quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 

Os planos de Deus para dona Maria Angélica.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Estava tudo sendo preparado para registrar no papel aquela história de vida. Quando fui chamado para ministrar uma bênção de saúde sobre a fronte daquela senhora eu não sabia os planos do Senhor. E lá estava eu maravilhado com o vigor daquela anciã sentada sobre a cama a me contemplar com o rosto inclinado...

O cabelo branco levemente em desalinho pendia sobre os olhos, enquanto observava o aparelho oxímetro preso ao dedo indicador que lhe media o grau de saturação de seu diabete.

Ergue o olhar e, ao ver o visitante, esboça um sorriso comedido, com ar de quem reconhece um antigo conhecido. Só neste momento percebemos a força daquele olhar que saúda o recém-chegado com a força e o brilho da atenção que fora educada.

Ao ouvir a pergunta se sabia quem estava ali, ela responde com voz grave: --Esse aí, o Carlito, eu conheço desde o tempo da barranca. Depois de receber um abraço afetuoso e um beijo na sua face, aquela senhora, de 85 anos de idade, sorri e transforma-se em segundos na menina de outrora, que um dia chegou das Minas Gerais com três filhos do colo e se aquerenciou por estes sertões do Mato Grosso.

A neta Adriana que se encontra ao lado nos diz que há tempo não via sua avó tão alegre e disposta. Na maior parte das vezes, queixava-se por ter de ficar por muito tempo deitada, o que incomodava sua natureza pois sempre fora uma mulher da lida.

Outras vezes, se via deprimida, sobretudo quando tinha de submeter-se ao balão de oxigênio cujo cilindro permanecia calado ao seu lado, porém vigilante e sempre pronto para lhe prestar socorro quando, durante o sono, o ar lhe faltasse.

Mas aquela tarde, tudo lhe parecia mais leve. Enquanto retira o aparelhinho do dedo que revela uma saturação normal de oxigênio, volta os olhos para o visitante, como que buscando sintonizar seus pensamentos e palavras com os propósitos que levaram aquele ministro de Deus até sua casa: orar pela sua saúde e ministrar-lhe a sagrada Comunhão.

Depois da oração, que repetiu em voz alta cada uma das palavras da prece, demonstrando ser uma mulher de fé e conhecedora da catequese, ela tomou a sagrada Comunhão e permaneceu em silêncio, como se estivesse conversando com o Pai celeste em segredo. Depois ergueu os olhos para mim e num sorriso, agradeceu por eu ter estado ali com ela. Enquanto falava, por algum momento, achei que não era para mim que suas palavras se dirigiam...

Maravilhado com as histórias que ela começou a me contar... achei que poderia escrever a história de vida de mais uma das fundadoras de Brasilândia, e homenageá-la em vida para regozijo e alegria da dezena de filhos que gerou ao lado do esposo Francisco Antunes da Silva, e a extensa família que acompanhava confiante a sua recuperação. 

Os planos de Deus, entretanto, eram outros. Ele tinha pressa em tê-la consigo na glória celeste...

E assim, logo após ter feito a sua prece e entrado em comunhão com o Cristo, tudo lhe parecia sereno e consumado. Chegou a noite, e pela manhã, lá encontramos a nossa guerreira trilhando aquela estrada solitária e florida que a todos espera em direção ao Céu. 

Missão cumprida vovó Maria Angélica de Jesus. Longa caminhada fizeste sobre a terra, desafiaste distâncias e a força do vento, para chegar até aqui. Partes agora, mas permaneces para sempre em nossos corações, como uma vitoriosa senhora, orgulho para todos que a conheceram.

Também para este diácono, que nos seus últimos momentos esta senhora ainda lhe ofertou um presente: teve a graça de poder colher de seu rosto o mais belo sorriso, inspiração de confiança de quem fez por merecer a longa vida que viveu e fez viver. 

Deixou, sim, lembranças. E é por elas que nossas lágrimas agora rolam. Mas também, porque ao longo do caminho deixaste calorosas e belas recordações as quais somos eternamente gratos. Descanse em Paz corajosa vovó Maria Angélica de Jesus.


Brasilândia/MS, 08 de setembro de 2022.

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