quarta-feira, 27 de setembro de 2023

 

O aceno de adeus a seu Osni Pedro Butzky

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Naquele domingo, a mão estendida para receber a hóstia consubstanciada no Corpo de Cristo era o gesto comum a todos que lá se encontravam. Não para aquele senhor de passos comedidos que, no alto de seus 81 anos de idade sempre teve a maior intimidade com o Criador e as bênçãos que foi agraciado desde menino.

Aquele seria o último dia que a comunidade o veria ereto e determinado como sempre fora. Seu Osni Pedro Butzky, no domingo seguinte, já não estaria mais entre os seus. 

Aquela mão estendida daquele domingo lhes havia agraciado com a Eucaristia da Salvação, o que nos conforta e reveste a todos no estado de Graça e de Felicidade plena com que ele adentrou o Reino dos Céus. 

Ocasião em que recebeu das mãos do próprio Deus e da Virgem, a coroa de flores que lhe estava reservada em retribuição a tudo que aquele filho, pela bondade do Pai Eterno, era merecedor.

No final de nossos dias, somos sempre condescendentes com aqueles que nos cercam, em especial, quando estamos presos aos laços de sangue e de afeto. Passamos por cima dos contratempos e desencontros da vida que nos distanciam uns dos outros, e nos deixamos levar pelos laços da meiguice e ternura por quem amamos. Ainda que seja em pensamento e em meio às lágrimas de adeus.

Uma aura de nostalgia e reconhecimento, então, nos envolve. E lá buscamos no átrio do coração aquelas lembranças que nos confortam e acariciam nossa alma. É isso que os rebentos, filhos, netos e amigos do senhor Osni Pedro Butzhy, carinhosamente chamado pelo apelido de Nico, nesta hora cultivam e celebram em silêncio.

Ele era de um tempo de gestos retos, e onde os sonhos da juventude galopavam no lombo de bom cavalo, uma de suas paixões. E lá vai o filho da dona Maria e seu Pedro, nascido no dia 11 de dezembro de 1941, e seus irmãos Osnilo e Zélia, em meio às cachoeiras e belíssimas paisagens da cidade de Bom Retiro, na serra catarinense, sua cidade natal.

O galope do vento logo o trouxe, juntamente com a família, para Ivaiporã, no estado do Paraná, chegando em Brasilândia no ano de 1983. Aqui trabalhou por muitos anos como administrador de fazendas do patriarca fundador do município, Arthur Höffig, até o quanto a idade permitiu.

Era viúvo de dona Erivan Ana Buthzi, uma das baluartes e precursoras do voluntariado no Combate ao Câncer em Brasilândia, falecida em 24 de fevereiro de 2014. Juntos tiveram os filhos: Margarete, Maria Gorete e Vanderleia. E os rebentos netos: Osni Antônio, Diego e Jonathan. Além da alegria de seus olhos, os bisnetos: Manuella, Ana Clara, Mariana, Maria Julia e José Pedro

Dia 24 de setembro último, o avô, pai, irmão, tio, companheiro e amigo Nico deixou as preocupações da vida para trás, para experimentar as novas paisagens ofertadas pelo Alto. Benesse que aos puros de coração são ofertadas desde o tenro amanhecer. 

Sob o olhar, agora distante, resta a singela lição de otimismo que no silêncio ele deixou: o estado de Graça começa sempre pelo gesto estendido da mão: mão que recebe, e em troca, abençoa, promove o respeito, a estima e o amor. Descanse em paz, seu Osni Pedro Buthzy.

 

 Brasilândia/MS, 27 de setembro de 2023.



 







segunda-feira, 25 de setembro de 2023

 

Vicente Borges dos Reis, missão cumprida.

Carlos Alberto dos santos Dutra



Brasilândia amanheceu mais triste. Bem que o sol escaldante poderia dar uma trégua e cedesse lugar à chuva para diluir as lágrimas dos familiares e amigos do senhor Vicente Borges dos Reis que hoje fez sua Páscoa definitiva.

As despedidas sempre nos surpreendem. Não nos acostumamos a elas, em especial quando se trata de quem mais amamos, os entes de sangue, os nossos pais.

Sim os anos passam. E os rebentos mais novos, já na pontinha dos galhos da árvore genealógica que nos prende uns aos outros em família, mesmo em flor, uma recordação ainda balança ao ser tocada pelo vento da saudade.

Mas ela, a história, está lá, firme sobre as raízes plantadas numa época que já vai longe. Com suas lidas e andanças lá vai o velho timoneiro, assim acenando. É como se a barranca do Porto João André abraçasse aquele mineiro vindo da cidade conhecida como Ventania, município de Alpinópolis.

E lá encontramos o filho de dona Emirene e Pedro Borges Vicente, no dia 20 de outubro de 1942, às voltas com aquele menino recém-nascido, que logo se tornou um homem forte, alegria de seus pais.

Aos 15 anos já se encontrava distante de casa enrijecendo os braços para trabalhar na Usina Elétrica de Furnas, até o dia em que chegou no Mato Grosso do Sul. Encantado com as belezas do lugar, o jovem Vicente ingressou na Polícia Militar, trabalhando muitos anos no posto fiscal do Porto João André.

Foi ali que seu coração capitulou diante do olhar encabulado da filha do seu Elpídio e dona Dolores: a doce Niderce com quem se casou e constituiu sua família. Foi um tempo, ele recorda, onde as margens do rio Paraná embalavam a vida com a suavidade dos remos de uma canoa encantada ao cair da tarde.

Roda o relógio dos dias e o policial Borges se encontra às voltas com uma Brasilândia ainda em construção no seu nascedouro: as funções de delegado, na falta do titular e a façanha como um dos sobreviventes da queda da ponte do rio Verde que levou um ônibus pelas águas e vitimou 30 pessoas são algumas de suas passagens.

Sim, um brasilandense de coração que por aqui fez história e contribuiu também para o desenvolvimento local. Instalado como empresário no ramo de panificador, foi um dos pioneiros neste setor. Quem não se lembra, desde os idos 1983, no distrito Debrasa, da Padaria do Borges e, ao lado da Panificadora 47, na sede do município, tendo à frente a esposa Niderce, foram os marcos da indústria de alimentação local, ainda no tempo dos fornos a lenha?

Nos últimos anos de vida, homem pacato, poucos na verdade sabiam de sua trajetória e engajamento comunitário que desempenhou também no campo social e político local. Em 1986, por exemplo, fazia parte do Conselho Fiscal do pioneiro Sindicato Rural de Brasilândia-SRB, ao lado do presidente Eliazel Paes de Oliveira. 

Filiado ao PMDB de Brasilândia, em 1988, foi escolhido membro do Diretório Municipal em convenção partidária; em 1995, foi 1º Vice-presidente deste partido ao lado de Dr. Antônio de Pádua Thiago, e em 1992 foi candidato a vereador pela mesma sigla, dando sua contribuição cidadã ao município.

Depois de uma longa caminhada, um mês antes de completar 81 anos, eis que seu Vicente Borges dos Reis decide, não por vontade própria, mas por que o bom Deus assim julgou melhor, que ele seguisse por caminhos menos íngremes. Mesmo que doa para os amigos, a esposa, os filhos e netos, o descanso eterno é o que consola a todos.

Participante das atividades religiosas da Paróquia Cristo Bom Pastor, seu nome e de sua esposa consta no Livro Tombo da Paróquia como testemunha e padrinhos em diversos casamentos ali realizados desde o tempo das Irmãs da Congregação de Jesus Crucificado. Sim, seu Vicente está em paz com Deus. Ele cumpriu sua missão e deixou ao seus  rebentos a melhor das lembranças, para sempre, em seus corações. Descanse em paz, amigo Vicente Borges dos Reis.

Brasilândia/MS, 25 de setembro de 2023.

 



















Soldado Vicente Borges dos Reis, PM Borges, no ano de 1960

(Foto: Arquivo João Batista Marques, 2010).




domingo, 24 de setembro de 2023

 

Salve a Capela  São Vicente de Paulo

Carlos Alberto dos Santos Dutra


1-Um dia existiu um bairro

João Paulo da Silva era o nome

Povo feliz, mas com fome

De Deus que abriu as asas

Sobre as 75 casas

Início do loteamento.

Buscava entrosamento

Uma vila em construção

No dia da inauguração

Setembro de 94

O bairro, ainda pacato

E o grande dia chegou

Tinha dupla que cantou

Gilberto, Gilmar. Quem se lembra?

Completava a legenda

Discurso do Valdomiro

Flávio Derzi, e seu brilho

Marco Maia, neste ato

Dona Adelaide Lobato

A primeira chave ganhou

Que feliz comemorou

Com todos os moradores

Bons cristãos merecedores

Aqui vai nossa homenagem

E a vida pediu passagem

Por um caminho de flores.


2-Cinco anos se passaram

E um sonho foi plantado

O lugar foi batizado

Pelas mãos de um vicentino

Padre Lauri e o destino

Capela idealizou

Padre Luiz Carlos iniciou

O terreno regularizado

Pela Prefeitura doado

Que em disputa judicial

Motivada por um crente

Que num gesto, de repente

Não entendeu o social

E numa posição radical

Questionou a doação

Impedindo a construção

Padre Luiz então comprou

E a Igreja registrou

O terreno da capela

E a Igreja sentinela

Pode enfim festejar

E São Vicente celebrar

Seus terços, suas novenas

O esforço valeu a pena

Ministra Zélia a primeira

Colaboradora pioneira

Com dedicação coordena.


3-Prestigiada a capela

Recebeu muitas visitas

Aos poucos ficou bonita

Com o esforço do povo

Fez o velho ficar novo

Congregação da Missão

Vindo de longe os irmãos

Chegaram os Redentoristas

Adveniat e a conquista

Presença de dom Izidoro

A Deus do céu eu implodo

Pelos padres que passaram

Que por aqui celebram

Aceite nosso obrigado

Estamos bem encaminhados

Na missão de São Vicente

Todos alegres contentes

Relembrando aquele dia

Primeira missa, alegria

Dia 26 de novembro

2016, ainda lembro

Padre Luiz celebrando

A capela inaugurando

Verdadeiro relicário

E hoje, no aniversário

No dia do padroeiro

Pode até faltar dinheiro

Pro pastel, refrigerante

Mas a amizade é o bastante

Tamanho da nossa fé

O povo não arrasta o pé

Segue em frente destemido

Sente-se pelo Céu ungido

Cada um dos filhos seus

Que agradecem a Deus

E se sentem protegidos.


4-São tantos colaboradores

Que é impossível falar

Verdadeira amizade

Festa da comunidade

São Vicente, Bom Pastor

Tudo feito com amor

Dedicação e bondade

Visível simplicidade

Contagia o ambiente

Espaço beneficente

Nosso salão paroquial

Espaço diaconal

Para este povo valente.


5-Pro arremate agradeço

Padre Ronaldo, a Comissão

Que trabalhou em mutirão

E membros da comunidade

Cheios de boa-vontade

Mas é sempre bom lembrar

Aqueles, os pioneiros

O Delsino violeiro

Lá na sala da Escola

Animando com a viola

Missas na Paulo Simões

Brotavam as vocações

Pelas casas, o Deus menino

Dona Leda, Zé Galdino

Catequistas, muita fé

Adalberto, Maria José

Dona Cássia, Eliana

Saudosa Flozina, Hosana!

E aqueles que levaram

A diante e acreditaram

Na força que vem do alto

Por isso neste dia exalto

O momento especial

E peço ao Pai celestial

Uma bênção familiar

Aos que querem celebrar

E as mãos que ajudaram

Aqueles que se empenharam

Dando prendas para a festa

E não adiante franzir a testa

Só por causa do calor

Pois o que vale é o amor

O pastel será um sucesso

Não é cobrado ingresso

Comunidade de Igreja

Que não nos falte a cerveja

Na Paz do Senhor me despeço.

 

Paróquia Cristo Bom Pastor

Brasilândia/MS, 23 de setembro de 2023.

Ano do 7º aniversário da Capela São Vicente de Paulo

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

 

Distrito Debrasa: quando tudo começou

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 





A Prefeitura de Brasilândia irá realizar no dia 23 de setembro próximo atividades culturais e esportivas em comemoração ao aniversário de criação do distrito Debrasa. Mas para fazermos justiça à memória dos pioneiros que ali dedicaram suas vidas, cumpre lembrar que a história começa muito antes do dia 19 de setembro de 1996, quando, através da Lei municipal 913/96, aquele aglomerado urbano foi elevado à condição de distrito. 

O site da Prefeitura informa que os eventos se darão na praça central do distrito Debrasa, ocasião em que será realizado o tradicional bingo com a população. Iniciemos, pois, não olvidando o nome da Praça: ela chama-se Praça Walter Antônio Pádua Becker. Mas, vamos lá retroagindo um pouco no tempo. As páginas amareladas do Jornal de Brasilândia, do saudoso Jamil Fernandes, falecido em 2015, nos auxiliam neste resgate histórico. 

No final da década de 1970, encontramos o registro de que, empresários pioneiros visualizaram a possibilidade de se implantar no interior de Mato Grosso do Sul, mais precisamente no município de Brasilândia, uma destilaria de álcool. À custa de muitos sacrifícios, mas com a determinação própria dos desbravadores os obstáculos encontrados foram transpostos e o sonho foi concretizado surgindo a Destilaria Debrasa.

E lá encontramos o setor produtivo da DEBRASA, a partir do dia 25 de março de 1976, data da fundação da Destilaria Debrasa, na época atuando de forma acelerada na produção de álcool, gerando para a região mais de dois mil empregos, possuindo uma área plantada de 16.400 hectares de cana de açúcar, produzindo um milhão de toneladas de cana para corte e que projetava para o exercício de 1987 a produção de 74 milhões de litros de álcool. 

Motivo de orgulhos para os pioneiros diretores: Maurílio Biagi Filho, diretor-presidente; Nelson Brochmann, diretor vice-presidente; Arnaldo Bonini, diretor superintendente e Walter Antônio Pádua Becker, diretor de administração. Os seus principais acionistas nesta época eram a Usina Santa Elisa S/A, Indústria e Comércio e Construções e Jacyra de Moraes Höffig. 

Porém, novos obstáculos apareceram: como fixar os trabalhadores próximos ao seu local de trabalho? Desta necessidade o núcleo habitacional Debrasa foi criado. Como solução, a empresa realizou provisoriamente um loteamento próximo à indústria e procedeu a venda de lotes aos trabalhadores de forma parcelada e a custo baixo. 

Com o passar dos anos, entretanto, o que era solução passou a ser problema, pois como é do conhecimento de todos, só é legítimo possuidor do imóvel, quando a propriedade está devidamente escriturada e registrada em cartório de imóvel. Sem contar a dificuldade de os lotes estarem em área rural com finalidades urbana, observa Jamil Fernandes. 

Como proceder então? Com a implantação da indústria o núcleo habitacional cresceu a olhos vistos: novas residências foram construídas e novos comércios foram abertos. Mesmo assim, passado os anos, o núcleo Debrasa continuava a ser o mesmo loteamento provisório de antes. 

Foi quando a Prefeitura de Brasilândia na época, através da prefeita Neuza Paulino Maia, determinou que estudos fossem realizados para que o núcleo Debrasa pudesse vir a ser efetivamente o Distrito Debrasa. Outras tentativas já haviam sido realizadas, não substanciadas na legalidade, mas que haviam se perdido nos escaninhos da política partidária desses tempos. 

Após a realização de estudos, por fim, chegou-se à conclusão que em primeiro lugar a área necessitava ser desvinculada do INCRA, e, posteriormente, abrangida por Lei municipal que ampliaria o perímetro urbano (o que foi efetivada pela Lei municipal nº 886/95), para que desta forma os proprietários pudessem realizar o loteamento, de acordo com a Lei municipal nº 401/95, e Lei federal nº 6.766/79. Coube à Prefeitura assessorar os proprietários quanto aos procedimentos legais, pois só eles poderiam realizar tais empreendimento, por serem os legítimos possuidores do imóvel. 

Para tanto a empresa contratou um responsável técnico para assessoramento quanto à documentação e respostas técnicas juntos aos órgãos competentes, ficando ainda a cargo da empresa os serviços de topografia para demarcação de todo o loteamento. Contudo, o andamento dos trabalhos foi interrompido por falta de acompanhamento topográfico, o que originou a demora da realização do empreendimento e consequentemente a [não] criação do Distrito Debrasa. 

A vida e o trabalho dos moradores continuaram. Segundo dados da Prefeitura de Brasilândia, à época, o Distrito Debrasa possuía 1.015 habitantes, num total de 610 imóveis, sendo 320 residências, 39 comércios, entre outros. 

Nos meandros dos acontecimentos, lembra o jornalista, uma passagem muito interessante do saudoso senhor Thomaz de Almeida, homem de visão que se preocupou para que a instalação de parte da moenda da usina Debrasa ficasse do lado de cá do rio Taquaruçu (pertencendo a Brasilândia), pois o lado contrário, ele tinha conhecimento, que, com a emancipação do ex-distrito de Xavantina, como aconteceu, a região passaria a pertencer a Santa Rita do Pardo. 

O Distrito Debrasa foi finalmente criado através da Lei municipal nº 913/96, em 19 de setembro de 1996, na administração da prefeita Neuza Paulino Maia que sancionou o desmembramento do distrito Debrasa do distrito sede do município de Brasilândia, sendo que seus limites se encontravam dentro das seguintes divisas: 

Inicia-se na ponte localizada sobre o Taquaruçu em sua margem esquerda, divisa deste município com o município de Santa Rita do Pardo, deste segue à margem esquerda da Rodovia Estadual MS-395, denominada Julião de Lima Maia, com sentido a sede deste município; ao encontrar o Córrego Azul, também conhecido por Paredão, segue por ele acima até a sua mais alta cabeceira, a partir daí em divisa seca através de uma linha reta, até a mais alta cabeceira do Córrego Invejoso; segue por este até sua foz no rio Taquaruçu; segue por este abaixo, até encontrar a ponte de travessia da Rodovia MS-395, aonde teve o seu princípio. 

Enfim são muitas informações e passagens históricas que, na era da internet, podem tranquilamente ser cotejadas pelo cidadão interessado. Estes eventos comemorativos, por conseguinte, podem ser uma excelente oportunidade para que não esqueçamos das bibliotecas vivas que, desafiando a memória líquida da modernidade digital, teimam em perenizar na moldura do tempo as lembranças e o testemunho dos pioneiros e fundadores do distrito Debrasa. 

Brasilândia/MS, 20 de setembro de 2023.

 

Mais informações sobre a história do Distrito Debrasa cf. História e Memória de Brasilândia/MS, volume 1-Pioneiros, capítulo 3-Quando tudo começou-Testemunhos, páginas 283 a 295, que se encontra disponível na Biblioteca Municipal de Brasilândia Profª Abadia dos Santos, e Bibliotecas do SESI e todas as Bibliotecas Escolares de Brasilândia. 

O livro também pode ser adquirido em: História e Memória de Brasilândia/MS - Pioneiros, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores

 


terça-feira, 5 de setembro de 2023

 

O losango da fé e a homenagem aos pioneiros da Paróquia Cristo Bom Pastor.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


Homenagear é um gesto que poucos praticam. Ser homenageado, em consequência, é ainda mais raro. No campo das lembranças que passam céleres diante dos nossos olhos, ao historiador e seu olhar de biógrafo só resta percorrer amiúde a trilha dessas saudades e recolher as pétalas de flores, também os espinhos, daqueles que aqui pisaram e deixaram ao longo do caminho, a sua marca. Sobretudo o alvitre de realizações de homens e mulheres que se destacaram na comunidade prestando serviços relevantes para sua gente. 

Quando o engenheiro de obras, Antônio Henrique Filho começou a demarcar as ruas e praças da futura cidade de Brasilândia, o patriarca Arthur Höffig já havia decidido que no ponto alto da cidade, próximo ao Cruzeiro que fora implantado ainda nos idos 1957, seria assentada ali uma praça. O mapa original da empresa Boa Esperança Comércio, Terras e Pecuária S.A (COTERP), com a lavra do engenheiro Ídolo Guastaldi, assinala a Igreja Matriz plantada bem no centro da praça, circundada por um losango, afetuosamente postado, como que olhando e abençoando a cidade que nascia a seus pés.

A Igreja foi construída muito tempo depois, graças ao esforço da comunidade e da perseverança pastoral das irmãs vigárias da Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado e os primeiros párocos que assumiram a incipiente Paróquia Cristo Bom Pastor com afinco e dedicação nos anos que se seguiram.

Com o revigoramento da Praça da Matriz denominada pela Lei 2.440/2011 de Praça Anísio Gomes de Almeida, eis que o local se transformou em um marco definitivo da história, onde a fé se encontrou com o turismo e a cultura abraçou o esforço dos cidadãos e a administração pública.

É neste contexto que os projetos de lei apresentados pela vereadora Márcia Regina do Amaral Schio, aprovados pela Câmara Municipal de Brasilândia se inserem, quando buscam homenagear os quatro primeiros administradores paroquiais desta cidade que por aqui exerceram atividades religiosas e humanitárias de relevo, e que lutaram para ver concluído o sonho da construção de uma Igreja humana e celeste que perdura até os dias atuais.

Ao conferir o nome destes administradores paroquiais – Padre João Tomes, Irmã Abigail Dias Batista, Padre Tadeu Kolodziejczyk e Padre Lauri Vital Bósio -- que foram os pioneiros na evangelização nesta terra, se completa a constelação do losango ressignificando o entorno da Praça da Matriz.

O reconhecimento público a estes quatro ícones da evangelização, sem dúvida, é uma dessas agradáveis lembranças que deverão permanecer na história desta terra. A despeito do tempo que passou, desde que aqui chegaram e fincaram na terra os fundamentos do catolicismo, seus feitos ainda hoje são guardados na memória e nas lembranças dos munícipes mais antigos.

Nominar as Travessas do entorno deste espaço simbólico conferindo o nome de ruas a esses religiosos que muito fizeram pelo povo desta terra, é mais do que um feito da política partidária, é colocar uma coroa de flores sobre a memória da cidadania que enobrece as diagonais e travessas desta Praça enaltecendo o seu valor histórico e cultural.

As Travessas A, B, C, e D que contornam a Praça da Matriz e que recebem o nome de personalidades brasilandenses que já faleceram, como exige a Lei Federal 6.454/77, e também em respeito à Lei Municipal 2.063/05 que proíbe a mudança do nome de ruas e logradouros públicos nesta urbe, o gesto da Casa do Povo local, agora sancionadas pelo prefeito municipal através das Leis nº 3.038/2023; 3.039/2023; 3.040/2023; 3.041/2023, faz uma justa homenagem a todos os cidadãos que por esses guardiões da fé foram beneficiados e, por conseguinte, devem se sentir, aqueles, igualmente agradecidos e homenageados.


Biografias:

O Padre João Tomes é o primeiro (1). De origem tcheca, nascido em 20 de maio de 1918 na cidade de Frystak, Checoslováquia, era um educador e, ainda muito jovem, foi enviado pelos seus pais ao Colégio Salesiano de sua cidade natal. Ele chegou ao Brasil em 1936, com 18 anos de idade, tendo se fixado inicialmente em Cuiabá, onde deu continuidade a seus estudos e a vida sacerdotal sob a supervisão de Dom Aquino Correia. Em 1948 se transferiu para Três Lagoas, onde, em 1950, construiu a casa paroquial da futura diocese, inaugurando a tradição das grandes procissões religiosas, dos desfiles do patronato da Vila Vicentina e das festas do Bom Jesus da Lapa, com grandes leilões. 

Considerada uma das mentes brilhantes da época, foi o responsável pela construção de inúmeros prédios, escola, salão paroquiais, capelas e igrejas, entre elas a primeira capela da antiga Xavantina e a primeira igreja matriz de Brasilândia. No dia 18 de junho de 1956, na sede da fazenda Boa Esperança realizou um dos primeiros casamentos que se tem notícia, e que teve por testemunhas Antenor Fonseca, um dos fundadores de Brasilândia que nesta época já trabalhava para o patriarca Arthur Höffig e Luiz Teixeira de Carvalho. Foi o Padre João Tomes que, no domingo de Páscoa do dia 21 de abril de 1957, celebrou a primeira missa campal no povoado, sendo ali encravado um Cruzeiro de madeira pelo fundador do patrimônio, que deu origem a cidade, sendo que o local se tornou, com o tempo, marco cultural da cidade. Ele faleceu em Três Lagoas, em 27 de maio de 1980. 

Outra homenageada é a Irmã Abigail Dias Batista (2). Pertencente a Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, a Irmã Abigail Dias Batista foi a primeira administradora paroquial a coordenar os trabalhos pastorais quando da criação da Paróquia Cristo Bom Pastor no dia 25 de junho de 1972, que foi desmembrada da Paróquia Santa Luzia, de Três Lagoas. Por dez anos, sob sua coordenação, a nova Paróquia, ainda ligada à Diocese de Campo Grande, foi uma das pioneiras nesta terra de Brasilândia e Xavantina. 

Presentes na região de Três Lagoas, desde 1950, a Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado permaneceu coordenando a Paróquia Cristo Bom Pastor, de 1972 até 1982, quando da chegada do primeiro pároco de Brasilândia. Ao lado das irmãs Margarida, Zélia, Nair, Geralda e outras, a irmã Abigail desenvolveu todas as atividades pastorais e sacramentais durante os primeiros anos no povoado logo transformado em vila. Foi a irmã Abigail que realizou o primeiro batizado na Paróquia que ocorreu no dia 4 de junho de 1972, bem como o primeiro casamento, presidido por ela no dia 24 de julho de 1972. A irmã Abigail faleceu em 2019 aos 90 anos de vida dedicada a missão.

O terceiro homenageado é o Padre Tadeu Kolodziejczyk (3), que era membro da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo, vindo do Estado do Paraná, e tomou posse na Paróquia Cristo Bom Pastor no dia 17 de janeiro de 1982 como primeiro pároco, e permaneceu em Brasilândia por dois anos. 

Ele nasceu na Polônia no dia 27 de agosto de 1932 e ordenou-se sacerdote em 24 de junho de 1956. Chegou ao Brasil em 1957, tendo atuado em diversas paróquias do Sul e Centro Oeste brasileiro.

Por ocasião de sua posse em Brasilândia, consta que a irmã Missionária de Jesus Crucificado, Aparecida Guimarães, que havia sido transferida de Brasilândia para a Prelazia de Coxim, retornou à Paróquia Cristo Bom Pastor para auxiliar a irmã Geralda que coordenava os preparativos da recepção aos convidados juntamente com as irmãs Nair e Judith que aqui permaneciam. 

Durante o apostolado do Padre Tadeu em Brasilândia ele se revelou um fiel e bom amigo da comunidade, participando ativamente da vida religiosa da igreja, celebrando em fazendas e sítios, tornando-se muito amigo da família do sr. José Ferreira da Silva, onde sempre foi muito bem recebido celebrando ali por diversas vezes. Da mesma forma participava das festas comunitárias e atividades do cotidiano que envolviam a pequena vila que emergia. 

Homem alegre e amante de pescarias, seguidamente era convidado por moradores para acampar na beira dos rios da região, o que sempre aceitava com a satisfação de um bom apreciador da atividade, lamentando muito quando voltava para casa sem trazer um bom pescado. Padre Tadeu faleceu no dia 30 de janeiro de 1996, sendo sepultado em São Miguel Tomás Coelho, na cidade de Araucária/PR. Após sua morte, foi homenageado tendo seu nome conferido a ruas nas cidades de Santa Rita do Pardo/MS, Campo Largo/PR, e Araucária/PR. 

O triangulo da fé, formado pelas travessas que circundam a Praça da Matriz não estaria completo sem o nome do Padre Lauri Vital Bósio (4), que é o quarto nome homenageado. Vinculado à Congregação da Missão São Vicente de Paulo, ele foi o segundo pároco nomeado para Brasilândia, tendo permanecido em Brasilândia por 26 anos, até 8 de março de 2010, animando e consolidando a presença da hierarquia da Igreja junto à comunidade católica local. 

Detentor do título de Cidadão Brasilandense, concedido pela Câmara Municipal em 1999, era natural de Campo Mourão, Paraná, tendo nascido no dia 21 de fevereiro de 1955. Filho do casal Artemiro e Nair tinha como irmãos: Laurice, Artenor, Luiz, Narte José, Marco Antônio, Márcia Aparecida e Clistenes Natal, que também é padre vicentino.

Seus estudos tiveram início no Grupo Escolar Marechal Cândido Rondon e Colégio Santa Cruz, em Campo Mourão/PR. Ingressou no Seminário Menor São Vicente de Paulo em Araucária/PR em agosto de 1968, onde estudou até o ano de 1976, concluindo o 2º grau e a Filosofia. 

Em 1977 entrou para a Congregação da Missão de São Vicente de Paulo, cursando a teologia no Studium Theologicum, em Curitiba, até o ano de 1980. Enquanto estudante, ao fazer exames médicos, foi constatado que era portador de uma doença rara na época: distrofia muscular, tendo dificuldade no andar, subir escadas, etc. E para ser ordenado sacerdote, precisou de uma licença especial do Santo Padre, o papa João Paulo II, e que foi concedida. 

Depois de ordenado, atendendo ao convite do bispo Diocesano de Três Lagoas, Dom Izidoro Kosinski, que foi seu superior no tempo de seminário, veio para Brasilândia chegando aqui no dia 5 de fevereiro de 1984, quando tomou posse como pároco, sendo no mesmo ano nomeado pelo bispo como Vigário Geral da Diocese, cargo que ocupou enquanto permaneceu na diocese. Padre Lauri afastou-se da Paróquia por motivo de saúde, em abril de 2010, vindo a falecer 8 anos depois, em 8 de setembro de 2018, tendo sido enterrado na cidade de Capitão Leônidas Marques, no Paraná.

Coterp, 1964


Brasilândia/MS, 05 de setembro de 2023.

 (1) Lei 3.038/2023 de 22 de agosto de 2023, que “Dispõe sobre a denominação da Travessa A, localizada no entorno da Paróquia Cristo Bom Pastor, no centro de Brasilândia-MS, de Rua Padre João Tomes, e dá outras providências”;

(2) Lei 3.039/2023, de 04 de setembro de 2023, que “Dispõe sobre a denominação da Travessa B, localizada no entorno da Paróquia Cristo Bom Pastor, no centro de Brasilândia-MS de Rua Irmã Abigail Dias Batista, e dá outras providências”.

(3) Lei 3.040/2023, de 04 de setembro de 2023, que “Dispõe sobre a denominação da Travessa C, localizada no entorno da Paróquia Cristo Bom Pastor, no centro de Brasilândia-MS de Rua Padre Tadeu, e dá outras providências”.

(4) Lei 3.041/2023, de 04 de setembro de 2023, que “Dispõe sobre a denominação da Travessa D, localizada no entorno da Paróquia Cristo Bom Pastor, no centro de Brasilândia-MS de Rua Padre Lauri Vital Bósio, e dá outras providências”


segunda-feira, 4 de setembro de 2023




Zenaide Lourenço de Brito Silva: Professora da Alegria

Carlos Alberto dos Santos Dutra



O que dizer numa festa de São João, escreveu a filha Keyla Brito, com os olhos rasos d’água, ao receber um vídeo animado daquela senhora que é orgulho dos filhos, motivo de satisfação para os amigos e alegria para seus alunos.

Assim é Zenaide Lourenço de Brito Silva, professora que desempenha seu papel incansavelmente em favor da educação e da prática desportiva, há tantos anos em Brasilândia que nem percebemos, sempre cheia de alegria, esquecendo-se dos dias e que está prestes a se reaposentar, recordava a filha há três anos na sua página no facebook.

Ao longe é possível ainda ouvi-la narrando quadrilhas e festas de arraias e quermesses nas escolas Arthur HöffigAdilson Alves da SilvaAntônio Henrique Filho, e outras, como ninguém. Mas agora ela está presente a nossa frente, naquele vídeo colorido produzido para seus alunos, repleto de emoção e zelo de uma dedicada professora.

Professora de uma, quase duas gerações, esta jovem de 60 anos, sempre foi uma mulher que viveu intensa e ativamente. Desde que aqui chegou e abriu os olhos para o mundo da educação, brincou com a vida, e não deu trégua ao corpo e a mente de seus educandos, fazendo-os crescer constantemente.

Mulher por assim dizer poderosa, na relação com a comunidade escolar e pública sempre se fez representar: atuou no conselho do fundeb; foi candidata à direção da escola Adilson; foi madrinha de formatura do curso de magistério; animou e coordenou gincanas estudantis e quermesses; brilhou em formaturas e festas do dia das mães, enfim, sempre com um sorriso contagiante de alegria.

No campo da festa, impossível não encontrá-la rodeada de alunos, coordenando e animando a juventude vencer engenhosas provas realizadas num tempo que já vai longe: grito de guerraencher um litro de água com copinhos de cafédupla sertanejacorrer em dupla com os tornozelos amarradosjogo da queimadaimitar Gil Gomes (no tempo do famoso radialista e comentarista policial que os mais jovens hoje desconhecem); morder a maçã com as mãos amarradasestourar bexigabeber uma garrafa de guaraná com canudinhocorrer com ovo sobre uma colherpular corda e imitar o palhaço. Uma maravilha.

Ah, professora, o relógio do tempo parece voltar para trás. Mas o mundo do esporte sempre foi o seu chão. E olha lá: vespertino versus matutinojogos escolares da cidadania em Paranaíba e Naviraí; aquele torneio de vôlei masculino que reuniu as duplas campeãs: Serginho e Clayton Buzatt; os torneios realizados na saudosa e inesquecível escola Agrícola... Quanta saudade.

Cidadã engajada, também deu sua parcela de contribuição no mundo da política, tendo ficado à frente do departamento municipal de desporto, numa época de ascensão, prestígio e conquista das mulheres na Administração pública local, onde coordenou e promoveu diversos eventos: do futebol ao basquetebol; do atletismo ao voleibol, entre outros.

O rosto jovem das meninas do voleibol feminino, há 27 anos atrás, era só brilho. E lá estavam elas perfiladas: 
Ellen, Maristela, Luzia, Vivian, Lenide, Jaqueline, Neila, Luciene, Simone e Renata, dando os primeiros passos neste esporte. E tudo graças ao empenho de uma professora admirável para levá-las à cidade de Bataguassu disputar os jogos abertos da semana da pátria, num trabalho em parceria com o Prof. Jeferson, onde sagraram-se campeãs.

Ah, Profª Zenaide, do pedagógico ao lúdico; do treinamento físico ao esporte; do planejamento à direção e administração pública. Sua experiência e suas aulas hoje são referência para muitos. Em que pese a fama de ser durona e exigente, todos são unânimes em afirmar que no seu trabalho há sempre muito amor envolvido.

Não bastava fazer uma bela apresentação, dança folclórica ou vitoriosa partida de futsal ou voleibol, por exemplo. A professora tinha de participar dos mínimos detalhes, desde os ensaios das danças à confecção do figurino e a postura dos figurantes. E no esporte, sempre de olho no treinamento, na disciplina e na aplicação da regra. Tudo para depois colher o reconhecimento (que nem sempre recebia) de um trabalho bem feito.

Na imagem do vídeo postado durante as festas juninas neste tempo de isolamento social, onde a mídia se transformou em instrumento de comunicação essencial entre professores e alunos, entre escola e comunidade, é impossível não perceber o quanto ela leva a sério o que faz. E com vibração contagiante.

Por isso hoje ela recebe a justa homenagem da comunidade de Brasilândia: mãe, professora, esposa, colega, amiga, enfim, uma cidadã completa. E por isso arranca aplauso de todos, fazendo a alguns chorar. A melhor narração de quadrilha é com ela, sintetizou Paula Cristina no facebook.

Parabéns Prof. Zenaide Lourenço de Brito Silva , menestrel da alegria. Você e nós, temos motivos de sobra para celebrar e agradecer por sua vida e companhia!

Publicado originalmente em 27 de junho de 2020, republicado hoje, a pedido de suas colegas, em 04 de setembro de 2023, em sua homenagem.