quarta-feira, 9 de novembro de 2022

 À Mãe Helena Franckini com carinho.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



A vida sempre nos enche de alegria onde quer que andemos. Desde a nossa infância inúmeros gestos de carinho e pequenos cuidados para nós foram desprendidos, às vezes, por ilustres desconhecidos. Depois crescemos e durante a juventude, não faltou quem nos estendesse a mão e nos concedeu um abraço de acolhida nos aninhando em sua concha.

No curso de minha vida, desde que minha mãe Laura, que ainda ontem nos deixou, me lançou no mundo, meus caminhos foram pontilhados de amigos e de modo especial de mães que sempre me dedicaram carinho e amparo.

Aquariana generosa soube dona Laura educar seus filhos tornando-os homens em conexão com o seu tempo. E sensíveis aos apelos do coração e sentimentos daqueles que se encontram a nossa volta.

Primeiro foi minha avó Maria que já no meu primeiro ano de vida, entre fraldas, me carregou de trem até a estação de Entroncamento onde meu avô, seu Santos, era agente: ela foi minha segunda mãe.

Depois, foi a lendária tia Nelci, minha mãe rural, que me ensinou os segredos da vida e a paciência do campo. A tia Laureci, embora jovem, no meu tempo de criança, ela me tornou confidente de seus primeiros madrigais, completando o círculo de afeto que circundou minha infância.

Sempre fui uma criança abençoada. Depois de jovem, já no quartel militar, a mãe Albertina e sua simplicidade acolhendo-me num quartinho em sua casa e me fazendo não desanimar e a suportar as agruras do meu período verde oliva lá pelas bandas do rio Ibirapuitã, no Alegrete.

Por fim, já maduro, a mãe Helena nesta trilha que me levou à Pelotas me fez descobrir os segredos do mundo, desde a filosofia da universidade ao engraxar as mãos no serviço braçal, me aproximando da terra e dos valores humanos da solidariedade para além das aparências.

E lá se encontrava o carrinho dormitório da rede ferroviária federal, agora instalado naquela cidade tendo como local o recinto dos trilhos, junto a oficina e depósito, os dormentes, troles e EPIs dos trabalhadores que reformavam bueiros e pontes empunhando pesados arrebentadores e o solavanco das marretas.

Nas horas de descanso, os olhos daquele jovem, de quando em vez repousavam sobre uma cerca que fazia divisa entre aqueles vagões e o fundo de pátios dos moradores vizinhos.

E lá estava ela: cabelos levemente ondulados, aos poucos embranquecendo, sempre às voltas com a lida da casa. Mulher dinâmica era o orgulho da família e a alegria dos vizinhos e amigos. Estava sempre disposta a preparar pratos especiais da comida italiana, berço de seus antepassados.

Seu esposo, seu Daniel, também ferroviário, depois de muito trabalhar e garantir o sustento da família, depois de ter andado por outros depósitos e oficinas da Rede, já aposentado, ainda mantinha o vigor e a regência da casa.

Ao lado dos filhos, Caco, Tide, Cláu e Leo, aquela família ofereceu-se inteira a mim, como um ninho de acolhida amenizando a saudade de um tempo que ficara para trás na distante Cacequi.

Os dias foram passando e eis que amizade brotou cheia de laços de afeto e respeito, entre aquela senhora e aquele jovem que passou a ser chamado o filho preto, sentindo-se querido e abraçado.

Impossível desvencilhar-se quando o carinho e as lembranças são a base de uma amizade sólida e verdadeira. Impossível aquele jovem ter conseguido avançar nos seus estudos e progresso profissional, não fosse a atenção e o zelo daquela mãe generosa chamada Helena.

Sempre rodeada de flores, se esmerando para manter o jardim bonito e perfeito, ela era o centro das atenções. Mesmo quando os filhos aos poucos, um a um, foram deixando aquele casarão de madeira que mais parecia um castelo de sonhos e realidade de dias felizes, a aura e o perfume de vida ali permanecia.

Quando seu Daniel cumpriu o seu tempo e os anjos vieram buscá-lo, permaneceu ela firme no manejo do barco da casa, sempre com o olhar cumprido para os filhos e netos que de quando em vez chegavam, e também aqueles que lhe eram ausentes.

Entre eles, cá estava o filho preto, frequentando novos lugares, novos rumos, por terras estranhas, entre índios, sem-terra, capelas, mas com olhar espichado para as terras do Rio Grande e aquele amor materno pelo torrão natal que se negava morrer.

Sempre cheio de desculpas, nunca arrumou tempo para estar de novo ao lado daquela por quem seu coração ainda hoje reclama. Mensagens, telefonemas, palavras de estimulo à amiga cuidadora Cláu a quem coube a nobre tarefa de ficar ao lado da mãe até os últimos momentos, foram os últimos gestos de aproximação.

Momento que hoje invade a alma deste filho ausente na lembrança do último adeus; irmão que chora com os demais e que, sob empréstimo, dividiram comigo o carinho nesta despedida de dor desta senhora.

E lá estava ela -- dona Loci era o seu verdadeiro nome --, sempre com um sorriso maroto no rosto, mesmo que esquecida de tudo, no alto de seus 91 anos, pela força da idade e da doença que lhe embaralhava as lembranças, demonstrava em silêncio ainda tudo recordar.

Óh, mãe Helena, sábio é o nosso Deus que a inspirou e preparou o caminho desta longa e lenta despedida. Óh, como dói senti-la desprendendo-se aos poucos de todos que se encontram a sua volta, distante e perto.

Das cinco mães de coração que Deus me deu, somente aquela que me deu à luz, lá numa pequena casinha de madeira à luz de lampião na minha terra natal, permaneceu ao meu lado até o dia 21 de agosto último. Uma a uma foram partindo. De certa forma dona Laura, lá no céu, há de sentir-se agradecida pelo carinho desprendido por todas essas mães ao seu primogênito itinerante pelo mundo.

E faz valer a sentença que ela, como mãe, cunhou em nossos corações desde a nossa infância: Quem meu filho beija, minha boca adoça. Só tenho a agradecer e pedir a Deus por ela. Obrigado mãe Laura. Obrigado mãe Helena de minhas ternas recordações.



Brasilândia/MS, 9 de novembro de 2021/2022.

 

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