quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

 

A capela, o aniversário, e onde tudo começou

Carlos Alberto dos Santos Dutra


O dia 28 de fevereiro amanheceu com o calor de sempre, aquele que experimentamos nos últimos dias. Não fosse o fato de ser o dia do aniversário do diácono que vos escreve, seria uma quarta feira normal cuja expectativa girava em torno das felicitações que iria receber pelas redes sociais de amigos e parentes. 

Como de fato aconteceu, o que o encheu de alegria e satisfação. Mais que isso, o fez sentir-se grato ao ver tantas pessoas lhe desejando, de coração sincero, um feliz aniversário. É sempre muito bom saber que somos queridos e que as pessoas ao se manifestar falam com o coração. 

Uma felicitação, entretanto, abriu caminho para um presente que lhe foi doado pelo pároco local, padre Ronaldo. Ele pedia, através da secretária paroquial, que o diácono fosse presidir a celebração da Palavra numa comunidade da fazenda Córrego Azul, a capela São Francisco de Assis, às 18:30 horário MS. Foi a oportunidade dada ao diácono de poder celebrar em ação de graças pelos 68 anos de idade que completava naquele dia. 

Mas, o que poucos sabiam, talvez nem mesmo o pároco local, é que a capela São Francisco de Assis havia sido criada no ano de 1956, o ano de nascimento do diácono que para lá se dirigia. 

Foi o suficiente para que o celebrante e seu instinto de historiador, o colocasse frente a frente com a placa afixada na porta da capela para comprovar que naquele ano, no dia 18 de junho, havia sido realizada na matriz da fazenda Córrego Azul, a fazenda Boa Esperança, a primeira missa por estas plagas. 

Celebração eucarística oficiada na época pelo frei Joaquim Capuchinho, na presença de Dom Ladislau Paz, bispo auxiliar de Corumbá; o vigário de Três Lagoas, padre João Tomes; o proprietário Arthur Höffig, seus familiares, funcionários e amigos. 

Presente mais significativo não poderia ser dado ao historiador que, por diversos caminhos, de idas e vindas, sempre perscrutou a trilha dos acontecimentos e feitos de uma família, cujo patriarca Arthur Höffig foi o responsável por lançar as pilastras do desenvolvimento e progresso desta região. 

No campo da história é imorredouro a sentimento religioso que o fundador de Brasilândia plasmou também na comunidade urbana, a partir do ponto alto da cidade, quando, no dia 21 de abril de 1957,  participou de uma missa campal ao lado do padre João Tomes, sob o Cruzeiro de madeira ali erigido, transformando o lugar no marco da fundação e da religiosidade do povo desta terra. 

E lá estava o diácono permanente da paróquia Cristo Bom Pastor durante a celebração, recordando aos fiéis que ali se encontravam, o itinerário da fé que atravessa fronteiras e, uma vez plantada no coração de um povo, ganharam a distância e o tempo. 

Passados 68 anos da realização daquela primeira missa, naquela noite os herdeiros, filhos e netos, vivos e saudosos, e muitos que só os têm na lembrança, todos festejaram aquela feliz coincidência em ação de graça pelo aniversário do diácono e as bênçãos concedida às crianças que foram apresentadas à comunidade durante a celebração. 

Obrigado Marquinhos que acompanhou os cantos no violão; obrigado leitores, ministros, comunidade São Francisco de Assis e todos os que participaram desta bela celebração e festejaram juntos a alegria de ser igreja, cuja semente um dia foi lançada em nossos corações pelos nossos antepassados e ainda hoje permanecem dando frutos. Deus abençoe a todos. 

Brasilândia/MS, 29 de fevereiro de 2024.









 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

 

Diácono Permanente: desafio e graça

Carlos Alberto dos Santos Dutra

Hoje, dia 28 de fevereiro completo 68 anos de vida. Mais da metade dela (38 anos) vivi nesta terra Ofaié. Dia 31 de março próximo, completo 22 anos como Diácono Permanente nesta comunidade de Brasilândia/MS, ordenação conferida pelo saudoso Bispo Dom Izidoro Kosinski numa cerimônia ocorrida no Salão Paroquial, no ano de 2002. 

16 anos antes, a partir de 1986, quando aqui cheguei, exerci funções delegadas e atividades pastorais como Ministro Extraordinário da Comunhão e do Sacramento do Batismo; pregação da Palavra de Deus; presidência das ações litúrgicas, e delegação para assistir à Matrimônios, sempre auxiliando o padre Lauri Vital Bósio durante os seu longo apostolado e os que o sucederam por aqui. 

Portanto, sinto-me deveras feliz e muitíssimo grato por poder participar, ser acolhido e ter acompanhado por quase quatro décadas, a caminhada dos fiéis desta Paróquia Cristo Bom Pastor, que também é minha casa de fé. Sempre à serviço da Igreja, seja como missionário entre os índios, acampados, ribeirinhos e associações; seja no serviço do altar e ministérios ao lado dos sete Párocos aos quais esta comunidade foi confiada ao longo desses anos. 

No gesto de acolhida, na porta da igreja, quando recebo os fiéis e amigos, a grande maioria, conhecedor de minha trajetória pessoal e também de meu engajamento social e político de outrora, todos me cumprimentam com a alegria, respeitosa e fraterna de sempre. Sabem que ali se encontra o Diácono Permanente Carlito, como sou conhecido. 

Acontece que nos últimos anos nossa cidade cresceu e para cá acorreram fiéis de outros lugares e também novos moradores que, de acordo com suas origens, devoção e fé, se sentiram atraídos para as missas e celebrações dominicais em nossa comunidade.  

É nesta hora e lugar que muitos destes fiéis, ao cumprimentar o Diácono no portal da igreja, o tratam como se ele Padre fosse. Ainda que na saudação seja facultado ao fiel pedir “a bênção” àquele membro do clero que ali se encontra, a resposta “Deus o abençoe” com certeza eles sempre ouvirão ao lado de uma calorosa recepção. Assim como ouviriam do Bispo, do Padre e do Diácono que ali se encontrar. 

Ao Diácono Permanente, entretanto, além destes gestos de acolhida e de bênção, cabem funções específicas que nem sempre são conhecidas por todos; mesmo aqueles que frequentam às celebrações dominicais na igreja. Senão vejamos: Diaconato é o primeiro grau do Sacramento da Ordem. Os outros dois são o Presbiterato e o Episcopado; portanto, Diáconos, Presbíteros e Bispos compõem a hierarquia da Igreja, devendo-se a eles respeito e reverência.

As mãos são impostas sobre o Diácono para o ministério, e não para o sacerdócio. Com a ordenação o Diácono deixa sua condição de leigo e passa a fazer parte do clero. Esse Sacramento imprime caráter, que o faz Diácono por toda a eternidade. Não há como retroceder. O Diácono Permanente sendo casado, não pode ascender ao grau superior, ficando permanentemente como Diácono.

Então, quais as funções do Diácono? Diaconia quer dizer serviço. Isso quer dizer que o Diácono é ordenado para servir. Faz parte do ministério do Cristo Servo, que veio para servir e não para ser servido. O documento da Igreja “Lumem Gentium” diz que o Diácono Permanente serve o povo de Deus na Diaconia da Liturgia, da Palavra e da Caridade (LG 29).

Na Liturgia Eucarística, o Diácono tem funções próprias: servir o altar, proclamar o Evangelho, convidar para o abraço da paz, purificar os vasos sagrados e fazer a despedida. Deve, ainda, incentivar a participação correta e efetiva da assembleia na Divina Liturgia.

Importante lembrar que o Diaconato não é coisa nova na Igreja. Ele existe desde o Atos dos Apóstolos (Atos 6,1-6), tendo sido instituído pelos próprios apóstolos com a imposição de mãos sobre os primeiros sete diáconos: Filipe, Prócoro, Nicanor, Tímon, Pármenas, Nicolau e Estevão, que foi o primeiro mártir (At. 6,8-7,60). Podemos, ainda, ver outras referências como Fl 1,1 e 1 Tm 3,8. O Diaconato permaneceu florescente na Igreja do Ocidente até o século V, depois por várias razões desapareceu.

A partir de 1967, o Diaconato foi restabelecido por meio do Concílio Vaticano II. Inicialmente foi regulamentado pelo Papa Paulo VI, no “Motu Próprio Sacrum Diaconatus Ordinem”. Depois, com o passar dos anos, foram promulgadas normas e diretórios para a sua formação e rito de ordenação. Documentos da Igreja deixam explícitos a competência exclusiva dos Bispos Diocesanos de restaurá-lo e implementá-lo.

Em Mato Grosso do Sul, a nossa Diocese de Três Lagoas teve a honra de ser, quando da sua criação em 1978, a Diocese que mais possuía Diáconos no seu clero. Só para se ter uma ideia, no ano de 1980, Dom Geraldo Majela Reis, 1º Bispo Diocesano de Três Lagoas, contava com apenas 01 (um) Padre Diocesano e 09 (nove) Religiosos; 05 (cinco) congregações religiosas femininas, e 08 (oito) Diáconos Permanentes, sendo que muitas Paróquias eram administradas por Diáconos e Religiosas, em razão da escassez de sacerdotes.

Os documentos de Santo Domingo nos dizem que o Diácono Permanente é o único a viver a dupla sacramentalidade – da Ordem e do Matrimônio. Um não elimina o outro. A vida matrimonial é, portanto, vivida em sua plenitude. Esta é a razão pela qual a esposa tem que autorizar, por escrito, e de viva voz, no momento da ordenação. O Bispo pede a sua autorização para ordenar seu marido. Cumpre ainda lembrar que o Diácono Permanente não recebe nenhuma remuneração pelo serviço. Absolutamente nada. Todo seu trabalho é uma doação à Igreja. 

Doação que este fiel que hoje aniversaria e antecipa os festejos de seus 22 anos de Diaconato, pede vênia para dividir com sua comunidade de fé, a mais profunda gratidão pela acolhida e compreensão. Razão pela qual, convida a todos, neste dia, a rezar também por este cidadão brasilandense e sua família. Amém.


Brasilândia/MS, 28 de fevereiro de 2024.

  

Fonte: O Diácono e sua atuação na Igreja « Diocese São José dos Campos (diocese-sjc.org.br)

† iCatolica.com: O diácono faz parte do Clero?

Diácono | Enciclopédia católica | Fandom

Eduardo Migliorini - TCC.pdf (pucsp.br)




segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Família, Missão e Catequese

 




















Slides da palestra preparada pelo Diác. Carlos Alberto dos Santos Dutra para o encontro Catequético com pais e responsáveis, realizado pela Pastoral da Catequese na Paróquia Cristo Bom Pastor, de Brasilândia/MS, no dia 25 de fevereiro de 2024.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024


Walter Vieira da Silva e o adeus ao Waltinho

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Há dois anos, encontrava-me em frente ao terminal rodoviário Patrocínio de Souza Marinho, nesta cidade de Brasilândia/MS. A noite já ia alta e eu aguardava uma pessoa que deveria chegar de ônibus naquele horário. Foi quando estacionou nas proximidades um veículo que trazia um passageiro que deveria também embarcar no mesmo ônibus que todos esperavam.

Segui olhando os demais passageiros que aos poucos iam chegando e aguardavam o ônibus que os levaria a seus destinos: Três Lagoas, Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Campo Grande. De súbito, devido à pouca iluminação do lugar onde me encontrava, um vulto se aproximou e estendeu a mão me cumprimentando.

Tratava-se de Walter Vieira da Silva, o Waltinho, muito conhecido na cidade e que, naquela noite, iria seguir viagem para Ribas do Rio Pardo/MS, onde tentaria por lá a sorte no ramo da gastronomia.

Contou-me que a região experimentava a explosão de desenvolvimento econômico com a implantação de uma grande indústria de celulose, o que exigia do lugar novas estruturas e forças para a sustentação de seus negócios. Era a oportunidade que surgia para empreendedores das diversas áreas suprir as demandas e o grande fluxo de trabalhadores que passaram a se fixar no lugar.

Ele mostrava-se animado com as perspectivas de abrir o seu próprio negócio. Na época, ele era ainda funcionário de um restaurante, mas seus sonhos voavam alto. E apostava naquilo que se propunha a fazer com uma fé de admirar.

Meses depois, soube que ele conseguira abrir o seu próprio comércio, um restaurante sobre rodas, fazendo comida árabe, instalado em frente à farmácia Multidrogas, na avenida Aurélio Moura Brandão, em Ribas do Rio Pardo.

Era o seu Arabian Food Truck, lugar onde conquistou uma grande clientela e amigos pela simpatia do atendimento e capricho de seus produtos, destacou há dois dias o jornal Notícias do Cerrado, na edição digital do dia 11 de fevereiro último...

Desnecessário dizer que aquele foi o último encontro que tive com ele em vida. Passados menos de dois anos, eis que recebo a notícia de que na noite do dia 10 de fevereiro, um acidente fatal, tirou-lhe a vida, numa trágica colisão na BR 262, a poucos metros do perímetro urbano de Ribas do Rio Pardo, acidente que vitimou também outro morador daquela cidade.

Ainda recordo o brilho de seus olhos e o calor de suas palavras de otimismo e esperança naquela noite. Nunca havia colocado reparo naquele jovem nascido no dia 28 de janeiro de 1970 e que somente algumas vezes o havia visto ao lado do pai, seu Agostinho Silva[1], na tradicional lanchonete Brasa no Boi instalada no centro de Brasilândia.

Localizada na esquina da Praça Santa Maria, o bar fazia frente com o diminuto Ponto de Ônibus da empresa Viação São Luiz – o único da cidade, na época --, ao lado do Hotel São José, do senhor Zé Arara. Era para aquele bar que acorriam todos que nesta cidade chegavam, sendo atendidos por aquele sereno português, seu Agostinho, um dos pioneiros do comércio local.

Quando cheguei a Brasilândia ele já devia ter cerca de 16 anos e, ao lado do irmão mais velho José, popular De Luxe e a irmã Marina, o menino Walter, carinhosamente chamado de Waltinho, era o orgulho e os dengos da mãe, dona Maria Vieira da Silva.

Herdando os dotes dos pais, assim como o mano José, o caçula Waltinho, desde pequeno teve jeito para o comércio. De olhos atentos do outro lado do balcão, acostumou-se durante a infância e juventude ver o pai e a mãe conversando, atendendo pessoas, e servindo bebidas e alimentos aos clientes sempre solícitos e atenciosos, lições que aprendeu, guardou e desenvolveu aos longos dos anos.

Depois de ter passado com êxito pela Escola Estadual Adilson Alves da Silva, como todo o jovem brasilandense, estudou na UNIMAR em Marília/SP, casou, teve filhos e, por muitos anos manteve-se em Brasilândia no ramo alimentício com a Lanchonete e Cachaçaria do Waltinho.

Sempre muito integrado com a comunidade brasilandense era um dos entusiastas animadores que sempre apoiava os eventos da cidade, entre eles o Brasilândia Fashion. Na 2ª edição deste evento, lembra Márcio de Souza Sicílio[2], a dupla Anderson Mattos e Henrique Sanfoneiro abrilhantaram a festa, e ele estava lá em parceria com a Michelly, como um dos patrocinadores.

O profissionalismo e a habilidade com que desempenhava o seu trabalho não lhe deram outra alternativa que não fosse a de procurar o seu lugar ao sol em outras plagas. E lá instalou-se ele com seriedade e afinco na cidade de Ribas do Rio Pardo para fazer parte do desenvolvimento daquele lugar.

Passou, assim, a integrar o ritmo de uma cidade que, por tradição, nos últimos anos tornara-se mestra em promover verdadeiros festivais reunindo food truch de diversas regiões. E lá se encontrava o comunicativo e querido por todos, menino de Brasilândia, e sua família, criando raízes por lá, vislumbrando um digno e promissor horizonte trilhado desde há muito por cada um de sua família...

Após sua partida repentina, a lembrança que fica para os filhos e netos, bem como para a mãe, inconsolável, e o restante da família, é a dor de ver a morte leva-lo ainda tão cedo e no auge de suas potencialidades humanas e profissionais. 

Será um legado de experiência e confiança que irá deixar para aqueles que seguem seus passos e que o farão com orgulho e altivez. Com certeza, haverão de estarem no rumo certo, para a alegria do amigo Waltinho que os abençoa lá do Céu. Descanse em paz, amigo português. Boa viagem irmão de caminhada.


Brasilândia/MS, 12 de fevereiro de 2024.

 



[1] - Sobre a história de seu Agostinho Silva confira: Dutra, C.A.S. História e Memória de Brasilândia/MS, vol. 1-Pioneiros, página 157.


























sábado, 10 de fevereiro de 2024

 

Ao Amigo jornalista Ray Santos
Carlos Alberto dos Santos Dutra.









Dizem que para agradecer não há dia nem lugar, basta romper com a inércia e fazê-lo. O mesmo acontece com a homenagem. É em vida que devemos fazê-la, mesmo que o aniversário do homenageado já tenha ocorrido ou ainda está por vir. Razão pela qual, não irei esperar o dia 1º de setembro próximo -- aniversário do amigo Ray Santos --, para prestar-lhe essa singela homenagem.

O texto que reproduzo aqui é de sua lavra e foi publicado no jornal Dia a Dia, trecho que recolhi e agora faz parte do livro História e Memória de Brasilândia/MS, tudo porque o conteúdo por ele narrado encerra em pedaço da sua e da nossa história desta terra.

Mais que isso, seu texto revela o quanto de humanidade e sensibilidade se esconde por trás da verve afiada e tino jornalístico deste repórter e radialista que por uma década impregnou e envolveu com seu diálogo crítico e construtivo a comunidade  de Brasilândia.

Corria o mês de março de 1998 e o repórter inquieto varava os campos em busca de gente, de histórias e de vidas humanas pelos fundões do cerrado brasilandense. E lá o encontramos conversando com moradores do Assentamento Mutum, distante da sede do município cerca de 150 km. Olho no olho e o jornalista verifica o quanto aquela gente é humilde e sofrida. Mas feliz. Apesar de todas as dificuldades as pessoas confessam que a luta foi grande para conseguir o seu pequeno pedaço de chão, mas que valeu a pena, lembra.

Assim começa a descrição do que os olhos viam e coração sentia naquele momento. Um dos assentados que o acolheu, inclusive oferecendo-lhe estadia, foi o senhor Antônio Telles, um dos personagens dessa história; ele e sua esposa. 

Homem simples, mas de uma energia incrível, escreve o jornalista. Mecânico por mais de 40 anos e que sempre viveu na Grande Dourados, um dia falou para os filhos que iria ganhar um pedaço de terra e ia se mudar para o mato. Houve protestos e os filhos queriam até levá-lo a um psicólogo.

Seu Antônio não se intimida em lembrar os revezes e a história de suas andanças inclusive arrisca a contar que chegou a ser expulso do loteamento por pistoleiros, por duas vezes consecutivas. Conta que tinha um tal de ..., que amedrontava todo o pessoal, mas eu não desisti.

Tamanha foi sua felicidade quando foi sorteado e recebeu seu lote. Agradeci a Deus e chorei muito, confessou sorrindo. Pouco tempo depois já era um próspero assentado com um rebanho de 17 cabeças e inclusive um veadinho mateiro que adotou e se tornou verdadeiro membro da família.

No local ele construiu casa, fez poço de água e a canalizou. Tem de tudo, faltava-lhe na época apenas a energia elétrica [que dizem] estava chegando e o tí­tulo de propriedade. Os olhos do jornalista observam o veí­culo pampinha que o casal possui e serve para dar assistência aos outros assentados, enquanto o entrevistado confessa: sou um homem feliz. Seu Antônio era uma espécie de anfitrião no Mutum e todas as pessoas que passam por lá acabavam visitando-o.

O outro personagem é o jovem casal Ubirajara e sua esposa Elza que optaram pela vida dura do campo e que devagar foram construindo a vida simples que escolheram para si. Bira anda de moto CG 125 e é um tipo de lí­der local que ajuda as pessoas, inclusive os mais velhos que necessitam de atendimento social. Foi ele que construiu a casa do seu Antônio e a própria casa.

A esposa dona Elza é um tipo de deusa que dá um toque especial em tudo, inclusive com seu sorriso de felicidade. Eles estão plantando lavouras de milho, mandioca, amendoim. Agora, Bira explicapretendo plantar café e já tá trabalhando a área para plantar dez mil pés. A terra tem condições, sim, de responder com produtividade, conclui otimista (...).

O restante de seu envolvente texto deixamos para o leitor buscar no livro História e Memória de Brasilândia/MS onde esta e outras histórias são contadas em tom coloquial, como o apresentado com rara beleza pelo nosso amigo Ray Santos no texto acima.

O que narramos aqui é apenas um aperitivo que nos bridou este mestre das letras e das palavras Ray Santos que muito contribuiu para a história de Brasilândia e região, imprimindo um jornalismo ousado e dinâmico num tempo onde as coisas ainda eram difíceis por aqui.

Estimado por poucos, numa Brasilândia ainda pacata, tem o mérito de ter ampliado os horizontes da informação, via jornal e também na rádio FM Brasil Comunitária local,  acabando por ensinar muita gente a transpor no jornalismo o mundo dos antigos linotipos para a impressão off set e depois para a mídia digital dos dias atuais.

Parabéns Ray Santos. Obrigado e Feliz muitos Aniversários.


Publicado originalmente em https://carlitodutra.com.br/ em1º de setembro de 2017.

Foto: Noite de autógrafos no lançamento do livro Razão e utopia, textos rebeldes, do autor, ocorrido nas dependências do saudoso clube da Associação Atlética Brasilandense-AAB, Arquivo Jornal Dia a Dia, Ray Santos, 1998

Fonte: Assentamento Mutum e o preço da felicidade In. Dutra, C.A.S. História e Memória de Brasilândia/MS, vol. 4-Desenvolvimento, 2. Ed., Campo Grande, Editora Life, 2023, pág. 186s

Instalação do poço semiartesiano na Escola Agrícola Julião Maia (Foto: Jornal Dia a Dia, 1996).

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

 

Os Ofaié, a história e o verbete no Aurélio.
Carlos Alberto dos Santos Dutra






No dia 8 de fevereiro de 2017, uma nota no Facebook recordava: Eles estão lá, na página 1.497, da 5ª edição do majestoso Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, publicada em parceria com a Editora Positivo, na versão impressa e digital.

E logo explicava: É o verbete ‘Ofaié’, que finalmente salta dos recônditos da história e tem seu nome, agora, incluído entre as mais de cinco milhões de palavras que compõem o léxico da escrita deste nosso pluriétnico Brasil. Ao final a nota concedia: Parabéns Ofaié. Parabéns Brasilândia.

Nos comentários que se seguiram e a repercussão das mais de 20 curtidas que a postagem na época recebeu, um deles observava: Meus parabéns, acredito que nesta história tem um dedo seu. Com o agradecimento à pessoa querida e pelo reconhecimento ao trabalho realizado, aproveito o mote para contar um pouco dessa história.

É bom lembrar inicialmente que o nome Ofaié só começou a ser ventilado nas esferas jornalísticas a partir de 1976 com uma reportagem do Jornal O Estado de São Paulo, quando a sucursal de Marilia/SP enviou o jornalista Luiz Carlos Lopes à Brasilândia/MS e que realizou uma importante matéria sobre esse povo em vias de extinção e em situação precaríssima de sobrevivência.

A reportagem assumiu relevância em razão de que, dois anos após, os Ofaié acabaram sendo transferidos de sua área tradicional e levados pela FUNAI para a Reserva do Kadiwéu, no município de Porto Murtinho e que acabaram sendo usados como bucha de canhão, como se noticiou na época, no epicentro de um conflito que envolvia INCRA, FUNAI, fazendeiros, indígenas e arrendatários na Serra de Bodoquena e região. O ex-Cacique Ataíde Xehitâ-ha foi testemunha ocular deste conflito que resultou em muita violência e morte de indígenas e não indígenas naquela região.

Tempos difíceis para a chamada abertura política que dava seus primeiros passos nestes tempos bicudos. Na FUNAI, as fileiras que a comandavam ainda eram verde-oliva e as poucas vozes que se somavam ao grito dos indígenas – como Marçal de Souza Tupã-I, eram o CIMI, o CTI, a OPAN, CEDI, CPT, GTME, entre outras entidades não governamentais e confessionais que ousavam desafiar o regime para se solidarizar com a causa indígena.

Os Ofaié, povo minoritário – em Bodoquena viviam 27 pessoas – foram praticamente redescobertos pelo indigenista Prof. Antônio Brand (in memoriam), que reuniu, ao lado dos missionários Ivo Schroeder, Rogério, Carlito Dutra, Orlando Zimmer, Hilário Paulus, Veronice Rossato, Nereu Schneider, Maucir Paulette, Padre Odilo, Jorge Nei Correia, D. Teodardo Leitz, e outros que trabalhavam na Regional do CIMI em Dourados-MS, a documentação do soerguimento Ofaié.

Registre-se aqui a captação da voz do lamento Ofaié gravado por Antônio Brand, em 1981, quando ao lado da indígena Ozena (Eugênia) Ofaié, sentada no chão, rodeada de crianças da diminuta aldeia, lá no Vazantão, região do Tarumã, fundões de Morraria do Sul, Pantanal adentro, recolheu uma raridade, que se convencionou chamar de O último canto dos Ofaié. Estava lançada no espaço impresso e virtual a voz desse povo esquecido da história.

Logo deixam de ser confundido com os Xavante. A literatura e os apontamentos dos primeiros viajantes estrangeiros chamavam a todos os habitantes o cerrado, as ‘savanas’, de ‘shavantes’.  Passam, então, este povo diferenciado dos demais a ser ouvido e respeitado como Povo Ofaié ou “Äfäyé”, como grafam os linguistas. Foi, sem dúvida, na contemporaneidade, que a ação missionária e acadêmica deu visibilidade à história e ao grito de liberdade desse povo.

Não fossem as campanhas nacionais e internacionais realizadas, com mais de cinco mil assinaturas de entidades e pessoas engajadas em favor da luta intitulada Ofaié, ainda estamos vivos, a história desse povo teria sido diferente.

Não fosse a corajosa participação dos alunos da Escola Estadual Adilson Alves da Silva, com a Profª Márcia Nakamura, em Brasilândia/MS, até o Alto Comissariado das Nações Unidas e da Human Right que solidarizaram-se com a causa dos Ofaié a partir de 1989, não saberíamos dizer a que as frentes agropastoris que tomaram de assalto o MS teriam reduzido esse povo.

Move-se a roda do tempo e novos reforços, novos agentes sociais e políticas públicas; novos atores e metodologias, pesquisas e lutas reivindicatórias, cada vez mais especializadas, mais exigentes e críticas, fazendo a sua parte, como um corretivo à história. E lá estão eles, agora, indefectíveis, invadindo a academia com suas lanças e jacá, na trilha de monografias de graduação, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Perambulam pelos estandes da economia, dando seu nome à monumentos, carimbos oficiais dos Correios, e à Postos Fiscais da Receita do Estado; na ciência agronômica chegam a imortalizar espécies de cultivares de trigo, ora veja!

Cruzam a linha do horizonte da linguística e da semântica que os mantiveram presos durante séculos no domínio somente do saber de especialistas. O nome Ofaié com o apoio solidário de parceiros, ingressa nos livros de história, desde a universidade até a cartilha da escola municipal local. Em que pese as resistências.

Recentemente uma coleção que pretendia falar dos indígenas do Estado de MS, deixou de falar dos Ofaié.  O próprio IHGMS ao republicar suas obras (que não dispunham de ISBN) olvidou de incluir o livro Ofaié, morte e vida de um povo, que havia patrocinado em 1996. Enfim, um longo caminho de tolerância acadêmica ainda teve de ser trilhado.

E os Ofaié da aldeia Anodhi, do município de Brasilândia/MS permaneceram. E estão aí, com viva voz, para falar de sua história e seus sonhos e conquistas vividos nos dias atuais. A inclusão de seu nome no Dicionário Aurélio Buarque de Holanda,  edição de 100 anos, sim é um marco a ser festejado.  Ainda que tardio. Quanto à autoria do verbete, como alguém perguntou, a história é semelhante a uma outra vivida por este escrevinhador há mais tempo.

Quando ele foi convidado pelo CEDI, hoje ISA, para escrever sobre os Ofaié foi algo pioneiro. Os anos 1990 estavam apenas começando e o saber indígena só vinha à lume pelas mãos de uns poucos especialistas. 

Hoje, esse saber, assim como todo o cabedal do Aurelião (cada vez menos consultado em razão da dinâmica e as facilidades de acesso às redes sociais), todo o conhecimento é construído por muitas mãos, sobremaneira pelos próprios indígenas; saberes que na maioria das vezes não aparecem nos créditos das obras. Mas quem liga, se o mérito está no conteúdo e não na forma?

Num tempo que já vai longe, quem ligava, se o olhar da filha de Knii Ofaié estava cabisbaixo, enquanto seu corpo descansava, sentada num barranco, sob a poeira da estrada – Rodovia MS 040, a 12 km da cidade? Quem liga, se ela ainda permanece aguardando o ônibus, que só depois de passar pelas fazendas da região, a levará para a Escola e uma Biblioteca que guarda tão pouco da memória de sua gente? 

Redigido e publicado originalmente em 08.Fev.2014.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

 

Dona Maria baixinha, o Barro e a Vida
Carlos Alberto dos Santos Dutra



Maria baixinha, carinhosamente chamada
Tinha o nome de Conceição, em homenagem à Virgem.
À exemplo da Mãe de todos os homens
Nunca foi de esmorecer na vida.
Esteio da casa, lado a lado com o marido
Criou os filhos e muitas vidas que já se foram
Sempre no acalanto do rio
Rio que corre
Corre sempre em direção ao mar
Sempre sonhando e avançando
Mas nunca esquecendo de alimentar seus filhos.

Foi de suas margens que ela conquistou o sustento
Lá no Porto João André, quilômetro abaixo, quilômetro acima
Sob a poeira da estrada
Mas não de uma forma qualquer
Seu trabalho, tinha algo de divino e construtor
Amassou a terra, fazendo-a florescer
Pisou a terra, fazendo-a frutificar
Molhou a terra, fazendo-a tornar-se sólida
Moldou um a um cada tijolo
Com zelo, paciência e arte
Que construiu um povoado, uma vila, uma cidade
Palma da mão preciosa.
Rosto cansado, mas o olhar sempre avante.

De sábia existência, experiência de anos
Sua fala perto, mansa, e 
seus conselhos que alcançavam longe. Tão suaves e profundos como a brisa. Como a mareta no casco do barco de um pescador.


De outras vezes erguia a voz áspera, a guerreira
Para defender seus direitos e os sonhos do seu povo
Como legítima liderança dos fracos e alquebrados
Lá estava a timoneira com envergadura e espanto
A clamar pelos que foram arrancados, 

Sorrateiros de seus lares
Levados para outros lugares
Ela nunca desanimou, lutando continuou
É exemplo para a juventude.

Dedo em riste, com voz firme, protestou quando preciso
Abriu uma clareira no céu, de esperança e vida nova
Para ribeirinhos e oleiros, deu maior prova
Pescadores e seus ranchos
Óh! meu Deus quanta saudade.

Profetisa em sua fé, tinha um sublime amor
Na Mãe de todas as mães, porque a Mãe de Jesus
Sempre a Ela confiou, sua vida, sua Cruz
Corajosa...Vó zelosa
Nos deixou...

Mas suas palavras ficaram
Ensinamento que guardaram os antigos e os novos
Hoje celebram a partida
Da guerreira e anciã
Lá se vai a guardiã, dos que ficam, dos que choram
Fundadora da esperança, de João, de Augusto, de André e todos nós
Que acenam em despedida:
Vá com Deus Ó Conceição!
Aperto no coração
Volta ao barro, olha a maromba, e Aquele todo Luz
Que te fez
Logo vem ao teu encontro
Vai te acolher.
Vá, ó Conceição.
Siga-O pela mão...

Publicado originalmente em 03 de Outubro de 2012.

 

Maria Conceição da Silva Gomes

Araçatuba/SP, 25 de maio de 1944

Brasilândia/MS, 03 de outubro de 2012.