quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Aos amigos Edilson e Júnior

As amizades são como as lembranças:
o tempo passa, mas elas permanecem...









...sobretudo aquelas, as verdadeiras.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Ofaié em Ivynhema

Ofaié e Guarani se reencontram no Ivynhema
Carlos Alberto dos Santos Dutra




O evento aconteceu na Fundação Nelito Câmara. Autoridades municipais, acadêmicos, professores e população interessada na cultura e etnohistória indígena reuniram-se na noite de 18 de maio de 2012 para receber um ilustre visitante. Nas paredes da entidade expoente da cultura local estampas fotográficas em tamanho gigante transportavam os presentes a um distante passado captado pela ocular de Darcy Ribeiro ainda em 1948, lá pelos sertões do ribeirão Samambaia onde ele se avizinha do córrego Baile e o colar de baías da foz do Ivinhema.

O cidadão em trajes civilizados observa atentamente os painéis. No seu imaginário aquelas pessoas lhe pareciam bastante familiar. Patrícios de outras épocas, sentados no chão, tomando chimarrão, segurando pesadas chaleiras de ferro; homens agachados, tirando farpas do taquari e pau preto, na confecção de flechas, e uma paisagem de cerrados e campos, ainda inóspitos e pouco habitados. A sensação é de liberdade, segurança e bem estar. Era como se ali, o inimigo ainda não ousasse adentrar.

Minutos antes, ao chegar na cidade, enquanto percorria a Avenida Reynaldo Massi, fundador do município, era como se a brisa do passado lhe despertasse o espírito. Algo como estar pisando num candente sitio arqueológico. Algo que não saberia explicar. Porém seu coração jamais lhe enganara, e seguiu seus instintos: Aquele solo havia sido habitado por seus antepassados, rememorou. Dia desses havia lido em algum lugar que seu povo Ofaié habitara a margem esquerda do rio Ivinhema. Foi há muito tempo, quando esta urbe ainda nem era distrito de Bataguassu, e o ano era 1911.

O rapaz observa atentamente o cabelo amarrado na nuca de Xehitâ-ha, sua pele cor de chocolate queimada pelo sol e o corpo levemente curvado pelas andanças, apesar da pouca idade. Não resiste e pergunta: --o senhor é índio? Aquela pergunta pareceu o badalo de um sino capuchinho lá do ribeirão das Marrecas, ecoando rio Verde adentro, na cabeça do ex-cacique Ofaié. Foi como se um estalo o fizesse despertar em seus pensamentos e sonhos. E por um momento fugaz de nostalgia vê o menino de outrora correndo e acenando pela margem, tentando comunicar-se com a outra banda do rio.

O pai do menino aproxima-se e explica quem era aquele povo que vivia na outra borda  por onde subiam embarcações até o porto Angelina, pertencente a empresa Matte Laranjeira. Na margem direita do Ivinhema, em frente à foz do córrego Santa Bárbara, próximo ao atual distrito de Amandina, no curso das fazendas Guarani e Gato Preto, o povo guarani Kaiowá que ali habitava o retiro do SPI ergue os olhos e responde o aceno infantil da outra margem. Na língua guarani, aquele outro povo, Ofaié, era chamado de Yviva, que quer dizer na tradução singular de Nimuendajú apenas pessoas. Para o natural etnocentrismo Guarani, os Ofaié eram, na verdade, apenas pessoas e nada mais. E não ofereciam perigo algum a seu povo.

A presença Guarani na margem direita do Ivynhema, entre o Piravevê e o Guiraý é pouco mencionada na literatura. À exceção do registro dos desbravadores Teotônio José Juzarte e Joaquim Francisco Lopes, em terras então de Espanha, no século XVIII e seguinte, em tempo recente é Curt Nimuendajú que em seu relatório de 1913 identifica a presença de Guarani fugitivos no córrego Santa Bárbara, quando alerta que eles só podiam ser colocados ali provisoriamente (..) mas não convém absolutamente eles tratarem disto na vizinhança dos Ofaié com os quais eles não se entendem e nem querem confraternizar (...). O mais conveniente seria talvez de tratar logo de uma reserva aos Guarani e Kaiuá na margem direita do rio Ivynhema. 

Maior atenção à presença Guarani que habitava essa região nunca foi dada, depreende-se, em razão da divisão geográfica imposta pelo SPI que reservou para a Inspetoria de São Paulo as terras localizadas na margem esquerda do Ivynhema até o Sucuryú e que foram inspecionadas bem mais amiúde. O mesmo não ocorreu com a Inspetoria do Sul de Mato Grosso, responsável pelo restante do extenso território que compreendia o rio Paraná, da barra do Ivynhema pela margem direita até a direita paraguaia, numa área avaliada por Nimuendajú em 40 e tantos mil quilômetros quadrados com mais de mil índios para supervisionar, sendo que muitos de seus trechos nunca chegaram ser visitados.

A claridade de um escasso flash faz despertar Xehitâ-ha de sua aula magistral. Os olhos dos alunos e a platéia atenta à sua frente, entretanto, o enche de esperança. As perguntas das autoridades e a preocupação de todos com a preservação da história regional lhe dão certeza que valeu à pena estar ali e participar daquele momento histórico. Suas palavras, pautadas na experiência e na vida eram sementes lançadas no coração da juventude. 

Autografa alguns exemplares do livro O território Ofaié pelos caminhos da história, do Prof. Carlito, e sorri para si mesmo vendo soerguer das cinzas o interesse de jovens estudantes de história em revisitar antigas moradas e identificar pegadas, símbolos e saberes Guarani e Ofaié que por ali, um dia, cruzaram e deixaram sua marca: córrego Fumaça, córrego da Bugra, córrego Batalha, córrego do Engano, ribeirão Combate, córrego da Aldeia, fazenda Cacique, fazenda Guarani, fazenda Gato Preto...

Agradecido pela oportunidade do encontro, Ataíde Francisco Rodrigues, o Xehitâ-ha na língua Ofaié, recosta-se no banco do carro que retorna sereno à aldeia Enodi, em Brasilândia, última fronteira que restou para o seu povo. Em silêncio faz uma prece a Agachô, seu Deus criador. Agradece pela memóriaa última guardiã do que ocorreu no tempo. Graças a encontros como estes, reflete, a história dos historiadores pode se encontrar com a memória dos testemunhos, ocasião onde a vigilância crítica dos primeiros, se encontra com a fidelidade ao passado, dos segundos...

Fonte:
DUTRA, C.A.S. Ofaié, morte e vida de um povo, Campo Grande: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 1996, 340 p.
DUTRA, C.A.S. O território Ofaié pelos caminhos da história. Campo Grande: Editora Life, 2011, 416 p.



Publicado em 21 de maio de 2012 e republicado em 25 de dezembro de 2017

sábado, 23 de dezembro de 2017

Natal e Felicidade




Brasilândia, o Natal e a Felicidade.
Carlos Alberto dos Santos Dutra.







Brasilândia já está com 52 anos de idade e mais um Natal e Ano Novo se aproximam. Ao lado da maturidade desta senhora, vemos que caminha ao seu lado a magia e a esperança da Felicidade sonhada por todos.

Roda a curva do tempo e meio século já se passaram e não há mais como negar que nossa cidade, e também nós, já não somos mais os mesmos.

Nós mudamos e a realidade de nossa cidade também mudou. 

No mundo da internettablet e smartphones, em velocidade 3G e 4G, seja no facebookinstagram  ou whatsapp, as notícias e os acontecimentos voam...

Mas... a Felicidade por onde andará?

Felicidade. Oh, palavrinha difícil de se descrever e muito mais difícil ainda de encontrar o seu ninho escondido por entre as escarpas. 


Pelas vitrines e sites buscamos em vão encontrá-la. Por vezes, quase a tocamos com a ponta dos dedos sobre o teclado ou monitor touch screen

O ano findou e trabalhamos muito. Alguns mais, outros menos. É, mas a vida é assim. 

Mas podemos comemorar a alegria de ter alimentado nossas famílias, garantido nossos empregos e chegar até aqui com saúde e otimismo. 

E sonhando que ainda estamos no controle... do nosso Brasil.


Bem sabemos que muita coisa ainda precisa ser feita para melhorá-lo, a começar pela nossa cidade; esta cidade e as pessoas que nela vivem.

Por isso o ano dos sonhos que nos espera em 2018 não impede que continuemos lutando para que tudo fique cada vez mais lindo e perfeito, a nossa volta, garantindo vida longa, segura e saudável para todos: para a cidade e para nossos filhos e netos. 

É. E tudo indica que a Felicidade, matreira, de uma frestinha do tempo, percorreu um longo caminho, quase meio século, para chegar até aqui e poder abraçar cada um dos moradores da cidade esperança, e desejar-lhes um Feliz Natal e próspero Ano Novo

Por isso, num raio de luz, pelo desvão dessa ponte de arco iris, sussurra no ouvido de cada um, que é chegado o tempo de Agradecer e Louvar Àquele que nos permitiu viver e chegar até aqui pelos caminhos da Paz: o Deus Menino que todo ano renasce no coração de homens e mulheres para ensiná-los e fazê-los jamais perder a Esperança.



Publicado em 18 de dezembro de 2014 (republicado em 23 de dezembro de 2017)

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Lembrança de 2015

Confraternização da Vigilância - 2015
Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


Amigos aqui presentes
Um momento vou falar
Quero a todos saudar
Neste momento especial
Em volta deste animal
Que jaz nesta churrasqueira
Carneada no pé da aroeira
Bem ao gosto, clandestina
Vinda lá de Xavantina
Da fazenda Brasileira.
 
E aí a GLÁUCIA gritou
Alto lá, aqui estou

Com o Alvará na mão
Tranquilizando os irmãos:
Podem comer, peonada
A carne é inspecionada
Para alivio do vivente
Desta fiscal competente
E também organizada
Tereteté na estrada
Inspecionando o mercado
Tudo limpo e liberado
Por ela não passa nada.
 
Na moto o ZEZA na estrada
Já nem lembra mais da toca
Garantido na mandioca
Que doou para esta festa

E a gente enruga a testa
Com as broncas que ele dá
Mas tudo passa, já-já
Para a alegria geral
Cuéra valente, bagual
Cumpre o trabalho a risca
Quando não lhe falta a isca
Manha de pescador coisa e tal.
 
No rodo, a TIANA, afinal
Com muita delicadeza

Se esmera na limpeza
Desta casa e a Educação
Com a chave do portão
A que chega é a primeira
Põe água na geladeira
E também faz o café
Se facilitar, tereré
Sua vida rotineira.

Junto com o colega JOÃO
Mandam mensagem de graça
Com palheiro e fumaça
Lá num canto escondidinho
Vai saindo de mansinho
Um cuéra vindo de longe
Tem uma cara de monge
E foi bom sua vinda
Tornou a rotina linda
Ajudou na papelada
Se entrosou com a meninada.
 
Mas a saúde em alerta
Preocupada a ROBERTA

Sempre às voltas com a vacina
Até parece uma menina
Brincalhona e competente
Trabalha sempre contente
Igual à equipe da endemia
Que com empenho e alegria
Se vira nos trinta, com o ar
Que não resfria, e o azar
Quando falta a energia
Elektro, uma porcaria
Poe em risco a validade
Vacina, soro, é verdade
Resultado dito em coro
Seu trabalho é um estouro
Mas o que vale é a amizade.
 
Tem o grupo da alegria
E também tem o mais sério

Não adentro esse mistério
Cara aberta ou fechada
Mas tem uma dedicada
Voz suave delicada
Não descuida do trabalho
Com ela não tem atalho
Falo da INGRID Stefani Alves
Boa agente, salve, salve
Está sempre, sempre alerta
Uma menina esperta
Verdadeira Madrialve.
 
Também entre os contentes
A mais quieta dos agentes

É a SANDRA, que é Dias
Mas que curte a alegria
Me contou um beija-flor
E a CLAUDINÉIA também
É reservada e além
De exemplar cumpridora
Dos deveres, a servidora
Sabe sorrir e brincar
De chikungunia desfilar
Seu lado de educadora.
 
Outra nossa companheira
É a FRANCIELE Ferreira

Que joga sem artimanha
Da dengue à leishmania
Sempre alerta com o THIAGO
Que sozinho faz estrago
Com competência, humildade
Trata a todos com urbanidade
É um servidor padrão
Se não ganha mais do patrão
Da patroa ele é o pão.
 
MÔNICA também é quietinha
Até parece uma mocinha

Tá feliz com o celular
Pode até nos informar
Como anda seu menino
Que o proteja ó Deus divino
Ergue as mãos o ministério
Fala o supervisor ROGÉRIO
Que com zelo e ciência
Trata a todos com paciência
E sempre se dá um jeito
Para o serviço perfeito
Conta larvas, é motorista
Faz relatório, dá vistas,
Também assume a chefia
Com a mesma simpatia.
 
Mas só perde para um
Veterano araticum

Dos serrados desta terra
Seu GERSON herói de guerra
Da Sucam, de bicicleta
Se parece com um atleta
Contra a dengue e o barbeiro
Tempo prá traz que o dinheiro
Nada paga essa experiência
Símbolo da resistência
Orgulho para a Saúde
E que Deus sempre o ajude
Licencia prêmio amiúde.
 
Também tem o CLÁUDIO ZÉ
Polivalente ele é

Com as manhas, combativo
Às vezes, intempestivo
Fazendo coro às lutas
As contendas e as disputas
Assuntos da profissão
Este é mais um irmão
Força na dengue labuta.
 
Mas de todos o mais sério
DEIVIS não brinca em serviço

Cumpridor do compromisso
Ele também é estudante
Por isso, itinerante
Mas dá conta não por isso.
 
Outro cuéra dedicado
É CARLINHO, meu xará

Cabra novo, melhor não há
Sempre pronto pro batente
Só de vê-lo assim contente
Já anima a peonada
Fica toda alvoroçada
E disposta pro trabalho.
 
Ainda tem a JAQUELINE
Não anda de limusine

De bicicleta ou a pé
Se vira como pode, qual é
Mãe mulher trabalhadora
Do mosquito matadora
Orgulha a mulherada
Que trabalhada organizada
Nas visitas é doutora.
 
Pro arremate eu lembro
Deste setor desprezado

Que muito pouco é olhado
É só quando o bicho aperta
A Vigilância na certa
E a Epidemiologia
De braços com a Endemia
Que nessa hora garante
Quando o caso é alarmante
Invasão de pernilongo
Ou mijo de camundongo
Chikungunia, escorpião
Jacaré no buracão
Tem a raiva tem vacina
Tem farmácia, ritalina
Até pneu, mutirão
O fumacê e um montão
De trabalho com aplauso
E para encurtar o causo
Apelo para a bondade
Pague a insalubridade
Papai Noel no Natal!

Brasilândia-MS, 18 de dezembro de 2015.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Natal na Praça

NATAL NA PRAÇA SANTA MARIA



O dia estava muito quente. Na praça central da pequena Brasilândia, típica cidade do interior do estado de Mato Grosso do Sul, ao entardecer, a temperatura se torna mais amena com a aragem que balança as folhas das árvores. Aquela praça, denominada Santa Maria, era verdadeira tentação para quem chegava de longe à procura de um banco e descanso. Os pássaros pressentindo a aproximação da noite procuravam lugares no arvoredo. Era um pipilar saltitante de galho em galho, na disputa de um aconchego para a noite que chega.


Com duas pequenas sacolas miseráveis seguras entre os dedos deformados da mão, um pobre infeliz marginalizado da sociedade humana e da vida, também chega à praça, em busca de um banco desocupado. Nos seus passos trôpegos, cansados, busca encontrar alívio e amenizar o calor do dia que vai se esgotando. A figura do infeliz não formava nenhum contraste com o ambiente insólito da praça, ao contrário, confundia-se com ele; por ali, outros mendigos e infelizes faziam o mesmo em busca de abrigo. Seus trapos, porém, não eram estranhos àquele ambiente. 

Roupas surradas, sapatos cambaios, esburacados e uma camisa que já tivera cor um dia. O olho da rua, os desvãos das portas e embaixo das pontes, estes lugares sempre foram suas moradas ocasionais, prêmio da velhice desamparada e mendicante. Um dia, que já vai longe, ele teria exigido uma fatia do mundo para si, mas a sorte não o premiara jamais. Nem glórias e nem riqueza ou tudo o que tivera e se fora na voragem do tempo, exaurindo toda doçura ocasional da vida. Quem poderia dizer?


Assim arrastava sua miséria como quem não tinha sequer uma minguada aposentadoria de salário mínimo da vida, vivendo do que os fartos atiravam fora como inútil. Enfim, o pobre infeliz divisou logo adiante um banco desocupado, à sombra de uma árvore sete-copas, muito comum na região. Foi atirar-se sobre o banco e logo dormitava ronronante, o queixo enterrado no peito, as costas numa curvatura anatômica que serviria de prova da origem simiesca do homem. Era véspera de Natal, muitas crianças já corriam por ali saboreando o prazer dos presentes antecipados, como bicicletas, carrinhos de bonecas, reproduções de armas de guerra sofisticadas movidas à pilha e deitando um fogo vermelho como se fora metralha.


O infeliz pária social de nada se dava conta. Simplesmente dormia, talvez numa fuga feliz de tanto sofrimento. E sonhava... Sim, sonhava, porque disso a miséria não o privara. Sonhava que chegava ao Presépio, onde o menino Jesus se encontrava entre as palhas humildes de uma manjedoura rodeada de mansos animais. Três figuras imponentes ofereciam ao Deus-menino, presentes valiosíssimos. Eram os três reis magos. Ele chegou-se a Maria e disse-lhe:

--Senhora, nada tenho para dar ao menino pobrezinho que vai começar a vida e quem sabe lá que destino o espera... Talvez venha a ser muito feliz ou talvez termine igual ou pior do que eu. Nestas duas sacolas, apenas restos... Restos de roupas dos ricos e poderosos, restos de manjares dos felizes que têm uma mesa para sentar, com os seus a sua volta, opíparos manjares, depois migalhas lançadas ao lixo. É o que tenho para comer, para vestir; é toda minha riqueza. Mas eu a daria se não fosse ofendê-lo.


O rosto do menino era o de uma criança loira, de olhos azuis, mas logo se tornava um bebê negrinho, de cabelo encarapinhado, depois já se via nele uma carinha de índio... Para, por último, lhe parecer um pequeno menino asiático. O homem esfregou os olhos confusos, sem entender aquela metamorfose. Seria pura imaginação sua? Ou o menino era todos os meninos pobres e humildes do mundo encarnado em um só ser? Deixou suas sacolas ali e foi saindo, ainda confuso, não sem antes perceber um olhar sobre-humano de bondade no rosto da criança e de resignada compaixão e solidariedade no olhar de Maria e de José.


Acordou de sobressalto. O sino da Igreja Cristo Bom Pastor, não muito distante dali, começava a tocar. Logo uma música no alto-falante da matriz cantava o som de um carrilhão chamando para a Missa do Galo. Nesta hora todas as denominações religiosas e o povo em geral cantavam a alegria do Natal.


--Acorda, acorda velhinho, vamos andar!, dizia-lhe o jovem policial, ainda de todo não endurecido pelo ofício de proteger somente os vencedores na vida.


--Vamos andar que hoje é Natal e nessa praça não pode ficar. Nada de bebida e muito menos alguma briga. O infeliz olhou a sua volta à procura de seus pertences e ao apanhar as duas sacolas,estranhou:

--Ué, o que é isso? E ante seus olhos deslumbrados, avistou numa sacola ricos manjares, frutas, doces cristalizados, tudo que jamais pudera imaginar comer um dia na vida, além de garrafas de vinho estrangeiro. Voltou-se logo para a outra sacola e seus olhos se arregalaram ainda mais atônitos. --Que era aquilo? Roupas novas, camisas, meias, calçados, tudo que havia de mais fino.


--O que é isso?, perguntou o policial. --Você andou roubando?


--Não, não!, gaguejou o infeliz, --Na certa foi Ele que me mandou isso de presente, lá de cima... lá do Céu.


O policial, sem entender, coçou a cabeça e pensou um pouco se acreditava naquela estranha história contada por aquele trapo de gente.


--Tá bem, tá bem, velhinho. É dia de Natal, e dá para acreditar em tudo, até mesmo em milagres... Porque senão, eu teria que levá-lo até a Delegacia para explicar essa história direitinho pro dotô ...


--Foi Ele, foi Ele. O Menino!, gemia o infeliz seguindo pela avenida São José, embrenhando-se na escuridão da estrada rumo ao bairro João Paulo da Silva, saída para a vizinha cidade de Bataguassu. Em passos trôpegos e miúdos, levava no rosto, um raro, ainda que momentâneo sorriso de felicidade e encantamento. Caiu adormecido logo ali, na beira da estrada. Amanhã estaria de volta no banco da praça.

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Este artigo é uma adaptação do magnífico artigo de autoria de Mário Arias Perez (publicado no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre-RS, há mais de 30 anos), e que foi divulgado através do Informativo Chimarrão nº 13, de Brasilândia-MS, em novembro de 1995, e depois, publicado no livro O mendigo das estrelas: crônicas brasilandenses, de Carlos Alberto dos Santos Dutra, São Paulo, Editora Scortecci, 2005. p. 13-16.

O desenho que ilustra o artigo atual é o retrato do mendigo onde o professor Carlito no ano de 1998 serviu de modelo ao artista e pesquisador professor Fábio L da Silva autor do desenho feito a lápis. 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A língua Ofayé

A língua Ofayé, o reencontro e a esperança.
Carlos Alberto dos Santos Dutra




O sentimento é maior que a razão. Mas atenho-me a foto, tendo dela participado para impregná-la no tempo. Lá estavam dois embaixadores daquele povo-esperança. De um lado, o velho cacique Ofaié, Xehitâ-ha, batizado pela cultura portuguesa de Ataíde Francisco Rodrigues, e ao seu lado, um estudioso da língua Ofayé, Prof. Eduardo Rivail Ribeiro, que também se identifica com o povo Kariri e recebeu dos patrícios Karajá o nome de Kawina.

Depois de uma longa separação, o informante indígena Ofaié se reencontra com o amigo professor, mestre e doutor
, de respeitável estudo e bibliografia etnolinguistica garimpada pelos recônditos meandros de campos e cerrados brasileiros, não sem antes superar os desafios da pesquisa e as exigências da cátedra do além mar.

E lá estavam aqueles dois intelectuais orgânicos com os pés muito firmes no chão, em meio aos escombros de uma nação, sobreviventes, vislumbrando horizontes possíveis para aquele povo ressurgido, cuja língua do tronco macro-Jê é falada hoje por apenas nove pessoas. Quem os observa é Hanto-grê que se encontra ao lado. E agachado, de mão dada a ela, Ancheirai, o outro pesquisador que acompanhou o ilustre professor até a Aldeia Enodi (nödji).

É impressionante como as ideias e os sentimentos unem as pessoas não importando sua origem ou raça. Pouco importa a cor de nossa pele ou a tinta de nossos cabelos. O que permanece é o olhar e o coração: “Eu sei quem é o senhor”, disse Ataíde, logo que avistou o visitante. Já faziam mais de 10 anos que eles não se viam, e olha que eles fisicamente mudaram com o tempo, mas uma coisa permaneceu e os identificava: o lugar social.

Para ser cientista social, pesquisador, professor ou servidor de órgão oficial ou ONG indigenista é preciso ter vocação. Para além do imanente e transcendente. É preciso ser transparente, zeloso sacerdote para lidar com a alteridade. Nessa condição somos atemporais, o relógio é o sol, e o estômago é que nos alerta para a primariedade da vida e a sobrevivência. Há de se ter paciência e sensibilidade para perceber o detalhe, o detalhe importante como observa Peter Burke (1).

Obsequioso e gentil lá está o anfitrião que tem o apelido de Kren-graí, de 56 anos, mostrando ao professor suas anotações e pesquisas. Numa pequena prateleira improvisada de tábua e tijolos, reúne materiais – livros surrados, revistas e jornais velhos --, a maioria deles recolhidos pelas bordas da civilização. “Esse livro achei no lixo”, confessa sem cerimônia, sorrindo, enquanto mostra a obra de Gabriel Garcia Marques, como se guardasse o último tesouro da terra.

Pelas paredes de seu quarto, desbotadas figuras do mundo contemporâneo, de luta e símbolos de resistência – como a foto de Ingrid Bitancurt, ex-refém da FARC recém-saída do cativeiro e a estampa do Padre Marcelo Rossi animando uma multidão de fiéis num concerto para a Paz. Mosteiro de portas abertas a luz adentra aquele claustro e o mundo que o cerca revelando o homem plural e de aspirações holísticas que se encontra a nossa frente.

No esplendor de suas potencialidades intelectuais, é uma pérola, uma joia rara que, depois de lutar contra o genocídio imposto sobre os Ofaié, depois de ajudá-los empunhar a bandeira do reconhecimento étnico frente à FUNAI e soerguer esse minúsculo povo das cinzas, hoje enfrenta a hanseníase, a discriminação e a indiferença. Vive isolado numa casinha, entre plantas e a literatura, num canto da aldeia Enodi, mas se revigora e alegra ao receber visitas que o despertam para a vida.

Quando sóbrio, dá gosto conversar com esse verdadeiro depositário do cabedal histórico do povo Ofaié. Ainda que seja jovem, o aspecto é de um idoso, tamanho o peso de suas desventuras pelas trilhas do abandono. Quantas vezes pela manhã saiu feliz de uma casa, onde havia ganhado alimento e roupas novas, para logo a noite ser encontrado escondido,
somente de calção, tremendo de frio, depois de ter sido roubado, espancado e jogado no breu de uma rua qualquer, pelos descaminhos da solidariedade etílica que todos os dias ceifa a vida de dezenas de desvalidos, mesmo na pequena Brasilândia, cá num pontinho do Mato Grosso do Sul.

O rosto do grande líder se ilumina ao sintonizar as palavras do linguista com a frequência das intenções que pulsam no lado esquerdo do peito. Gesticula, sorri, faz planos. E ambos numa cumplicidade contagiante aspiram dias melhores para aquele povo. Desejam continuar, permanecer ali por mais tempo, realinhando rumos, como que trazendo o amanhã de projetos e felicidade futura para perto do tererê e a sombra que os acolhe no agã-chanagui daquela tarde que morre.

Hanto-grê, de olhos muito pequenos, chora a saudade de João Carlos Can-hê. Na casa ao lado, Neuza Teng-hô e Luciana Chamiri espreitam o amanhã de seus filhos que acabam de chegar da Escola Ofaié E-Iniecheki que funciona na aldeia. Da mesma sorte, o cacique José Kói e o professor Silvano Hang-tar-héc, partilham desta esperança. A Profª Marilda Char-tâ, segue redesenhando suas cartilhas sempre apoiando os pesquisadores que por lá aparecem, na espectativa de dar eco as palavras de Darcy Ribeiro: "A língua Ofaié está salva" (2). Seu esposo guarani-kaiowá, Roni Va-verá, em silêncio, na sua cadeira de rodas, tudo observa. Diz ao professor de longe que “lembra de tudo”. Sorri e continua falando.

Enquanto o carro se afasta levando Kawina e Ancheirai, levam eles também na mochila satisfação e uma sensação de saudade. No rasto, para os olhos de Xehitâ-ha e o restante da aldeia Enodi (nödji), fica por lá, quem sabe, a sensação de esperança.

(1) RIBEIRO, Renato Janine. Peter Burke. Entrevista a Renato Janine Ribeiro. Seção Textos. nº 20, pp. 112-8, dez/93-fev-1994.
(2) RIBEIRO, Darcy. Confissões. São Paulo, Companhia das Letras, 1997., p. 171.


Brasilândia-MS, 13 de dezembro de 2016.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Joaquim Polícia.

Joaquim Polícia, estimado cidadão brasilandense.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
 


  
  
Aquela noite havia sido especial. A Câmara Municipal estava repleta. Tinha gosto de reconhecimento e gratidão. Ao lado de outros colegas de farda lá estava ele, orgulhoso de si, com toda a sua humildade, segurando aquele troféu.

Não. Não era a arma que muito tempo foi sua companheira, ainda que presa ao coldre e usada raras vezes, com parcimônia, comedida. Tampouco a farda da guarnição a que pertenceu por tantos anos e que lhe permitiu angariar amizade e respeito, e também construir uma vida, uma família.

O que empunha nas mãos não era um regalo qualquer; era uma placa em homenagem a um ilustre morador de Brasilândia: o título de cidadão brasilandense, honraria dedicada somente aos homens e mulheres que dedicaram a vida à serviço do bem comum em prol de uma comunidade.

E ele estava lá. Em meio aos sorrisos e abraços, dos familiares e amigos, no coração palpitante do velho soldado, depois, cabo e por fim sargento, Antônio Joaquim da Silva, personificava ali o melhor de si que ao longo da vida havia conquistado, e que agora, lhe revelava a estima nutrida.

Em meios aos flashes e num piscar de olhos, roda a engrenagem do tempo e lá o encontramos como verdadeira muralha debaixo dos três paus fechando o gol, pelos campos de futebol em meio aos gramados, nas quatro linhas dos pioneiros times de futebol de Brasilândia, tendo passado por vários deles, quando teve a oportunidade de ver cada um deles nascer, crescer e florescer.

Hábil desportista, disputado por todos os treinadores locais, sempre foi um atleta zeloso e dedicado, animador e, melhor do que ninguém, os que o conheceram nesta época, e que ainda por aqui se encontram, podem sobejamente relembrar e falar das aventuras deste verdadeiro herói de uma época onde a humildade e retidão eram as virtudes dos verdadeiros homens.

Dono de uma idoneidade exemplar, no cotidiano, com a farda ou sem ela, sempre foi a mesma pessoa, tratando a todos igual. Conselheiro, e de uma alegria contagiante, o velho Quinca, como alguns o chamavam, também foi um dedicado pai, esposo, vizinho, morador e associado.

Participou ativamente das iniciativas do seu bairro, a Cohab Thomaz de Almeida, sendo um dos fundadores da AMATA, dedicando altruisticamente sua força de trabalho e suas ideias para o fortalecimento do bairro, plantando arvores, e ajudando a regar muitas delas com paciência e consciência ambiental invejável.

Mais uns passos no rumo da história e a vida lhe mostrava a oportunidade de andar de bicicleta pela cidade, mesmo depois de aposentado da polícia militar, continuou sendo um homem de alto astral, de coração grande, e sempre disposto a ajudar, dar um conselho e fazer um comentário sempre na busca da promoção humana, jamais se deixando levar pela vaidade ou a inimizade. Era um homem de paz.

O enfarto que o apartou para sempre de seus familiares, Cidinha e Willian, esposa e filho, mais próximos, deixa em todos, também nos amigos, um vácuo em nossa existência e que por muito tempo essa dor e sentimento será sentida e lembrada.

Perde Brasilândia um cidadão que, merecidamente, recebeu o tributo dedicado aos grandes homens ainda em vida. E isso nos deixa feliz. É a homenagem mínima que a municipalidade pode lhe dar naquele dezembro de 2016.

Hoje, no dia do seu passamento, só nos resta nos despedir e lembrar com saudade deste companheiro que foi exemplo para todos, e partiu para o campo aberto da eternidade, onde certamente vai encontrar antigos atletas e colegas de farda que o precederam, na querência do céu...

Descanse em paz, querido Joaquim, pois amigo, o serás para sempre.


Brasilândia-MS, 04 de setembro de 2017.

O Povo Ofaié



Os Ofaié e a Universidade: Encontro de Saberes.
Carlos Alberto dos Santos Dutra

A jovem menina Ofaié, com um sorriso nos lábios, empunhava nas mãos algo que lhe figurava mais que um troféu. Era como se carregasse nos braços o peso de um século de história. E olha que não era uma história qualquer. Tratava-se de fruto de suór e lágrimas: Um produto da cultura material de seu povo, de seus ancestrais não tão distantes.

Motivo de tanta emoção plasmava o ambiente de admiração e espanto ao ver aqueles estudantes buscando reter na lente do celular fotos antigas e documentos que marcaram a vida e a trajetória de seus parentes e que naquele momento se encontravam preservados e valorizados.

E tudo isso acontecendo dentro de uma universidade pública. No palco de um evento memorável de lançamento de uma página do Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro que naquela noite contemplava a academia com o fundo documental dedicado ao indígena Ataíde Francisco Rodrigues da Silva, o Xehitâ-ha Ofaié.

E lá estavam duas dezenas de pares de olhinhos muito atentos de estudantes indígenas e não-indígenas percorrendo os corredores e prateleiras, caixas-box de recortes de imprensa e documentos, gavetas de mapas e acervo de som e imagem daquele centro de documentação, que instigava a todos.

Estimulados pelos mestres Profª Marciana Santiago e Prof. Weslen Manari, que oportunizaram aos alunos de Brasilândia participar desta visita à universidade, a iniciativa se tornou mais significativa ainda ao contar com a participação da liderança do cacique da aldeia Ofaié e sua filha Tainá, neta do homenageado Ataide Francisco Rodrigues Xehitâ-ha Ofaié, além do representante da Funai, o amigo Olivar Brasil Moreira, popular Bili, que se uniu ao grupo marcando também presença no evento.

Já no anfiteatro, após a abertura dos trabalhos pelo Prof. Dr. Vitor Wagner Neto de Oliveira, a platéia que preenchia todos os espaços do ambiente escolhido para o evento, pode ouvir a manifestação deste escrevinhador acompanhado da liderança Ofaié, Marcelo da Silva Lins, numa troca de informações e saberes que culminou com o lançamento da segunda edição do livro “O território Ofaié pelos caminhos da história”, lançado este ano pela Editora da UFMS dentro do Projeto Saberes Indígenas na Escola.

Em meio a juventude estudantil do ensino fundamental da Escola Antonio Henrique Filho e os acadêmicos do curso de história e outras áreas afins, foi gratificante reencontrar velhos militantes da causa indígena e campesina: Miesceslau Kudlavicz, Adriana LofegoEduardo Nakamura, entre outros professores mestres e doutores ali presentes.

Maravilhoso saber que o acervo relacionado aos Ofaié está preservado e será disponibilizado a todos pesquisadores do mundo, através da página Ataíde Xehitâ-ha Ofaié, que, por intermédio do Núcleo de Documentação Histórica, se transformava agora numa ferramenta importante de divulgação da memória indígena, contribuindo assim para a democratização da informação e forte motivação para a continuidade da pesquisa.

Sim, foi um momento histórico e de suma importância para a trajetória do povo Ofaié. Depois de 30 anos de pesquisa e vivência lado a lado a uma geração de indígenas que aos poucos foi se apartando de nós, temos a sensação de que estamos semeando novamente esperança para aqueles que sobreviveram.

Pois bem. Na linha da história, a presença da Universidade junto aos Ofaié, havia começado 30 anos antes. Estávamos nós lá no final dos anos 80 e eis que os Ofaié -- ainda acampados, praticamente sem terra, nas barrancas do rio Paraná --, eles eram surpreendidos com uma visita de dois ilustres professores da UFMS-CPTL: Prof. Honório de Souza Carneiro e Prof. Nazareth dos Reis.

A universidade local desde 1986, a partir do momento que os Ofaié retornaram a sua terra natal, de onde tinham sido expulsos em 1978, passou a ser instigada pelo CIMI, CPT, CDDH, CEBI e Pastorais Sociais da Diocese de Três Lagoas, tendo a frente o um extraordinário e combativo bispo, D. Izidoro Kosinski, a voltar os olhos para essa etnia ressurgida.

A Profª Terezinha Bazé, à frente da CPTL, nesta época, foi a pioneira ao elaborar um projeto de pesquisa, documentação esta que hoje se encontra preservada no Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro. Depois surgiram outros projetos, como o da Escola Ofaié E-Iniecheki, que contou com o apoio da Profª. Edima Aranha, entre outros profissionais e acadêmicos que aos poucos foram desvelando a realidade étnica do entorno da Universidade.

Pois bem, e lá estava o Prof. Honório e seu filho Marcelo com uma filmadora fazendo um dos primeiros registros dos Ofaié nesta região e também colhendo uma entrevista com o indigenista na época. Lembro que o áudio do VHS não captou o som perfeitamente e o documentário foi salvo graças ao pequeno gravador do filho do Prof. Honório que acompanhava a equipe. Ele, na época, cursava Jornalismo  e conseguiu gravar paralelamente as entrevistas, o que depois pode ser juntado ao vídeo, com uma pequena diacronia, e aproveitado na sua edição.

Além deste material histórico que ainda precisa ser resgatado pelo Núcleo de Documentação Histórico, existe outra entrevista desta mesma época, concedida na barranca do rio Paraná pelos Ofaié e pelo indigenista na época, ao então apresentador de programa, o cantor Renato Teixeira, para a TV Educativa ou Canal Futura, não recordo bem. Trata-se de uma entrevista também de valor histórico que deverá ser recuperada para o acervo Ofaié que nesta noite é lançado.

Após a exposição do pesquisador, foi a vez dos presentes ouvirem a voz do indígena Ofaié que falou pausadamente sobre a história de seu povo até onde a memória alcançava. Apesar da pouca idade, a história oral praticada na aldeia fê-lo experienciar como nos velhos tempos os eventos ocorridos. Falou firme, confessando seu pouco estudo e vontade de crescer, fazer valer seus direitos, pisar numa universidade...

A noite já ia longe e o cacique Ofaié, Marcelo da Silva Lins, como que recuperando  o passado sob a luz das lembranças transparecia empunhar aquela arco e flecha talhado pelo velho Alfredo e Eduardinho, como os antigos caçadores e coletores da margem direita do Rio Paraná, encerrou suas palavras sendo aplaudido por todos: uma forma de reconhecimento da academia que se rendia ao saber milenar das populações indígenas devotando-lhe quiçá respeito e compromisso.


Brasilândia-MS, 13 de setembro de 2017.