, lá no céu, há de sentir-se agradecida
pelo carinho desprendido por todas essas mães ao seu filho primogênito itinerante
pelo mundo.
E faz valer a sentença que ela, como mãe, cunhou em nossos corações desde a
nossa infância: Quem meu filho beija, minha boca adoça. Só tenho a
agradecer e pedir a Deus por ela. Obrigado mãe Laura. Obrigado mãe Helena
de minhas ternas e eternas recordações.
Brasilândia/MS, 9 de novembro de 2021/2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário