Marcos
Vicente Joaquim: uma trajetória de alegria, perseverança e fé
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Hoje ele estaria completando 58
anos de idade. Entretanto, há 15 anos, ainda jovem, ele partia. Ontem foi a dor.
Hoje, a saudade. Amanhã, a esperança comum a todos nós.
Fim dos anos 1969 e início de
1970 e a família do senhor Vicente
Joaquim e dona Luzia Cândida Joaquim
chegavam a Brasilândia/MS para juntos construir uma nova etapa em suas vidas.
Entre os cinco filhos que Deus brindara ao casal: Odenir, Sonia Maria, Neusa e Almir Antônio, lá se
encontrava o caçula Marcos Vicente
Joaquim que havia nascido no dia 27 de setembro de 1964 na cidade de Lagoa
Azul/SP, chegando à Cidade Esperança com seis anos de idade.
Ele é o personagem de uma
história contada cheia de ternura por Kênia
Cristina de Azevedo Joaquim, a esposa que ele conheceu ainda moço e com ela
se casou quando despontou a maturidade. História de alegria, realizações,
dedicação e fé, protagonizada por um brasilandense de coração de ouro e que
muitos pouco conheceram em sua rápida passagem entre nós. É a homenagem póstuma
que prestamos para os anais da história desta cidade que o acolheu e contemplou
seu despertar para o mundo e para fé.
Pois este jovem teve uma
infância semelhante à de tantos outros que também aqui chegaram vindos de
outras regiões. Estudou no antigo Grupo
Escolar Arthur Höffig e depois de concluir o primário, prosseguiu seus estudos
no chamado Ginásio, a Escola Estadual
Adilson Alves da Silva.
A sua irmã Neusa Vicente Joaquim recorda que quando ele concluiu a 8ª série do ensino secundário foi fazer o curso
técnico de Contabilidade na cidade de Valparaíso/SP. Depois de formado voltou a
Brasilândia empregando-se na Destilaria Debrasa na área de contabilidade. Anos
mais tarde trabalhou no escritório de contabilidade do sr. Celso Messias da
Silva, sendo posteriormente convidado para trabalhar no escritório que este
senhor mantinha em Três Lagoas, também na área de contabilidade, lá
permanecendo até 1992.
Dinâmico e de vigor intelectual
admirável, foi um dos primeiros jovens a manifestar-se publicamente através do
Jornal de Brasilândia expondo suas ideias e ideais, entre elas, no ano de 1988,
a bela e engajada poesia em homenagem aos indígenas Ofaié, que naquela época
travavam luta ferrenha pelo reconhecimento como povo tradicional desta região.
Participou do grupo de jovens
JUCEC – Juventude Unida com Esperança em
Cristo -, na Paróquia Cristo Bom Pastor, da Igreja Católica, grupo criado
em 1983 logo após a chegada do pároco padre Lauri
Vital Bósio à Brasilândia/MS, chegando a ocupar a presidência da entidade.
Na cidade de Três Lagoas/MS,
onde passou a residir, conheceu alguns
jovens da Igreja Peniel e o trabalho por ela realizado, vindo a se interessar
em trabalhar na obra de Deus. Sob o ímpeto da juventude e como que
atendendo um chamado divino, ao ser convidado para ir para a Bahia deixou sua carreira profissional e partiu
rumo à cidade de Dias D’Ávila/BA, onde iniciou sua caminhada fé, inicialmente
como obreiro, auxiliando o pastor da Igreja daquela cidade. Depois de
alguns anos foi para Belo Horizonte onde ingressou no Seminário da Igreja Peniel.
Foi nesta cidade de Dias
D’Ávila/BA que Marcos iniciou sua
preparação para o ministério pastoral na Igreja Peniel e o ministério Desafio
Jovem Peniel, dedicando-se ao trabalho junto à Casa Terapêutica mantida pela
Igreja para recuperação de dependentes químicos. Passado algum tempo seria
enviado para o Seminário Teológico na base do Ministério, em Belo Horizonte/MG.
A esposa Kênia Cristina lembra que em
fevereiro de 1995 Marcos chegou à Belo Horizonte para cursar teologia na ESMI -
Escola Superior de Missões -, que fica na sede da Igreja Peniel, onde dedicou-se
durante seis anos à sua formação. Em 1996, com autorização de sua liderança
convidou jovens da Escola Bíblica onde ministrava aulas para participarem de um
grupo de teatro que faria apresentações na Igreja. Uma média de 40 jovens se
apresentaram; tudo para sua surpresa, porque não esperava um número tão
expressivo assim.
Sua paixão e dedicação ao
teatro revelavam a sua alegria de viver. Sempre com muita disciplina e palavras
de encorajamento, viu a vida de aqueles jovens aos poucos ir se transformando.
Marcos era um líder, um pastor pela
essência que o próprio Deus colocou nele, e sempre muito amado de todos. Os pais dos alunos, muitas vezes batiam na porta da sala conde aconteciam as reuniões todos
os domingos à tarde para pedir ajuda na orientação dos filhos ou para agradecer
a mudança que viam acontecer no comportamento deles em casa.
Trabalho que se prolongou até
2001 e se tornou referência para os jovens da Igreja Peniel, transformou
aqueles alunos em líderes em Igrejas,
construíram família lindas, são homes bem-sucedido, tudo por um legado deixado
pelo grande líder Marcos Vicente.
No ano de 1998 formou-se e
passou a relacionar-se com Kênia Cristina
que já a conhecia dos grupos de teatro que liderava e que mais tarde se tornou
sua esposa. Em agosto daquele ano se apresentou à família da jovem Kênia expressando desejo de casamento. Após a sua formatura ocorrida em dezembro e
ter frequentado um curso transcultural, em agosto de 1999 tornou-se noivo de Kênia
Cristina, para a alegria do pai, Vicente quando soube que o filho
formaria uma família.
No ano de 2000 após ter se
aperfeiçoado num curso de imersão na língua inglesa em Belo Horizonte numa
agência missionária de respeito mundial e assumido a coordenação do grupo de
teatro Desafio Jovem Peniel na capital do Estado, traduziu livro do inglês para
o português, fez várias viagens missionárias pelo centro-oeste e nordeste do
Brasil acompanhando missões estrangeiras como intérprete, sempre contando com o
apoio de sua noiva.
Casou no dia 15 de setembro de
2001 na presença de muitos amigos e familiares, sob uma chuva torrencial que
abençoou o casal que de forma simples. Por não disporem de salário eles viviam verdadeiro milagre de Deus. Entre os
presentes recebidos, montam com carinho a mobília do apartamento financiado
pela fé, fruto de uma pequena reserva dos
tempos de contabilidade e muito amor envolvendo tudo isso, relembra a
esposa.
Após o casamento encontramos o
casal trabalhando juntos no campo missionário, na cidade de Dias D’Ávila/BA
onde permaneceram até fevereiro de 2002 quando Marcos recebe oficialmente a
notícia de que sua consagração pastoral e seu credenciamento ao ministério da
Igreja Peniel havia sido marcada.
Seria uma grande festa,
lamenta a esposa, mas foi um misto de
tristeza e alegria, pois no meio das comemorações Marcos perde o seu pai o
amado sr. Vicente. Um pouco desorientado, sem saber o que fazer direito, decide
com o apoio de colegas de ministério, seguir até Brasilândia/MS, realiza o
sepultamento de seu pai e retorna em seguida para a sua consagração. Deu tudo
certo, mas foi muito marcante.
Neste mesmo ano o casal vive a
expectativa de integrar um projeto missionário internacional que ocorreria na
Rússia, pois entre os candidatos, o que mais se adequavam era Marcos e Kênia.
Entretanto, durante o congresso missionário da Igreja tomam conhecimento de
que, por problemas de logística, o Projeto Rússia se tornou inviável, e foi
arquivado.
Em 2003 o casal seguiu para Rio
Branco/AC onde iniciaram novo desafio numa terra estranha, num trabalho no
campo missionário, terra que lhes deu de presente Rafael Azevedo Joaquim,
verdadeiro bebê missionário nascido
em 14 de maio de 2004 em terras acreanas, para a alegria dos pais.
Mas a vida tem seu curso e na
maioria das vezes não dá muitas explicações. A partir de 2005, Marcos começou a
apresentar um cansaço queixando-se de dores. Nunca gostou de consultas médicas, lembra a esposa, mesmo assim, ganhou algumas sessões de
fisioterapia e foi fazer para aliviar as dores no corpo. Apresentava sinais de baixa imunidade, tinha
uma rouquidão frequente e sempre associava ao ritmo frenético e estresse.
Depois de passar por exames de
laringoscopia, pneumologista e uma tomografia do tórax, no ano de 2006, para a
tristeza de todos foi diagnosticado com câncer na parte externa do pulmão, com
metástase em estágio avançado.
Foi muito difícil, explica a
esposa, mas apesar do diagnostico, a fé e
a esperança em Deus o impulsionou e o sustentou. Foi indicado tratamento de
quimioterapia e radioterapia. Muitas orações,
muita fé, muito apoio e cuidado dos amigos que conquistou ao longo do tempo até
ali, gente de longe e de perto, a família apoiando. Mas infelizmente o
tratamento não apresentou resultados.
Em 26 de fevereiro de 2007 no
ambulatório de quimioterapia do hospital Felício Roxo, em Belo Horizonte, Marcos Vicente Joaquim veio a óbito
segurando a mão de sua esposa, três meses antes de seu filho completar três
anos de idade. Foi como se uma brisa suave tocasse o rosto daqueles jovens e
amigos ao vê-lo despedir-se assim, tão repentinamente. Devolver a esperança de
dias melhores para pacientes que se submetem a tratamento fora do domicílio,
que se encontram na Casa de Passagem que recebeu o nome de Pastor Marcos Vicente Joaquim, no bairro Universitário, em Rio Branco/AC,
é a imagem e mensagem que permanece.
O lugar é simples e aconchegante. As mesas de refeição são grandes e
ficam no saguão. Do lado de fora se sente o cheirinho bom vindo da cozinha. De
frente umas para as outras, as pessoas se olham, conversam, compartilham
experiências. Lá todo mundo é um pouco responsável pelo filho do outro quando
alguém vai ao hospital. Algumas crianças brincam pelo pátio, outras passam de
um colo para outro. Observados de longe, todos parecem uma família (...).
Marcos
Vicente Joaquim, com certeza, permanece por ali e em muitos outros jardins que
plantou e fez florescer por onde passou.
Brasilândia-MS, 27 de setembro
de 2022.
Fonte: Depoimento fornecido pela irmã de Marcos, Srª Neusa
Vicente Joaquim e pela esposa de Marcos, Srª Kênia Cristina Azevedo Joaquim em
04.Jul.2020. A
poesia de Marcos Vicente Joaquim se encontra publicada no Capítulo I, Volume II
– Patrimônio, da coleção História e Memória de Brasilândia, página 73. A Igreja
Peniel foi fundada em 6 de fevereiro de 1972 com sede em Belo Horizonte e
originou-se com a característica de assistir espiritualmente e permanentemente
os internos do Desafio Jovem Peniel, bem como os seus familiares após o término
do programa de recuperação. O senhor Vicente
Joaquim, pai de Marcos, faleceu em Brasilândia no dia 22 de fevereiro de 2002. Pacientes
do TFD são acolhidos por Casa de Passagem no Universitário, In. Notícias do
Acre, Rio Branco/AC, 18.Nov.2014. Cf. também Dutra, CAS História e Memória de Brasilândia, volume III - Cidadania, pág. 432-434.
https://www.dropbox.com/s/9mm6dkp6sbp0c2c/Hist%C3%B3ria%20e%20Mem%C3%B3ria%20de%20Brasil%C3%A2ndia-MS%20V2-Patrim%C3%B4nio.pdf?dl=0;
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