quarta-feira, 31 de março de 2021

 

O Diaconado Permanente Católico

Diác. Carlos Alberto dos Santos Dutra

 












Ser diácono permanente na Igreja Católica, no contexto da ministerialidade define-se como sacramento de Cristo Servo e como expressão da Igreja servidora (Doc. 96 – CNBB).

 O texto que segue é de autoria do Diácono Celso Luís Sais, da Paróquia Geraldo Magella, de Santo André-SP, e foi publicado no folheto ABC Litúrgico.

Ser diácono permanente é, antes de tudo, um dom de Deus à sua Igreja, onde o cristão é marcado pelo caráter do serviço e gratuidade de forma livre e voluntária.

Seu ministério surge na Bíblia em Atos dos Apóstolos, nos quais discutiam: não está certo que nos descuidemos da Palavra de Deus para servir às mesas.

Servir às mesas. Parece estar aqui o acento que a Igreja sempre buscou dar ao diácono permanente. O crescimento das comunidades gerava tensões e conflitos internos. E a caridade era uma exigência.

O diácono Celso Luís Sais nos lembra de que muitos pobres nos primeiros anos do cristianismo não estavam sendo bem atendidos. Então os Doze convocaram uma assembleia e apresentaram uma solução concreta: descentralizar os serviços, escolhendo novos ministros.

Segundo a história, a comunidade aderiu à ideia, realizando uma eleição, na qual os Doze confirmaram os eleitos mediante a imposição das mãos. Surge assim uma nova organização na comunidade, o grupo dos Sete Diáconos (cf. At 21,8).

Estava instituído o ministério diaconal, que passou a ser exercido, segundo as Diretrizes para o Diaconato Permanente da Igreja no Brasil e pelos Diretórios diocesanos para o Diaconado.

Firmou-se, assim, a missão do diácono: 1) o serviço da Liturgia exercido pelo diácono na celebração dos sacramentos, Batismo e Matrimônio, na presidência das celebrações da Palavra e nas orações, nutrindo-se constantemente da Eucaristia; 2) o serviço da Palavra, pelo qual o diácono se torna discípulo, ouvinte, servidor e mensageiro da Palavra, da Bíblia Sagrada; 3) e o serviço da Caridade, pelo qual o diácono assume a opção preferencial e evangélica pelos pobres, marginalizados e excluídos da sociedade, sendo este âmbito o maior deles!

Sim, o diácono permanente é o único que tem a graça de viver a dupla sacramentalidade, ou seja, da Ordem e do Matrimônio. Onde ambos se completam, e um não elimina o outro. A vida matrimonial é, portanto, vivida em sua plenitude.

Por esta a razão a esposa e os filhos precisam autorizar, por escrito, sua ordenação. Sendo o diácono permanente simultaneamente pai e esposo, deve exercer uma profissão civil que sustente e dê segurança a sua família e, assim como se consagra à Igreja pelo sacramento da Ordem, sua vocação abrange vários aspectos com três grandes dimensões: familiar, profissional e eclesial. Estas três dimensões devem contribuir positivamente para a realização da vocação diaconal.

Desta forma, no que se refere à vocação, à formação, à vida e ao ministério do diácono permanente, os diáconos são ordenados para o serviço da Palavra, da caridade e da liturgia, também para acompanhar a formação de novas comunidades eclesiais (…).

Pelo testemunho de vida doada à missão, incorporados a Jesus Cristo, servo e servidor, por meio do sacramento da ordem, devem revelar a dimensão especial da diaconia do ministério ordenado, ajudando a construir um mundo mais de acordo com o projeto de Deus.


Publicado originalmente em 31 de março de 2021, 19º aniversário de ordenação do Diác. Carlos Alberto dos Santos Dutra (Carlito), Paróquia Cristo Bom Pastor, Diocese de Três Lagoas-MS.

quarta-feira, 24 de março de 2021

 

A mansidão e a paz de seu Antônio Alves.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Corria o ano de 1985 e o Bairro Thomaz de Almeida, chamado inicialmente de COHAB, reunia seus primeiros habitantes que inauguravam suas casas semiconstruídas entregues em tempos de eleição. E lá estavam os novos moradores disputando o espaço com o resto da mata e cerrado derrubados que ainda mostravam ao longo das ruas de terra, rastos de insetos e formigas que insistiam em não deixar seu antigo lar. Tempo de pioneiros e desbravadores.

E ele já se encontrava lá, sendo um dos primeiros moradores do novo bairro. Homem simples e de hábitos rurais, logo se acostumou com o ritmo do lugar e a proximidade com a área de campo e pasto que circundava o núcleo habitacional. Levar seus animais, cavalos e éguas que criava para pastar e tratar, era a ocupação que mais lhe agradava. Talvez por isso, recebera dos vizinhos e amigos o codinome Antônio das Éguas.

Apelido que a família preferia não conferir ao pai, seu Antônio Alves, e sim Antônio Corretor, que era mais simpático, uma vez que essa era também outra das habilidades profissionais que o tornou conhecido nas cidades por onde andou. 

Nascido em Araçatuba/SP, no dia 5 de outubro de 1927, descendia de uma antiga família estabelecida naquela cidade, formada por sete irmãos. Infância e juventude ele a viveu em Pereira Barreto/SP onde a família morou e lá ele foi criado, ajudando o pai na lavoura e lida no campo. Talvez por essa razão não tenha tido a oportunidade de avançar nos estudos.

Mal e mal sabia escrever. Porém, na matemática sempre teve facilidade aprendendo desde cedo a mexer com os números. Talvez por isso tenha abraçado a profissão de corretor, onde o conhecimento dos números e cálculos lhe eram necessários e importantes.

No dia 8 de março de 1954, o jovem Antônio, com 26 anos de idade casou-se com Rita Simplício Alves, na cidade de Guaraçaí/SP, seguindo na atividade de trabalhador rural e corretor. O casal teve oito filhos: Cecília, José (in memoriam), Francisco, Rubens, Marlene (in memoriam), Vera, Elias e Cássia.

Homem simples e de andar correto, com um leve sorriso no rosto, sempre dedicava atenção a todos que encontrava no caminho. Talvez por ter familiaridade com a mansidão dos equinos com os quais tinha o maior gosto em tratá-los e cavalgar, sabia ouvir quem encontrasse, sem pressa, como se um sábio fosse.

Havia chegado a Brasilândia no ano de 1975, depois de passar por Pereira Barreto/SP, estabelecendo-se, dois anos depois, na fazenda Jesuíta, pertencente à época ao patriarca Arthur Höffig. Mudou para a sede do município em 1981, fixando sua morada logo em seguida no bairro Thomaz de Almeida onde viveu praticamente o restante de sua vida, vendo ali os filhos crescer.

Na memória dos filhos, ainda se encontra muito presente as histórias que ele contava, sobretudo dos primeiros anos da cidade esperança. A energia elétrica tocada pelo motor a diesel; o fundador do município, Arthur Höffig; os primeiros prefeitos da cidade, e outros fatos que marcaram a vida dos pioneiros, como ele, que aqui chegaram.

Homem que transparecia ser portador de uma bondade singular, poucos colocavam reparo na sua conduta que manifestava não possuir mácula, norteando seus atos, ao lado da esposa dona Rita, conduzindo-os com retidão e honestidade as relações e a criação de seus rebentos.

Consolo para todos que o conheceram e puderam beber na fonte seus ensinamentos, ainda que singelos, mas de longo alcance e puro afeto. Lembranças alegres e a mais triste: o dia 31 de dezembro de 2020 que deixou marcas profundas no coração da família e amigos.

Na campa imaginária e florida, enquanto seu Antônio aprumava seus arreios e derradeiras tralhas para a caminhada em direção ao Céu, os filhos, num aceno recordam os sonhos não realizados pelo pai: o de não ter aprendido a dirigir um automóvel, e não ter adquirido um sitio para plantar.

A rua em frente da antiga casa no bairro Thomaz de Almeida, onde a família morava, hoje tem asfalto e transformou-se num lugar diferente, distante daquele que faz lembrar os passos serenos e comedidos de seu Antônio levando seus animais para pastar.

O vulto dele, agora, montado em seu cavalo, sob um o belo chapéu branco que empunhava, não é mais possível percebê-lo na rua. Só se vislumbra a aura de luz que este homem de fé foi capaz de deixar na estrada e no coração de seus rebentos: filhos bem criados, sem vícios, e aprendizes das maiores lições de amor e simplicidade que ele ensinou, dizendo que estas virtudes deveriam estar sempre acima de tudo.

Homem de índole irretocável e feições de paz, em 2006, com o falecimento da esposa, dona Rita, passou a residir na casa de uma filha em São José do Rio Preto. A filha Cássia recorda que ele, de vez em quando visitava a família em Brasilândia e sempre dizia que estava voltando... Tamanha saudade.

Numa dessas visitas, lembrou a filha, ele disse que se viesse a falecer lá [em São José do Rio Preto] exigia que o trouxessem pra ser sepultado na querida Brasilândia, junto à esposa. O que só foi possível atender parte de seu desejo, devido sua causa morte ter sido a Covid-19.

Oh que dor, seu Antônio, ver seus filhos em lágrimas contemplando seu corpo frágil enterrado à parte, aqui em Brasilândia, porém separado de sua amada, dona Rita Simplício Alves, descansando a lucidez e altivez de seus 93 anos de idade na terra nua, fria, cumprindo a exigência funerária, apartado de todos, sem poder, sequer a família poder velá-lo e despedir-se direito. Oh, que dor.

Descanse em paz, caminhe em paz, ensina-nos a paz, seu Antônio Alves.


Brasilândia/MS, 24 de março de 2021.

 







Fotos e Informações cedidas pela filha Cássia Cristina.

segunda-feira, 22 de março de 2021

 

Rita Nogueira de Souza, mãe em simpatia está no céu.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


 

Difícil falar de uma pessoa feliz num momento de tristeza. Isso porque a felicidade que contagia quem está ao redor e completa o sentimento de todos, nesta hora nos escapa, nos faltam as palavras. Mesmo com preocupação e com dor, quem tem a vocação para a felicidade, dificilmente esconde isso no olhar, nos gestos, no sorriso.

É isso que nos enche de coragem para que acerquemo-nos de alguém que viveu e fez viver à sua volta, sempre irradiando simpatia e vigor de uma mulher de coragem que causava orgulho a todos, em especial aos filhos.

Assim era dona Rita Nogueira de Souza. Quem a via andando pela rua, antes do isolamento social imposto por aquele vírus mortal, era possível perceber o quanto ela era feliz pois parecia estar sempre de bem com a vida.

Nas poucas vezes que cruzei por ela, a sensação que passava, mesmo aos estranhos, era a de que ali caminhava uma pessoa simples, porém, iluminada. Os seus passos seguiam, e quando nos dávamos conta, sentíamos vontade de acompanhá-la, mesmo que fosse de longe para contemplá-la.

E isso não podia ser diferente. Tamanha aura nutrida pelo círculo de amizade e confiança construído no seio de sua família só podia resultar nisso. Filhos, netos, bisnetos e um rol de parentes e amigo que todos os anos só tinham a agradecer a Deus pela saúde e alegria permanente daquela que era a joia mais preciosa da casa, aquela que tocava a orquestra de uma grande família. 

E lá estavam todos os filhos festejando cada ano o aniversário daquela que os fez nascer e crescer, tornando-os filhos e filhas admiráveis e realizados. Sempre alegres e brincalhões, herdaram da mãe essa vontade de viver e vencer, sempre com olhar franco, de frente para o rumo do sol.

Agradecer, portanto, era o que todos nestas horas de festas tinham a dizer e demonstrar. A cada encontro lá estavam todos saudando a trajetória vitoriosa desta matriarca que, com garra e humildade superou os caminhos difíceis que a vida lhe impôs e chegou lá.

Mas agora, em meio a um soluço de dor, cá estão os filhos, relembrando dona Rita, mamãe, vovó, professora da vida, percorrendo as estradas, vencendo uma a um os obstáculos, mulher de fibra e perseverança. Cada um deles com o coração tomado de amor, agradecendo pela sua vida e pelo tempo em que ela esteve ao lado de cada um.

Dona Rita, agora, sorri e conversa com os anjos disfarçados de amigos que Deus colocou na sua vida. Contempla cada um dos rostos e corpos ternos dos 9 rebentos que acariciou e embalou: Manoel, Joana, Rozalina, Jorge, Ermelinda, Jaciro, Jaira, Luciane, Jairo. E eles, em lágrimas de saudade, agradecem aquele abraço apertado de sua maior mestre que soube educar e apontar-lhes um futuro de esperança.

Dona Rita não era somente uma mãe zelosa e alegre. Também se sentia feliz ao ser rodeada de netos e bisnetos e gerações inteiras que a conheceram e foram tocadas por suas mãos que mais pareciam bênção que sobre eles repousava e os acalmava.

Dona Rita Nogueira de Souza, seu espírito e luz vão permanecer por aí no coração de muitos. Seus passos ainda podem ser percebidos pelos desvãos da casa onde morou por tantos anos e onde acolhia todos os filhos e suas famílias.

Nascida em 16 de março de 1941, teve de adiar a festa de seus próximos aniversários, que prometiam ser com a costumeira alegria. No dia de hoje, a mestre pediu licença a todos e foi se encontrar com Deus, atendendo um chamado que não podia recusar. Descanse em paz, amiga Rita Nogueira de Souza, mãe generosa em simpatia de todos nós.

 

Brasilândia/MS, 22 de março de 2021.

 





























Fotos: Facebook

sábado, 20 de março de 2021

 

A Covid-19, os números e o cuidado com a vida.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 







A história do corona vírus em Brasilândia começou ainda no ano passado (2020). O gráfico elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde demonstra bem a sua evolução. Começou tímido, sorrateiro, no mês de maio, apresentando 15 casos confirmados. Depois, ao longo dos meses junho, julho e agosto, os números só cresceram. Havíamos chegado ao pico.

Sim, setembro e outubro entraram em declínio, com apenas 6 casos confirmados, e começamos festejar a vitória, enquanto o mês de novembro nos reservava um pequeno acréscimo no gráfico, em que pese o acumulado até ali já chegasse a 120 casos.

Daí veio o feriado das festas de fim de ano quando, felizes, pelo declínio no numero de casos, afrouxamos a guarda e achamos que não precisávamos mais de máscara, o distanciamento social podia ser flexibilizado, e que a hidroxicloroquina e ivermectina defendida pelo presidente, iria salvar a todos.

E no mês de dezembro o número explodiu: 72 casos confirmados, o que fez, novamente, o município intensificar as medidas de biossegurança, estado de emergência e toque de recolher. Como resultado, observando o gráfico, o efeito já se sentiu no mês de janeiro e fevereiro: os números baixaram para 54 e 41 casos respectivamente. No mês de março, ainda em curso, entretanto, os casos voltaram a subir.

O outro gráfico buscou mostrar, sob o olhar da epidemiologia, o quadro sanitário mais detalhado e não menos preocupante da ação deletéria e mortal do corona vírus sobre a população brasilandense. Chegamos à casa dos 1.059 casos notificados.

Ou seja, foram mais de mil pessoas que tiveram sintomas da doença e passaram por algum atendimento médico, demandaram atenção de profissionais da Saúde, receberam medicamentos, e submeteram-se a exames. Enfim, fizeram movimentar a conta financeira, social e emocional da rede de atendimento montada especialmente para garantir a segurança sanitária dos usuários do SUS.

Descartadas da doença 643 pessoas, outros 380 pacientes tiveram o diagnóstico confirmado e sobre elas uma rede minuciosa de procedimentos passaram a ser desprendidos por médicos, enfermeiros, técnicos e monitores que, 24 horas por dia, passaram a acompanhar o dia a dia desses pacientes.

No curso de 11 meses, daqueles que foram confirmados com Covid-19, um total de 314 recuperaram-se, sendo apresentados como curados. Não obstante, tivemos ainda que contabilizar 8 casos de pacientes que não tiveram a mesma sorte, e que vieram a óbito.

Hoje, 19 de março de 2021, o Boletim Epidemiológico do Covid-19 aponta 58 pacientes positivos em tratamento, sendo que 36 ainda aguardam o resultado de exames (swab ou sorológico) realizados pela rede pública. Um número altamente preocupante e que exige cuidado permanente do sistema municipal de Saúde.

Sistema frágil e formado por pessoas humanas, muitas delas envolvidas emocionalmente por ter de lidar e tratar parentes e amigos que se encontram internados no hospital local, ou em busca de uma vaga na UTI mais próxima.

São enfermeiras e auxiliares, motoristas, técnicos e médicos a beira da exaustão; às vezes impotentes diante de tanta demanda - não somente da Covid-19, pois o hospital também atende outras especialidades médicas, muito delas de urgência -, sobretudo à noite.

O bip intermitente dos aparelhos ecoando pelos corredores; o preenchimento dos formulários; a indicação de monitores; os equipamentos de proteção de uso obrigatório, muitos dos quais dificultam a locomoção dos atendentes; a entrada pela frente dos casos de urgência e a entrada pela lateral do hospital para o atendimento do corona vírus, tudo se soma aos corações apertados de quem ali trabalha.

Cansado e com a vida exposta ao risco, uma vez que também tem família que o espera em casa, lá vai aquele profissional de saúde, às vezes sem janta, deixando o turno da noite no hospital, com os braços e a cabeça em frangalhos, entrando pelo lado da casa, trocando os calçados e a roupa, para logo tomar um banho e poder abraçar o filho e o esposo... E agradecer a Deus por mais um dia e o dever cumprido.

Um mundo cuja maioria não observa e não entende onde há tanta dedicação, esforço e empenho envolvidos. Bem que mereciam que todos se cuidassem um pouco mais. Pelo menos, não para salvar suas vidas ou de quem queiram bem, mas para não dar tantos motivos para seus corações chorarem.

 Brasilândia/MS, 20 de março de 2021.

quinta-feira, 18 de março de 2021

 

Evair José da Silva, o mestre Bahia nos deixou.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.




Difícil encontrar em Brasilândia, entre os mais antigos, quem não conheceu o senhor Evair José da Silva, o popular Bahia. Cidadão que foi servidor público municipal por muitos anos, ele passou por centenas de alunos que o viram com as mãos firmes na direção de um ônibus cruzando estradas pelo interior do município levando crianças, jovens e adultos para os bancos escolares da cidade e até à universidade.

Na condição de motorista de ônibus, impossível não recolher o testemunho postados nas redes sociais lembrando seus pequenos grandes gestos de carinho e respeito para com os estudantes quando os levava para a faculdade.

A Drª Cristiane Servilla, então estudante de Direito lembra com carinho nas redes sociais de seu Bahia. Sempre brincalhão, quando o ônibus quebrava na estrada ele gritava: calma gente, de sede vocês não morrem. Tem água aqui. E todos sorriam apostando sua segurança e o futuro naquele bom motorista que se tornou amigo de todos. 

Ou ainda a lembrança das expedições que conduziu à Aparecida do Norte nas palavras da ex-vereadora Mara Marcia que bem observou: quando ia chegando e avistava a basílica, seu Bahia tirava o boné da cabeça e saudava a padroeira do Brasil, e gritava: viva Nossa Senhora! Numa demonstração de respeito e simplicidade.

Há de se lembrar ainda que esse senhor nascido em Pompéia-SP e que chegou a Brasilândia quando ela ainda recém despertava para o desenvolvimento, foi também um grande incentivador do esporte em Brasilândia. Desde torneios de truco em que participou em tempo mais recente, até o futebol-arte dos tempos áureos do Brasilândia Atlético Clube-BAC, no passado.

E lá o encontramos fazendo dupla com o Nelson, ao lado do Bazuca e o Zé Brito, o Valdemar e o Maritaca, o Eliseu e velho Paulo, em duelos célebres nos torneio de truco contra a dupla Galeno Júnior e Júnior Passianoto, que eram imbatíveis nesta modalidade de esporte numa festa ocorrida no antigo DMER em homenagem ao aniversário do servidor Valdo.

Ah. Quanta saudade. Três anos depois lá estava o Bahia, ao lado de Paulão, Márcio e Nilton, enfrentando Agenor Fº, Lê Uchoa, Antônio Terrinha e Maurício numa confraternização que teve como palco a bar dos Terra Seca regada a carne assada pelo Ceará e o senhor Leônidas, sendo as despesas pagas pelos perdedores do torneio.

Em outro torneio, lá encontramos seu Bahia recebendo troféu no evento ocorrido no bar da dona Margarida, durante o 30º aniversário de Brasilândia quando conquistou o segundo lugar fazendo dupla com Tiriça (Márcio), perdendo apenas para a dupla Terrinha e Sabugo, ambos levando o prêmio, um carneiro, para casa. O Quintino estava lá e pode contar melhor essa história.

A dupla Bahia e Tiriça chegou a classificar-se em segundo lugar num campeonato de truco realizado em Três Lagoas, no salão de festas da Capela São José, no jardim Alvorada, quando, dos quatro prêmios oferecidos pelos organizadores, três foram conquistados pelos truqueiros de Brasilândia.

É, amigo Bahia, foi um tempo que não volta mais. Tempo de saudade quando você caminhava de mãos dadas com a mãe Maria Raymunda e o pai José Firmino, confiante, numa época que já vai longe. 

Lugar onde a amizade falava mais alto e a simplicidade corria livre pela Avenida São José. E tu, Evair José da Silva, fez parte desta história, participando com o teu jeito e estilo peculiar, na vida social e esportiva desta cidade que praticamente você viu nascer.

Mas o homem, talhado que era para a arte do bem viver e desfrutar os dons que recebeu não emergiu ao acaso. Assim como a aurora anuncia o amanhecer, o jovem Evair José da Silva, desde moço já prenunciava a envergadura de um dedicado desportista.

A lembrança nos faz voltar no tempo e cá estamos no ano de 1989, quando encontramos o Bahia adentrando o campo de futebol do estádio municipal Joaquim Cândido da Silva pelas fileiras do saudoso BAC - Brasilândia Atlético Clube, agremiação que o atleta, na época com 47 anos de idade, chegou a ser seu vice-presidente.

Um dos grandes defensores do esporte amador no município, ao lado de Samuel Ramos Lopes e José Cândido da Silva, por diversas vezes posicionou-se em reuniões com a Liga Três-lagoense de Desportos, em favor do ingresso do BAC na elite do futebol estadual. Foi no seu tempo que as cores branco e preto do BAC foram mudadas para o azul (o céu) e o branco (a paz).

Quando jovem era alegre e brincalhão, e integrava-se facilmente às equipes e rodas de amigos, participando tanto de jogos oficiais como aqueles que brindavam a vida e a alegria de viver. Como aquele primeiro de maio que reuniu os atletas Gordos que enfrentaram os atletas Magros, num tempo em que essas palavras expressavam apenas seu sentido jocoso e somente era motivo de muitos risos e aplausos. 

E lá encontramos o Bahia participando pelo time dos Magros dando guarida ao goleiro Milton Ferrari e companheiros. No final do jogo, ganhando ou perdendo, todos iam festejar no Bar da Pedra, tocado na época pelo Zé Brito.

Ah, amigo Bahia, tu que foste juiz de futebol e da vida simples que levaste, nesta hora em que se despede dos familiares e amigos, um rastro de felicidade, com certeza, deixaste no mundo do esporte e no coração de muita gente. 

Nascido em 3 de dezembro de 1941, o cidadão Evair José da Silva faleceu hoje, vítima de complicações da Covid-19 em Brasilândia, aos 79 anos de idade. 

Para as estatísticas oficiais ele é apenas mais um número que se acrescenta; para os familiares e amigos são lágrimas de uma perda por demais sentida. Descanse em paz mestre do volante, do truco e do futebol brasilandense.

Brasilândia-MS, 18 de março de 2021.








Fotos gentilmente cedidas ao autor pelo Prof. José Cândido da Silva.

sábado, 13 de março de 2021

Lídia Martins dos Santos, o girassol e a saudade 

Carlos Alberto dos Santos Dutra




De acordo com a sabedoria popular, a flor de girassol significa felicidade. Sua cor amarela ou os tons cor de laranja das pétalas podem simbolizar calor, lealdade, entusiasmo e vitalidade, refletindo a energia positiva que emana do sol. 

Melhor comparação não há para expressar a merecida homenagem póstuma que a professora Lídia Martins dos Santos faz por merecer nesta hora de dor para a família e os amigos.

As mensagens falam por si. Corações doendo pela partida desta professora querida. São lágrimas que brotam lá do fundo da memória desde os olhos dos mais jovens que a tiveram como sua primeira professora do pré-escolar até os que conviviam com ela nos dias atuais.

Mas os anos foram sempre de luz para aquela aluna-menina meiga que cresceu, estudou na Escola Estadual Adilson Alves da Silva, e tornou-se professora; especializou-se na arte do educar, sem ferir, sabendo sorrir, vendo a infância a sua volta florir.

Ah. E esse sentimento que nos pega de surpresa e  aperta o coração da família, de ex-alunos e colegas educadores, em especial, os do Centro Educacional Infantil Henrique Mendonça Quintino, onde a professora Lídia era diretora.

Ao lado do esposo, Cícero Pereira dos Santos, popular Ceará Santos, com quem ela se casou em 1986, construiu sua família rodeada de carinho, respeito e dedicação, mestra pedagoga que era no ambiente do lar e do trabalho onde, mesmo depois de aposentada permaneceu na ativa, irradiando luz, tal qual um girassol cujo brilho sempre lhe acompanhou.

De aparência singela e comedida, guardava dentro de si potencial capacidade de estar presente, ainda que com um simples olhar, na vida de seus alunos e da sua gente, revelando-se sempre conselheira, motivação inspiradora de fé e confiança àqueles que se encontravam a sua volta.

Mulher, esposa, mãe, educadora infantil, e amiga, sempre foi elogiada pelo trabalho que realizou, o que não lhe envaidecia, pois era sabedora de sua capacidade. Sempre recebeu com gratidão e humildade às bênçãos que Deus havia lhe reservado. 

Ao lado de sua família, o maior dos presentes foi aquele que lhe era entregue todos os dias, no início de cada turno na escola onde atuava: o coração e o amor dos aluninhos que os pais lhe confiavam.

Nascida em 24 de julho de 1964, a professora Lídia faleceu hoje, vitima da Covid-19, aos 56 anos de idade. A Educação chora; Brasilândia chora. Enquanto serena, descansa em paz inesquecível girassol.

Brasilândia/MS, 13 de março de 2021.

 

segunda-feira, 8 de março de 2021

 

O que a mulher não quer ouvir no dia 8 de março.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.

 


As onze coisas que as mulheres não aguentam mais ouvir falar no Brasil e seus por quês foi abordado por Thiago Guimarães, numa reportagem da BBC Brasil em Londres, no dia 18 de junho 2016, tema oportuno para refletir neste Dia Internacional da Mulher.

Não é de hoje que as mulheres cerram os punhos e empreendem bandeiras em face da violência cotidiana que as cercam. A memória coletiva da greve que as nova-iorquinas enfrentaram e o incêndio ocorrido em 1911 que deu origem ao dia a elas dedicado, ainda permanece. Assim como as diversas manifestações e reivindicações das mulheres operárias que se seguiram ao longo do anos.

Os ares de democracia, entretanto, mudaram e um novo olhar sobre a questão feminina foi tomando forma, sobretudo em relação às agressões verbais e físicas com foco nos casos de estupro e feminicídio que reacenderam o debate da violência contra mulher no Brasil e no mundo.

Enquanto o país ainda tenta entender por que registra 50 mil estupros por ano, há quem discute o impacto negativo do machismo e dos pequenos gestos cotidianos que alimentam essa cultura de violência contra a mulher e supremacia masculina.

Segundo a jornalista Brenda Fucuta, existem certos conceitos e expressões que legitimam uma suposta superioridade natural dos homens. Nesse sentido, ela defende a necessidade de todos (e todas) reaprenderem a olhar e se relacionar com as mulheres.

Baseada em suas conversas com mulheres inspiradoras e na própria experiência no mundo corporativo, ela selecionou e classificou frases, do assédio de rua ao machismo inconsciente, que mulheres não aceitam e não deveriam mais ouvir.

Cantadas de rua, assobios, buzinadas, olhares são o que diariamente as mulheres se veem obrigadas a enfrentar; desde comentários até o assédio sexual em espaços públicos. Por vezes interações de teor obsceno, sem consentimento, e que se impõem como naturais, mas estão longe disso. Como exemplo a autora cita: Por que uma menina bonita como você está sem namorado? Ou Eu levaria você para casa.

Para Brenda, a abordagem pode às vezes nem ser agressiva, mas nem por isso é menos desrespeitosa. Há homens que não entendem que as meninas querem andar sem serem perturbadas, como os homens também querem. É um desrespeito a uma situação: estou andando, pensando, falando ao celular, não quero ser incomodada.

No campo da psicologia o que ocorre é que a cultura machista faz com que vítimas de estupro não reconheçam violência. No caso das cantadas agressivas, avalia Brenda, são abusos sexuais falados que buscam demonstrar poder e intimidar a mulher.

Fazem parte de uma cultura, essa tal cultura do estupro, porque é como se fosse autorizado aos homens falar, tocar e se apropriar do corpo das mulheres de uma forma que as mulheres não fazem com os homens.

Frases de orgulho machista ditas por homens e também por mulheres são frases que pressupõem um lugar inferior para a mulher na sociedade. Incluem desde brincadeiras aparentemente inofensivas sobre o desempenho feminino no trânsito até comentários a respeito da menina que se veste de modo a não se dar o devido respeito.

Coisas do tipo: Por que mulheres são contra as cantadas? Não gostam de um elogio?; Muito bem, já pode casar; Se sai assim (na rua ou na balada) é porque quer. Mulher que se respeita não é estuprada. Isso para não falar das frases machistas em negação que não cabem mais na nova etiqueta de gênero, que sugere compreensão, mas logo revela preconceito.

Segundo a autora, são aqueles ou aquelas que sempre começam, ao debater o tema das conquistas femininas, com a seguinte frase: 'Não sou machista, mas...' ou 'Não tenho nada contra o feminismo, mas...', e depois já emendam uma ideia preconceituosa disfarçada, afirma.

Isso está presente em expressões como: Mas vocês não acham que estão exagerando agora? O que mais vocês têm para conquistar? Ao que Brenda e as mulheres podem e devem responder: direito a não apanhar do marido, a ganhar os mesmos salários dos homens, a dividir o trabalho de casa com homens, a não ser interrompida ao falar, a andar como quiser nas ruas...

A reportagem ainda avança nos casos do machismo inconsciente (ou o machista que se acha feminista) quando recupera frases que apontam como comuns no mundo corporativo tais como: 

Acredito na meritocracia. Se a mulher é competente, ela chega lá; Não há machismo nessa empresa. Você, por exemplo, tem um salário maior do que muitos colegas homens; Sou muito a favor das mulheres e do feminismo. Em casa, por exemplo, são minhas filhas e esposa que mandam em mim. E por aí vai.

Outra reflexão que cabe nos dias atuais é, segundo a autora, considerar que ainda exista muita incompreensão, inclusive entre mulheres, sobre o que seja o feminismo. Como no caso de mulheres que dizem não ser feministas porque defendem a diferença entre homens e mulheres ou porque acreditam na convivência pacífica entre homens e mulheres.

Segundo ela, nenhuma corrente do chamado novo feminismo defende a anulação das diferenças entre homem e mulher. O que esses movimentos pretendem é a busca de direitos sociais iguais. Isso revela persistentes 'mal-entendidos' em torno do conceito de feminismo - palavra forte e ainda carregada de preconceito. Quiçá distante de ser um exercício de transformação da sociedade para um jeito mais libertador de convivência, não julgador.

Nesse sentido, o Dia Internacional da Mulher pode ser um excelente momento para promover o debate – sobretudo virtual --, motivado pelos casos recentes de estupro, violência doméstica e feminicídio no Brasil nos impulsionando a nos posicionar e, assim, jogar luz sobre esta ferida social que poucos gostam de comentar.

Tudo isso, porque o mundo que a gente quer não tem violência contra a mulher.

Brasilândia/MS, 8 de março de 2021

Dia Internacional da Mulher

terça-feira, 2 de março de 2021

 

Dona Manoelina, a Saúde e o Porto João André

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Corria o ano de 1985 e a barranca naquele dia 2 de fevereiro amanheceu agitada pelo vento que acariciava as águas do rio Paraná irradiando energia e vigor aos ribeirinhos do Porto João André. Era um tempo em que aquela comunidade vivia seus melhores dias. Embalados pelo turismo que coloria a orla do rio como se um paraíso encantado fosse, pequenos agricultores, pecuaristas, pescadores e o comércio ali existente somavam-se à força econômica da época: os oleiros que garantiam a matéria prima necessária para a edificação das cidades de seu entorno.

E lá estavam os pioneiros da barranca em torno da ARABAP (Associação dos Ribeirinhos Atingidos pela Barragem do Rio Paraná) tornando possível a construção de seu Posto de Saúde coroando uma luta iniciada ainda em 1978 quando o primeiro Posto Médico Municipal fora implantado e, anos depois, reformado e equipado atendia os 813 moradores que viviam na margem sul-mato-grossense pelas mãos do médico Dr. Abrão Siqueira, da cidade de Panorama/SP, recordam os mais antigos.

As garras de um tempo rude chamado Porto Primavera, entretanto, apossou-se do lugar empurrando os moradores para longe. Após a transferência dos ribeirinhos para o chamado Novo Porto João André localizado a 10 km da sede do município de Brasilândia/MS, a comunidade permaneceu sendo atendida pelo seu Posto de Saúde, agora instalado numa casa do núcleo urbano, sob o comando da servidora municipal Manoelina Vieira da Silva, antiga atendente que permaneceu firme ao lado desta comunidade, desde quando ela tinha suas raízes nas margens do rio Paraná.

Funcionária lotada na Secretaria Municipal de Educação com o cargo de professora de Magistério, dona Manoelina exerceu atividade em comissão no Posto de Saúde do novo Reassentamento desde a sua instalação, onde praticamente estruturou e dinamizou o trabalho de atendimento à população ribeirinha ali residente.

Apesar de seus mais de 60 anos de idade, sentia-se uma jovem no exercício de funções que iam muito além da chefia. Arregaçava as mangas e se lançava como qualquer um nas tarefas mais simples. Querida por toda a população do Porto João André dedicava especial atenção aos mais pobres, sobretudo no tempo das enchentes quando prestou socorro a muitos, também aos índios, tratando a todos, sempre com dignidade e zelo maternal.

Ao se aposentar no dia 3 de junho de 1997, depois de 23 anos de serviços prestados no município de Brasilândia, disse ao Jornal de Brasilândia na época que lamentava ter recebido a notícia de sua exoneração pelas páginas do jornal. Era uma segunda feira de Carnaval, quando, sem saber que se encontrava demissionária lá permaneceu, de plantão, no Posto de Saúde trabalhando. --Adoro meu trabalho, disse com os olhos em lágrimas, sorrindo.

Num tempo onde a solidariedade era a maior parceira e estava sempre presente nos laços que unia os ribeirinhos, dona Manoelina foi um marco e alcançou muitas conquistas para aquela comunidade. Uma delas, a aquisição de uma rede de instalação elétrica, com compressor e aparelhos inaladores, doada pelo Sr. Antônio José Grandim, da cidade de Campinas-SP, para uso exclusivo do Posto de Saúde no atendimento aos ribeirinhos.


Mulher admirável e profissional dinâmica e humana, ela marcou a vida de muita gente da barranca estando sempre ao lado dos ribeirinhos e soube lutar por suas reivindicações no campo da saúde e do bem estar social. Às vezes como enfermeira outras vezes como assistente social, nestes tempos primeiros foi imprescindível. Uma mulher, assim, com este brilho não poderia ser esquecida. Mesmo após o seu falecimento ocorrido em 30 de abril de 2017 quando a pioneira da Saúde do Porto João André aos 83 anos de vida cumpriu sua missão na terra, ela ainda hoje é lembrada.

E como forma de reconhecimento pelo trabalho e dedicação que prestou aos ribeirinhos e suas lutas desde a barranca do rio, dona Manoelina Vieira da Silva bem que merecia ser homenageada pela Municipalidade tendo seu nome gravado no frontispício do Posto de Saúde do Reassentamento Novo Porto João André.

 Brasilândia/MS, 02 de março de 2021.







Posto Médico do Porto João André, 1978







Posto de Saúde do Porto João André, 1985





Posto de Saúde do Porto João André, 1991


Foto Inicial: Dona Manoelina distribui roupas durante a enchente em 1983 na barranca do Rio Paraná. (Foto: José Cândido da Silva, 1983).