segunda-feira, 30 de julho de 2018

Adeus irmão Evandro Inácio.


O carinho e o sorriso de Evandro Inácio.
Carlos Alberto dos Santos Dutra.











Existem notícias que jamais gostaríamos de receber. Isto porque fomos talhados para ser eternos e entendemos que sempre haverá uma chance para que isso aconteça. 

Sim, podemos viver muitas vidas, mas nunca ficamos livres da dor da partida. Especialmente quando ela nos aperta o peito e não sabemos dizer o porquê ela nos fulmina o coração de uma dor inconsolável.

Foi assim que a notícia da partida de Evandro Inácio invadiu a nossa alma, nos tomando de assalto, dilacerando as entranhas de quem por ele nutria dedicada e sincera devoção. 

Falo da esposa, do irmão, dos tios e dos amigos que o amavam e o admiravam como cidadão e ser humano iluminado.

Para quem o viu ainda jovem, cheio de sonhos, e a trilha de dor percorrida, verdadeira via crucis, travada pela sobrevivência, desde o fatídico dia em que mergulhou nas profundezas de seu abismo e ressurgiu para a vida, seus passos, a partir de então, só percorreram caminhos de luz.

Foi exemplo de superação e fé para todos aqueles que o cercavam de carinho e respeito. Foi a palavra certa e o exemplo que arrastava jovens para o caminho do bem, ao mesmo tempo em que causava admiração aos mais velhos, à semelhança de um sábio que não se cansava de ensinar.

Ah, e o seu sorriso. Mesmo que tudo estivesse sombrio a sua volta, dada às dificuldades de locomoção ou incômodo que julgava causar, ele sorria, e jogava sementes de esperança e alento buscando reverter o desânimo, apontando para uma réstia de luz através de seu olhar.

Evandro Inácio não era somente um jovem cadeirante que despertava compaixão aos que dele se aproximavam. Ele era o cidadão lúcido, inteligente e proativo que a cidade teve a oportunidade de conhecer e respeitar.

De temperamento dócil, porém incisivo na defesa dos mais fracos, demonstrou uma atuação irrepreensível, brilhante e consequente propondo projetos e ideias que só engrandeceram a sua cidade, o que o tornara um cidadão honrado, a exemplo de seu tio Onofre, um dos pioneiros à frente do Legislativo municipal.

Evandro Inácio, amigo e irmão de muitos, partes muito cedo, apenas 46 anos de idade, e isso nos inquieta o coração que busca resposta para o desalento incomensurável que nos consome.

Mas, ainda que nossos corações chorem a tua partida, nossas almas irão permanecer serenas na fé, pois combateste o bom combate e com certeza o mundo – sobretudo os jovens de fé que te cercavam de carinho e esperança --, em razão das sementes que plantaste, depois de ti, será melhor.

Descanse em paz, irmão Evandro Inácio. Agora estás livre e nada o irá impedir de correr pelos varjões da Cisalpina que te viu crescer, e os Campos do Senhor que hoje abre suas veredas para te acolher... Vá ao encontro de dona Maria, da mãe Helena e outros amigos que o esperam.


Brasilândia-MS, 30 de julho de 2018.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Associação Viva a Vida faz 5 anos!


Há cinco anos a Associação Viva a Vida de Apoio à Terceira Idade de Brasilândia/MS nascia.


Foi no dia 14 de julho de 2013, há cinco anos, quando naquele cair da tarde acontecia no recinto da Câmara Municipal de Brasilândia a eleição da 1ª Diretoria da Associação Viva a Vida de Apoio à Terceira Idade do município de Brasilândia. Os trabalhos da mesa foram coordenados pela Srª Aparecida Oliveira da Silva que presidiu a Comissão Eleitoral e a Srª. Maria Rosa Pereira Magalhães, que atuou como secretária da assembleia geral de fundação, eleição, posse e aprovação do estatuto da Associação que contou com a assessoria jurídica do Dr. Carlito Dutra que acompanhou os trabalhos.

Na ocasião lá marcaram presença na assembleia de fundação, eleição e posse da direção da entidade, 23 pessoas que atenderam a convocação do Edital publicado no Jornal da Cidade edição do dia 3 de julho de 2013, ocasião em que elegeram por unanimidade  a primeira Diretoria da Associação Viva a Vida de Apoio à Terceira Idade do município de Brasilândia.


A 1ª Diretoria ficou assim constituída: Presidente: Maria Jovelina da Silva, popular Jô Cabeleireira e atual vereadora; Vice-Presidente: Jesuína Camargo de Toledo; Secretária: Luíza Dias do Vale; Tesoureira: Verônica Hippler; Conselho Fiscal Titular: Joana Sanches de Lima, e Eili Rojas Romero de Aquino; Conselho Fiscal Suplente: Tereza Franzin Thomé.

Participaram do evento de fundação as seguintes pessoas: Aparecida Oliveira da Silva; Eili Rojas Romero de Aquino; Maria Rosa Pereira Magalhães; Manoel Referino da Silva; Aparecida Dóris das Setras; Carlos Alberto dos Santos Dutra; Jesulina Camargo de Toledo; Maria Jovelina da Silva; Verônica Hippler; Raimunda Maria Lira Silva; Valdetino Sales da Silva; Cláudio Ramos Monteiro; Cícera de Fátima de Lira; Rosemar Tavares de Lira; Monik Rocha Val; Tereza Franzin Thomé; Margarete Hippler; Luiza Dias do Vale; Robert Gerhart Hippler; Vilma Galli Dutra; Francisca Ribeiro da Cruz; Eunice Giorno; Alice Franzin, que naquele ato tornaram-se sócios fundadores da entidade.


De lá para cá muito trabalho, registros, utilidade pública, viagens, congraçamentos, e muitas realizações em favor da Terceira Idade começara  a acontecer... Mas essa já é uma outra história. Parabéns Associação Viva a Vida de Apoio a Terceira Idade, de Brasilândia!

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Um escorpião no meu quintal.


Achei um escorpião no meu quintal.
O que fazer?
Carlos Alberto dos Santos Dutra

As crescentes denúncias da presença de escorpiões em diversas cidades de nossa região, apresenta-se como uma excelente oportunidade para se conhecer melhor esse animal peçonhento e divulgar entre a população as formas corretas de combatê-lo. As recomendações da Saúde são importantes, pois elas podem salvar vidas, em especial vida de crianças e pessoas alérgicas, para as quais o veneno do escorpião é, na maioria dos casos, letal.

A explicação para o aumento na incidência de escorpiões está diretamente relacionada ao agente causal: seus hábitos alimentares, forma de reprodução, proliferação das espécies e comportamentos que mudam conforme as circunstâncias geradas pelos próprios cidadãos.

Um dos agravantes que tem favorecido a extrema adaptação desses animais, e consequentemente causado sensível aumento da população de escorpiões, são as medidas de controle realizadas de maneira errônea, que geralmente mais pioram do que ajudam no combate, obtendo-se, assim, resultado oposto ao desejado, potencializando a proliferação e o aparecimento deste animal nos ambientes domésticos.

A primeira tentação quando encontramos um escorpião no quintal é, depois de matá-lo, procurar algum inseticida para aplicar no ambiente com a esperança de eliminá-lo. Grande equívoco. O controle químico não é indicado, pois o hábito dos escorpiões de se abrigar em frestas, embaixo de caixas, papelões, pilhas de tijolos, telhas, madeira, em fendas e rachaduras do solo, juntamente com sua capacidade de permanecer sem se movimentar, torna o tratamento químico ineficaz.

Uma coisa que torna os escorpiões resistentes aos venenos é também o fato deles possuir o hábito de permanecer em longos períodos em abrigos naturais que impedem que o inseticida entre em contato com o animal. Além disso, eles possuem a capacidade de permanecer com seus estigmas pulmonares fechados por um longo período.

É bom lembrar às donas de casa que a aplicação de produtos químicos de higienização doméstica compostos por formaldeídos, cresóis e para-cloro-benzenos, além de produtos utilizados como inseticidas, raticidas, mata-baratas ou repelentes do grupo dos piretróides e organofosforados, nenhum deles são indicados.

Isso porque esses produtos só conseguem causar o desalojamento dos escorpiões para locais não expostos à ação desses produtos, aumentando o risco de acidentes. Assim, cria-se a falsa sensação de proteção por parte dos moradores que acreditam que o problema foi resolvido, passando a negligenciar o trato com o ambiente.

No caso da necessidade de controlar baratas em locais com presença de escorpiões, recomenda-se o uso de formulação tipo gel ou pó, atividade esta executada somente por profissionais de empresas especializadas.

Em áreas avaliadas como prioritárias, frisa o Manual de Controle de Escorpiões, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, a aplicação de inseticidas para controle de agravos como Dengue, Leishmaniose, Chagas, etc, poderá aumentar a probabilidade de acidente por escorpiões devido ao efeito irritante desses produtos que provoca desalojamento e eliminação de fonte de alimentação e de predadores. 


O escorpião é um artrópode quelicerado (ou seja, tem extremidade em forma de pinça), da classe arachnida e ordem scorpiones que em algumas regiões do Brasil é conhecido por “lacrau”. São animais vivíparos (ou seja, o embrião se desenvolve no corpo materno) e o período de gestação geralmente dura três meses. Para a espécie Tityus serrulatus, o escorpião amarelo (mais venenoso e mais comum), ele se reproduz por partenogênese, assim, só existem fêmeas e todo o indivíduo adulto pode parir sem a necessidade de acasalamento.

E estes animaizinhos indesejáveis estão presentes em locais geralmente modificados pelo homem, nos mais diversos ambientes, em esconderijos junto às habitações humanas. Procuram locais ESCUROS para se esconder. São carnívoros, alimentam-se principalmente de insetos, aranhas e BARATAS, o que o torna um eficiente predador de um grande número de outros pequenos animais, às vezes nocivos ao ser humano.

Os escorpiões têm como inimigos, entre os seus predadores, os camundongos, os quatis, macacos, sapos, lagartos, corujas, seriemas, galinhas, algumas aranhas, formigas, lacraias e os próprios escorpiões. Entre as 1.600 espécies conhecidas no mundo, 160 vivem no Brasil, sendo que 25 delas são consideras de interesse em saúde pública.

No nosso meio, o mais venenoso é o Tityus serrulatus, conhecido como escorpião AMARELO, que é a principal espécie que causa acidentes graves, com registros de óbitos, principalmente em crianças. Durante a vida, uma fêmea desta espécie, pode ter 160 filhotes.

Diante deste quadro amplo e complexo, as ações de EDUCAÇÃO em saúde e ambiental devem ser realizadas não somente pelos órgãos públicos, mas também pela sociedade civil organizada e cada morador da cidade. Sobretudo em relação aos riscos de acidentes, primeiros socorros e medidas de controle individual e ambiental.

Isso porque estamos lidando com um animal cuja origem remonta 400 milhões de anos, e sua notória capacidade evolutiva permitiu que ele resistisse a todos os grandes cataclismos que acometeram sobre o planeta terra, fazendo-o sobreviver por milênios. Razão pela qual uma centena de crendices populares foi sendo construída ao seu respeito e que convém desmistificar.

Uma delas, a de que o escorpião ataca. Errado. O escorpião apenas se defende. Ferroa apenas quando é molestado, para se defender. Ou seja, quando alguém coloca a mão ou encosta nele intencionalmente ou sem perceber. Outra dúvida é se os escorpiões formam ninho. Errado. Existem locais, principalmente em áreas urbanas que favorecem o seu aparecimento em maior quantidade. Por outro lado, eles se deslocam o tempo inteiro sem, contudo, retornar ao mesmo local.

Também é verdade que se você encontrar um escorpião na sua casa significa que você provavelmente encontrará outro. Não é obrigatório, pois nem sempre eles vivem 
em grupos. São animais solitários, porém, em áreas urbanas concentram-se em locais de fácil acesso à comida e ao abrigo.

Todas as espécies de escorpiões possuem veneno e podem injetá-lo para capturar suas presas, através do ferrão localizado na extremidade do telson. Como já dissemos anteriormente, o escorpião não ataca intencionalmente e o acidente geralmente ocorre no momento em que o indivíduo encosta a mão, o pé ou outra parte do corpo no animal.

O aumento do número de escorpiões pode ser atribuído a vários fatores, sendo o ambiente natural modificado pelo desmatamento, a quebra da cadeia alimentar e a destruição de seus locais de abrigo, os principais deles. Com a escassez de alimento, esses animais passam a procurar alimento e abrigo em residências, terrenos baldios e áreas de construção.

Locais onde há acúmulo de matéria orgânica, entulhos, lixos, depósitos e armazéns atraem BARATAS (Periplaneta americana), e outras espécies pela disponibilidade de alimento e umidade. Os escorpiões têm por alimento principal as baratas, e se deslocam aos lugares onde há abundância deste alimento. Por isso os escorpiões ocorrem com tanta freqüência dentro das residências.

Portanto, muito cuidado, pois os locais onde há proliferação intensa de escorpiões possuem um histórico de presença abundante de baratas. E a situação se agrava com a chegada do VERÃO, estação do ano com dias mais quentes e chuvosos, período que cresce o risco de acidentes por animais peçonhentos. Com as CHUVAS, os animais peçonhentos são obrigados a sair de seus esconderijos e procurar um novo abrigo, tanto nas áreas urbanas, quanto rurais. Lugares pouco iluminados como galerias de esgoto e pilhas de materiais de construção são locais de maior incidência.

Entre os grupos mais expostos a serem vitimas de escorpiões estão as pessoas que atuam na construção civil, assim como as crianças e donas de casa que permanecem o maior período no intra e peri-domicilio. Os escorpiões procuram alimento durante a NOITE (mesmo hábito das baratas), podendo entrar nas residências através da tubulação para a fiação e encanamento de ESGOTO, além de frestas de paredes, portas e janelas. Podem se esconder durante o dia dentro de CALÇADOS, armários, gavetas, panos e toalhas, em áreas de serviço e banheiros.

A melhor forma de evitar acidentes é adotar medidas de PREVENÇÃO. Por isso, as Secretarias Municipais e Ministério da Saúde recomendam manter a casa e a área ao redor limpas, uma vez que o lixo e ENTULHOS podem servir de abrigo para muitos destes animais. 


Outra medida é vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos, forros e rodapé, além de utilizar telas e vedantes em portas, janelas e ralos. Moradores de área rural e trabalhadores da agricultura não podem deixar de usar LUVAS e botas ao entrar em matas ou plantações.

Os animais peçonhentos injetam veneno pelo ferrão, dente, aguilhão ou cerda urticante. Dependendo da espécie do animal, os acidentes podem até levar à morte, caso a pessoa não seja socorrida rapidamente e tratada adequadamente, quando necessário, com soro específico que se encontra disponível nos Posto de Saúde da rede do Sistema Único de Saúde (SUS). A identificação do animal responsável pelo acidente facilita o diagnóstico e o tratamento, porém deve ser recolhido com muito cuidado com pinça anatômica e proteção de luvas de raspa de couro.

Sobre a ação do VENENO, sabe-se que, ao estimular terminações nervosas sensitivas, motoras e do sistema nervoso autônomo, pode provocar efeitos na região da picada ou longe dela. A DOR é intensa, porém os sinais inflamatórios são pouco evidentes, sendo incomum a visualização da marca do ferrão. Quando a evolução é benigna, na maioria dos casos, ela tem duração de algumas horas e não requer soroterapia.

Por outro lado, é o desbalanço entre o sistema nervoso simpático e parassimpático o responsável pelas formas graves do escorpionismo que se manifestam inicialmente com sudorese profusa, agitação psicomotora, hipertensão e taquicardia. Podem se seguir alternadamente com manifestações de excitação vagal e colinérgica, nos quais sonolência, náuseas e vômitos constituem sinais premonitórios de evolução para gravidade e conseqüente indicação de soroterapia. Os óbitos, quando ocorrem, tem rápida evolução e estão associados a hipotensão ou choque, disfunção e lesão cardíaca, bem como edema pulmonar agudo.

Mas, para que isso não ocorra, vamos prevenir e ficar longe do hospital. Vamos manter as fossas sépticas bem vedadas; evitar queimadas em terrenos baldios; preservar sapos, corujas, seriemas, quatis e lagartos que são nossos aliados no combate ao escorpião. E, por fim, vamos limpar a caixa de gordura e os ralos dos esgotos para dar um fim nas baratas, também limpando o quintal ou jardim com frequência não haverá acumulo de entulho e lixo. A ordem é não tirá-los de seus esconderijos, mas tirar os esconderijos deles.

Dentro de uma CASA limpa e PERFUMADA, dificilmente este intruso visitante se sentirá convidado a entrar. Por isso, água sanitária dos RALOS dos banheiros; desinfetantes CÍTRICOS podem ser espalhados pela casa; ALFAZEMA pode ser plantada em vasos e distribuídas pela casa ou quintal. E tratar bem o seu animal de estimação, pois GATOS costumam matar escorpiões (e alguns cachorros também fazem isso), mas só alguns animais possuem instintivamente essa aptidão natural para caçá-lo e matá-lo. 


O autor é médico veterinário coordenador do Núcleo de Vigilância em Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de Brasilândia-MS. Artigo elaborado com informações de obtidas em sítios da Internet e Núcleo de Controle de Endemias local e Ministério da Saúde.

sábado, 7 de julho de 2018

Há cinco anos: He-í foi ao encontro de Hegue-í.

O adeus Ofaié: 
He-í foi ao encontro de Hegue-í
Carlos Alberto dos Santos Dutra




Ele era um legítimo filho da terra. Mais filho do que ninguém. Seu irmão, Alfredo, com 8 anos de idade, foi conduzido de mãos dadas por Curt Nimuendajú pelas margens do rio Paraná e ele, He-í, pelas mãos de seus pais Gaspar e Josefa, também vira de perto as andanças de seu povo Ofaié.

Nascera em 15 de agosto de 1933 na aldeia Boa Esperança, nas margens do ribeirão do mesmo nome, quando ainda nem havia Brasilândia e aquelas terras todas eram de domínio do seu povo. Foi numa de suas caçadas e coleta de mel silvestre, fugindo das dadas dos bugreiros e do mando de Percival Farquhar  (1864-1953) e a poderosa Brazil Land Catle and Packing Companhy, que aquele menino meigo trouxe um ramalhete de flores e entregou a  Hegue-í, batizada de Francisca, e que há muito lhe encantara o coração.

Com ela se casou e viveram uma vida inteira juntos, só se apartando com a morte dela, ocorrida em 2005. Passado 8 anos, a poucos dias de completar 80 anos de idade, no dia 10 de julho de 2013, eis que João Pereira, também segue os passos de sua amada, partindo para os braços da companheira. E lá vai He-í ao encontro de Hegue-íArikã! amigo Pereirinha. 

E lá o encontramos entre arcos de roxinho e lanças de varas de alecrim, sempre sorrindo, construindo flechas e disposto a ajudar àqueles que quisessem aprender a língua Ofaié. Dono de uma paciência inabalável jamais levantou a voz;  era suave como a brisa. Como diria meu amigo Hilário Paulus, ele tinha o dom divino da mansidão. E lá estava ele ensinando, ensinando e ensinando, palavra por palavra em Ofaié à estudantes e pesquisadores, desde crianças até os adultos, e todos aprenderam a admirá-lo.

No curso de sua vida, viu a aldeia por diversas vezes desaparecer. Mas, eis, que de súbito, ela soerguia das cinzas, pela força de seus líderes e parceiros que foram surgindo com o tempo. Ao lado de Xehitâ-ha esteve em Brasília-DF reivindicando o direito de retornar às suas terras tradicionais, dando início ao processo de resultou na declaração do território Ofaié Xavante como de posse permanente indígena.

Ao longo dos anos, isso deu-lhe um sentido para o aga-chanagui de sua existência, vivendo feliz até os dias que antecederam a sua morte. Agora ele parte como viveu: em silêncio. E descansará o corpo não em terra estranha, mas na terra de seus antepassados. Terra que ajudou a conquistar e por isso deverá ser lembrado como um herói do povo Ofaié.

Para o sentimento dos mais jovens, partiu um dos pilares da cultura Ofaié. Sobretudo da língua, quão escasso são os falantes do idioma materno deste povo de meia duzia apenas de falantes. Hão de chorar, com certeza, todos aqueles que o conheceram e aprenderam a amá-lo. Hoje sabemos que ele não viveu somente em silêncio, suportou também em silêncio as dores da perseguição e da exclusão dentro e fora da aldeia.

Suas palavras, gravadas ainda em fita k-7, lá na Bodoquena, em 1986, quando o conheci, na noite - longa - de seu velório de dor, devo ainda de ouvi-las atentamente, no silêncio da solidão que tu deixas. No passamento de seu espírito para outra vida, sob o encanto de Agachô, sinto que nesta hora suas palavras, mais do que nunca, devem ser ouvidas, porque elas ainda têm muita coisa a dizer. Para nós, teus filhos e netos da luta e da esperança, haveremos de seguir andando, seguindo teus passos... Arikã! querido avô João Pereira.




















Ataíde Francisco Xehitâ-ha Ofaié e João Pereirinha He-í Ofaié na rodoviária de Brasília-DF por ocasião da entrega de documento à Funai (Foto: Carlos Dutra, 1987)


terça-feira, 3 de julho de 2018


Antônio Brand: Ele está em Nhanderu.
Carlos Alberto dos Santos Dutra

A nação Guarani desde o tempo pré-colombiano vaga em busca de Yvy Marã E'y.
Noutra dimensão, outros chegaram mais cedo nesta terra sem males sonhada e que foi conquistada com suor e sangue pelos patrícios Lázaro, do Pirakuá; o xamã Paulito, do Panambi; Marta Guarani, do Kaguateca; Marçal Tupã-I, do Campestre; Marcos Verón, da Takuara; Nisio Gomes, de Guaiviry, e tantos outros.

 
Neste dia, a comunidade celeste volta a estar em festa com a chegada de mais um ilustre convidado.
Ainda mais que novo morador é um antigo companheiro de caminhada e de luta.

A chegada de Antônio Jacob Brand por aquelas verdes campinas, de todo ainda não é entendida e tão-pouco esperada, pois muitos  patrícios ainda se valiam da força deste professor e parceiro de luta para redobrarem sua atenção na conquista de seus antigos territórios e direitos negados neste lugar distante chamado Mato Grosso do Sul.

 
De igual sorte, aqui, nosotros, desde a pampa e o cerrado à dentro, pelas matas e pantanais afora, sua partida tão cedo nos enche de perplexidade e dor. Não tem como não chorar a perda –para nós que aqui ficamos--, desse, que se fez sempre igual, amigo e companheiro, cheio de ardor missionário, que nunca desanimou ou deixou de acreditar na capacidade do indígena de superar os desafios impostos a cada momento, e sempre colocado sobre seus ombros.
 
Conheci Antônio em 1985 e devo a ele minha militância indigenista.
Mais do que me estender a mão, trazendo-me lá do Rio Grande para o Centro-Oeste, coube a ele apresentar-me aos Ofaié e a partir daí deles nunca mais me separei, acompanhando-os no curso da história, pelos caminhos da vida e da morte.

Assim também foi com o amigo Antônio: celebrou um pacto de vida com os povos indígenas, especialmente com o povo Guarani, depois de mais de vinte anos de CIMI, secretário zeloso e construtor de pontes do saber, permitindo emergir os que viviam na margem, deu visibilidade a uma luta de povos esquecidos pela história e negados pela política dos homens.

 
Ah, Antônio Brand, quanta falta você nos faz.
Mesmo agora, quando, nos últimos anos, contribuías para a academia, na UCDB, ainda assim semeavas luzes aos professores da vida, aos dirigentes das nações, aos administradores das coisas e das políticas, abrindo clareiras em meio ao agronegócio em defesa do direito a vida do homem de rosto e coração indígenas desta terra Guarani e Ofaié, Kadiwéu e Terena, Guató e Kinikinau.

Imprescindível.
O indigenismo no Brasil, desde 2 de julho de 2012, está de luto.

 
Não tem como não deitar lágrimas pela perda deste doutor historiador de envergadura impar que construiu sua história juntando os pedaços da história dos outros, dos esquecidos, sempre pelas bordas das aldeias enfumaçadas, trazendo-as,como sujeito, para o centro do debate.

Mais um pouco e lá o encontramos pela poeira das estradas, no fundão das fazendas Dourados adentro, lugar onde o indígena encontrava guarida da pólvora, na fuga do latifúndio e pretório de todas as ordens que lhes são adversas.

 
A nação Guarani celeste que soçobrou desses embates há de saudar Antônio Brand com as honras que merece, pois ele trilhou o caminho do bem na busca da Justiça e travou o bom combate. Assim, também, o atleta não recebe o prêmio, a não ser que tenha lutado segundo as regras, é ao agricultor que trabalha duramente, que cabem em primeiro lugar, os frutos da colheita (2Tm 2,5-6). 

Irmãos Guarani, acolham bem o nosso irmão Antônio, e que neste guaxiré eterno não falte a chicha da redenção para que ele recupere o fôlego da caminhada (para outras campereadas) nos braços de Nhanderu.