segunda-feira, 31 de maio de 2021

 

Uma agulha, uma picada, um chorinho e mais uma vida salva.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


Reclamamos quando falta vacina, reclamamos quando ela não chega, reclamamos quando ela atrasa ou ainda reclamamos quando ela não se alinha com as cores ideológicas que defendemos; chegando ao ponto de recusarmos de tomá-la. Mas quando ela sequer existe? Quando os olhos compridos e lágrimas de rolam pelo rosto de irmãos nossos imploram que ela chegue até eles? Aqueles nossos irmãos que não têm com quem contar... E somente esperam...

O drama vivido pelos países pobres diante da distribuição desigual de vacinas contra a Covid-19 é a tragédia que ninguém quer ver e pouco importa para os que se encontram no ambiente de paz e segurança dos lares onde vivem.

Os profissionais de saúde dessas regiões distantes que veem todos os dias pessoas morrendo e não podem oferecer um leito para quem precisa, sente na pele o quanto a não imunização das pessoas vulneráveis é necessária.

Este foi o acordo global: vacina para todos. Só que na prática, o que se viu foi um pequeno número de países ricos monopolizando vacinas, sem se importar com os países de baixa renda que sequer podem vacinar suas próprias equipes de saúde.

A situação é percebida em diversos países que se encontram abaixo da linha da pobreza. Porém, é particularmente terrível nos países do sul da África. Os hospitais estão com capacidade máxima e as pessoas estão sendo recusadas por falta de leito e oxigênio.

Alguém poderá dizer que aqui, no Brasil, a situação é a mesma. Aqui também as instalações de saúde estão completamente sobrecarregadas e o número de mortos ultrapassou a casa dos 400 mil pela Covid-19.

A diferença está, entretanto, na forma como a vacina está sendo distribuída. De forma injusta. Sem se importar com os países mais pobres. A Índia, uma das maiores produtoras de vacina que o diga, enquanto parte de sua população sucumbe para a doença.

O desabafo da diretora das operações da organização Médicos Sem Fronteira-MSF, da Suíça, Christine Jamet reflete sobre a dimensão deste drama: não há como não concordar que a capacidade de gerenciamento dos casos de Covid-19 nesses países, sobretudo do continente Africano está sobrecarregada. É urgente a necessidade de que as vacinas cheguem até esses países e que os profissionais de saúde que lá trabalham também sejam vacinado.

Negacionismo brasileiro à parte, todos sabemos que somente a imunização é capaz de reduzir a incidência de várias doenças e até mesmo erradicá-las. A varíola, por exemplo, que chegou a matar mais de 300 milhões de pessoas somente no século 20, está extinta há mais de 40 anos. Por isso a vacinação é um alicerce para a saúde pública. E os agentes de saúde dos MSF sabem disso.

Presente em mais de 70 países os MSF vacinam milhões de pessoas vulneráveis. Ainda assim, muitas doenças que podem ser prevenidas com vacinas continuam matando, anualmente entre dois e três milhões de pessoas. A cada ano, quase 20 milhões de crianças com menos de 12 anos de idade ainda não recebem as vacina básicas (dados da OMS).

Doenças como sarampo, pneumonia, meningite, poliomielite, hepatite B, ebola, tuberculose, rubéola e febre amarela podem se espalhar rapidamente. Com frequência, a imunização tem que ser realizada em larga escala e em meio a outras situações de crise, em regiões atingidas por conflitos ou desastres naturais, por exemplo. 

Só para ter ideia, em 2019, foram registrados 869.770 casos de sarampo no mundo, com mais de 200 mil mortes (dados da ONU). Um grande número de pessoas, entretanto, continua correndo risco de contrair a doença, especialmente em regiões onde os surtos são frequentes e os sistemas de saúde são ineficientes ou inexistentes.

Para a distribuição equitativa das vacinas, o desafio que sobrecai sobre os países pobres é enorme, sobretudo o causado pelo difícil acesso, quando as vacinas precisam ser levadas por motocicletas, barcos ou até mesmo a pé, para chegar a seus destinos. 

Soma-se a isso a fragilidade das vacinas, pois a maior parte delas precisa ser mantida sob refrigeração para não perder a eficácia. Isso significa que as equipes de saúde precisam dispor de geladeiras, geradores de energia e combustível para levá-las até os lugares mais remotos para garantir sua conservação e durabilidade.

A jornada das vacina envolve verdadeira odisseia de complexidade que começa nos aeroportos das capitais quando as vacinas chegam e são enviadas ao centros de armazenamento e de lá transportadas por via terrestre em caminhões refrigerados até a alfândega e sala de temperatura controlada para garantir a sua conservação. Dali é transportada até as bases mais próximas em caixas térmicas portáteis.

A partir daí começa sua via-crúcis em meio às savanas, rios e desertos, quando essas caixas térmicas conduzidas por tantas mãos adentram as aldeias e povoados, geralmente sem energia elétrica, o que exige rapidez de carros e motocicletas, bicicletas e barcos, ou a pé mesmo, no transporte das doses, avançando sobre regiões inóspitas e cuja temperatura ambiente supera os 40ºC.

O desafio continua em curso, e representa um custo muito alto cujos países pobres não podem suportar para atingir pessoas que vivem, por exemplo, no Afeganistão, na região de Ahmed Shah Baba, no leste de Cabul; ou no imenso continente da República Centro-Africana, distrito de saúde de Baboua-Aba; ou na região do Timbuktu, no Mali; ou no Hospital Hangha, distrito de Kenema, na Serra Leoa; ou na aldeia de Likasa, na República Democrática do Congo, ou também nas margens do lago Mirini, no Amazonas, lugares onde a presença de agentes de saúde só é possível pelo voluntariado exercido pelo MSF.

Apoiá-los neste trabalho de vacinação que desenvolvem em lugares onde ninguém quer ir, é a chave para controlar doenças infecciosas e salvar vidas. Nas palavras do pediatra Sérgio Cabral que trabalhou no Sudão pelo MSF, a maior dificuldade é enfrentar de frente a miséria. Enquanto uns esbanjam fortunas, outros pedem um pouco de alimento. Enquanto o mundo se preocupa com a nova moda em Paris, outros não têm o que vestir, diz ele, mas sem perder o otimismo (1).

Uma agulha, uma picada, um chorinho e uma vida toda de proteção. As populações apoiadas pelo trabalho de MSF já sofriam pela dificuldade de acesso a cuidados de saúde, porém, agora com o drama da Covid-19, viram-se seriamente impactadas pelas consequências e restrições diante da crise mundial.

Somente através da ajuda solidária a entidade Médicos Sem Fronteira-MSF poderá continuar vacinando para prevenir epidemias e salvar vidas. Fazer uma doação a esta causa - https://www.msf.org.br/area-doador - é mais do que um gesto de solidariedade. É um gesto de humanidade.

Brasilândia/MS, 31 de Maio de 2021.

 

(1) https://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL253424-5602,00-SUDAO+E+MAIS+TRANQUILO+QUE+O+BRASIL+DIZ+MINEIRO+NO+MEDICOS+SEM+FRONTEIRAS.html acesso em 31.Mai.2021.

Fonte: LEMOS, Ana. Vacinação Urgente. Médicos Sem Fronteiras-MSF. Rio de Janeiro, Mar.2021.

 Foto: Arquivo pessoal. G1, Daniella Machado. Sudão é mais tranquilo que o Brasil, diz mineiro no                 Médicos Sem Fronteiras, 10.Jan.2008.

sábado, 29 de maio de 2021

 

Kit-Covid e a esperança que não cura (Parte 1)

Carlos Alberto dos Santos Dutra



O uso do chamado Kit-Covid e seus componentes, todos sabemos é usado regularmente nas redes públicas de saúde hospitalar no tratamento sintomático desta virose. Assim como a maior parte dos 79 municípios do Estado e os 5.570 municípios do restante do País, Brasilândia se inclui entre eles sendo usado com as devidas precauções e responsabilidade médica. 

É sabido, entretanto, que a venda de alguns dos componentes deste Kit, por motivações pretensamente preventivas, também é realizada em farmácias e drogarias, colocando-o ao alcance do cidadão comum que, mesmo sem saber, se automedica, agradece e se acha protegido.

A falácia, entretanto começou há um ano quando a infecção pelo SARS-CoV-2, em número cada vez mais crescente, ceifava vidas diuturnamente e as redes de saúde pública se viam às voltas com as dificuldades relacionadas ao desconhecimento do modus operandi do vírus e o manejo da doença, ainda sem tratamento eficaz disponível.

Desde o início da pandemia, muitos medicamentos já utilizados em outras doenças foram propostos como possibilidades terapêuticas contra Covid-19,  os chamados medicamentos reposicionados, entre eles a cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina, a ivermectina, a nitazoxanida, o remdesivir e a azitromicina.

O Presidente, transformado em garoto propaganda foi um deles que saiu à TV anunciando o paliativo para combater o vírus que chamou, depois, de gripezinha. Entretanto, um ano após o início da pandemia, não há evidências científicas que respaldem o uso dessas substâncias na prevenção ou tratamento da Covid-19. Mesmo assim elas continuaram a ser usadas.

O artigo O 'Kit-Covid' e o Programa Farmácia Popular do Brasil, publicado nos Cadernos de Saúde Pública, da Revista SciElo Brasil, em 22.Fev.2021, ao qual nos reportamos, assevera que num primeiro momento, os países viram em alguns desses medicamentos uma esperança de cura, hoje os descartaram de seus protocolos (1).

Ainda em junho de 2020, porém, o governo dos Estados Unidos já havia suspendido a autorização de uso emergencial que permitia que o fosfato de cloroquina e o sulfato de hidroxicloroquina fossem utilizados para tratar pacientes hospitalizados com Covid-19, fora de ensaios clínicos. O comunicado emitido pela Agência Americana de Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA), dizia que os eventuais benefícios atribuídos à cloroquina e hidroxicloroquina não compensavam os riscos conhecidos de seu uso.

Recentemente um grupo de pesquisadores, entre eles Cláudia Du Bocage Santos-Pinto, do Instituto Integrado de Saúde, aqui do Mato Grosso do Sul (UFMS), mencionam que mesmo diante deste cenário, a postura adotada pelo governo brasileiro foi a de incentivar a utilização dos medicamentos, dando à cloroquina e à hidroxicloroquina status de “bala de prata” contra a Covid-19. Protocolos do Ministério da Saúde, ainda vigentes, incluem estes medicamentos como indicações para o manejo de pacientes com sintomas leves, moderados e graves, e nas diversas fases de evolução da doença (2).

Desnecessário dizer que a promoção do uso de cloroquina e hidroxicloroquina trouxeram consequências diversas. Desde o campo da política até a seara médica; desde o campo farmacêutico ao mundo dos negócios da indústria da saúde. Só para se ter ideia, uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF) comparou as vendas de medicamentos e suplementos alimentares, de janeiro a março de 2019, com as de 2020, mostrando um aumento de 68% nas vendas de hidroxicloroquina nesse período. Em decorrência, foi observada escassez generalizada do medicamento nas farmácias, prejudicando pacientes que dele dependiam para outras condições de saúde.

No campo da geopolítica e logística, aconteceu o mais intrigante. Foi quando, no final de maio de 2020, o Governo Federal anunciou o recebimento de uma doação dos Estados Unidos de cerca de dois milhões de doses de hidroxicloroquina (3). Paradoxal e curiosamente a doação coincidiu com o anúncio do abandono do uso desse medicamento para tratamento da Covid-19 nos Estados Unidos. Benfazeja, a doação foi recebida pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército, e se somou ao quantitativo já produzido pelo órgão.

Esse investimento do governo brasileiro na produção de cloroquina se tornou alvo de investigação por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), e também de questionamento pela Câmara dos Deputados, em função do montante gasto na produção de um medicamento sem comprovação científica para Covid-19, o que poderia ferir o princípio da eficiência na administração pública.

Não seria de se duvidar que no Relatório que analisou padrões de desinformação entre países durante a pandemia mostrou, por meio de análises hipergeométrica e qualitativa, que o Brasil é o país que mais se destaca no que diz respeito à desinformação relacionada a medicamentos

Negacionistas e como se nada soubessem, a cloroquina e hidroxicloroquina continuam sendo mencionados como possíveis tratamentos ao longo da pandemia, indicando que as evidências científicas não estão sendo adequadamente captadas pelo debate público brasileiro, observaram os pesquisadores.

O artigo continua, constatando uma triste realidade: Tal fato tem forte relação com o posicionamento de autoridades e órgãos governamentais, como o próprio Ministério da Saúde, mostrando a desinformação como tática intimamente ligada às disputas políticas internas no país. A defesa do tratamento precoce, baseado em cloroquina e hidroxicloroquina e outros medicamentos, tornou-se, no Brasil, símbolo do viés político no enfrentamento da epidemia.

A alternativa dada pelo governo perpassa a disponibilização do dito Kit-Covid em unidades básicas de saúde, o que foi adotado em alguns municípios brasileiros, alinhados com a premissa do Governo Federal. O Kit-Covid consiste em uma variação de combinações que incluem, invariavelmente, a cloroquina, hidroxicloroquina, a azitromicina, a ivermectina, e mais outros medicamentos, a depender da localidade. 

Agora, o Governo Federal sinaliza para a disponibilização do Kit-Covid também nas farmácias conveniadas do Programa Farmácia Populares do Brasil-PFPB (4). Mas sobre essa história falaremos no próximo capítulo.

Brasilândia/MS, 29 de maio de 2021.

 

Referências:

Foto: Edu Andrade/O Estadão, 10.Out.2020

(1)- Autores do Artigo: Cláudia Du Bocage Santos-Pinto, do Instituto Integrado de Saúde, UFMS, Campo Grande/MS; Elaine Silva Miranda, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ; Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro/RJ. Publicado em 22.Fev.2021. Disponível em https://www.scielo.br/j/csp/a/KbTcQRMdhjHSt7PgdjLNJyg/?lang=pt#, acesso em 29.Mai.2021.

(2)- Ministério da Saúde. Nota Informativa nº 17/2020- SE/GAB/SE/MS. Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19. Disponível em http://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/12/COVID-11ago2020-17h16.pdf

(3)- Verdélio A. Brasil recebe dois milhões de doses de hidroxicloroquina dos EUA. Agência Brasil 2002; 1 jun. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-06/brasil-recebe-dois-milhoes-de-doses-de-hidroxicloroquina-dos-eua, acesso em 29.Mai.2021.

(4)- Vargas M. Saúde prevê gastar R$ 250 milhões para distribuir "kit covid". O Estado de S. Paulo 2002; 11 dez. https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,saude-preve-gastar-r-250-milhoes-para-por-kit-covid-em-farmacias-populares,70003547892, acesso em 29.Mai.2021.

terça-feira, 25 de maio de 2021

 

Bel: sonhando e ensinando a sonhar.

Carlos Alberto dos Santos Dutra




Maria Izabel Prates Oliveri, ou simplesmente Bel. Sim. Ela tem aparência simples, porque se sente feliz por estar rodeada de pessoas simples e combativas, dispostas a estender a mão aos que sofrem, perseveram e não desanimam na luta.

E sem deixar de ser bela.

Não aquela beleza em falsete que brilha sob o efeito da luz, do holofote e o flash da mídia social. Beleza e simpatia, sim, pautada por sua história de vida: mulher forte e combativa, capaz de extrair encanto do cotidiano e das lutas que fazem florir jardins de esperança, o que a mantém renovada a cada instante.

E lá recorda a menina aquele dia especial: 18 de abril de 1947, quando decidiu espiar pela fresta da vida e vislumbrar entre muitos olhares, o mundo que a rodeava. A partir daí não demonstrou mais sossego, inquieta que ficava com o sorriso de uns e as lágrimas de outros. E contrariada com o que via, decidiu pintar o mundo com cores diferentes, mais vivas, tal qual a cor do arco-íris de seu próprio coração.

O mundo que nos rodeia, às vezes, se torna pequeno para nossos sonhos e é preciso avançar. Algo dentro do peito pulsa e reclama espaço e revolução. Assim aconteceu com ela. A partir de 1974, depois de formar-se em Serviço Social em Lins/SP engaja-se no trabalho desenvolvido pelo Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor-IAJES, de Andradina/SP, reunindo fôlego para lançar voo de envergadura admirável e fazer a opção fundamental de sua vida.

Na margem direita do Rio Paraná, após a vinda de D. Izidoro Kosinski para Três Lagoas, em 1981, a Diocese, que havia feito uma aberta opção em defesa dos excluídos, dando impulso e incentivo ao trabalho da Comissão Pastoral da Terra-CPT, encarna na trilha do Servo sofredor e abre-se para o campo dos sonhos e da justiça social.

E eis que num belo dia de sol, aquela personalidade cativante e lutadora, ao lado do padre João Carlos Oliveri, com quem se casou em 1975, põe os pés em definitivo na Cidade das Águas onde o casal, com a anuência eclesiástica, inaugurava Novas Formas de Ser Igreja na região, semeando alento à luta dos marginalizados, numa clara demonstração da presença e opção eclesial ao lado dos marginalizados, anunciadas por Medelín e Puebla.

A partir de então, Três Lagoas não foi mais a mesma. Tempos difíceis, anos de chumbo, quando o país recém saía das garras da ditadura. O que exigia cada vez mais dos agentes de pastoral, duramente criticados e perseguidos pelos setores conservadores da sociedade, sobremaneira, pelo modo de pensar burguês e ruralista.

Mas Bel, que nunca foi uma menina de se intimidar, criou laços e logo se viu ao lado de outras companheiras como Belkiss Maria Kudlavicz e religiosas como a irmã Nair Ribeiro Cardoso, da CPT, e outros, desde o tempo do Ernesto Chico Brambatti que assumia, na época, o informativo Vida Diocesana revigorado.

Fôlego assim, para a criação do Serviço de Formação de Agentes Populares-SFAP, a Pastoral dos Direitos Humanos, as Pastorais Sociais, as Comunidades Eclesiais de Base-CEBs, o Centro de Estudos Bíblicos-CEBI e por último, o Conselho Indigenista Missionário-CIMI.

Tudo apontava para um novo horizonte da fé nestas terras outrora habitada pelos Kayapó meridionais e Ofaié. E a companheira Bel passou, assim, a marcar presença, tal qual uma estrela polar guia apontando caminhos. O mundo solidário que ela buscava empreender através de seus passos, gestos e palavras, nunca a deixava sozinha. A cada passo, uma conquista na aurora de sua vida, criando vínculos, aliados e simpatia.

Família, esposo, profissão e filhos, todos  os acolheu com dedicada ternura e zelo, sempre os mantendo firmes, conduzindo-os com coragem e responsabilidade, sustentando-os no vigor de seu braço, mesmo após a morte da Hanako e Giancarlo em 1996.

Mesmo na dor, nunca descuidou da luta, reservando heroica a bandeira dos sonhos empunhada pela garra e a utopia possível de se realizar. Com a força de seus braços, coração e mente entrega-se de corpo e alma à justiça e à liberdade.

E como, na maior parte das vezes, é impossível comprometer-se sem meter a mão na massa, sem tocar na terra e colocar o dedo na ferida, não houve como não levantar a voz e denunciar. E lá avança a assistente social, como militante na política  concorrendo às eleições de 1996, elegendo-se a primeira mulher vereadora pelo PT em Três Lagoas. Dali em diante o engajamento e cidadania a fez acreditar nesta via de luta (1).

Numa demonstração de que a via político-partidária não vive dissociada das lutas populares, nunca olvidou de estar ao lado das bandeiras do povo. E lá encontramos novamente a guerreira empunhando o antídoto para combater a fleuma que por vezes se abate sobre a esperança candente dos que lutam e sonham.

De braços dados com a Educação e Sindicatos; em defesa da Saúde e da Vida; contra o Preconceito e a Discriminação, e lá está a timoneira desafiando a coluna das águas e do tempo, à semelhança de uma imortal Dorcelina, semeando flores, verbo e energia às mulheres; verdadeiras Margaridas aguerridas, que através de passos decididos alimentam e mantém a velha guarda da esquerda nas trincheiras e olhos do amanhã.

Uma centelha de luz, um toco de vela, um voto de esperança; um olhar de beleza, delicadeza e confiança; abraço e companheirismo; sorriso e caminhar de mãos dadas; orgulho para os amigos tê-la como parceira e companheira nesta viagem. Nossa querida Bel permanece firme e forte, imprescindível para a história, com os pés sempre prontos para caminhar. História sua e a do companheiro João que se encontra lá do alto, iluminando as sandálias, e por vezes o andar descalço, romântico, de sua amada.

Enquanto a festa da vida que envolve a todos com a alegria, a música e o perfume suave que desprende de seu caminhar, não há como não saudá-la e homenageá-la. Porque, mulher como ela, que sonha e ensina os que se encontram a sua volta a sonhar, sim, aniversaria todos os dias.

Tal qual uma flecha rasante lançada por entre as flores de um jardim, que ao tocar suas pétalas exalam aromas de conforto e inspiração, Bel, é como uma canção que adentra o coração dos que amam e sonham um mundo melhor possível. 

Feliz Aniversário BelMaria Isabel Prates OliveriTe amamos.  

 

Brasilândia-MS, 25 de maio de 2021. 

Dia do Trabalhador e Trabalhadora Rural.



Foto: Arquivo Adriana Lofego/Facebook, 2019. 

(1) Em 1996, Bel elegeu-se, a 4ª Vereadora mais votada, com 886 votos. Dois anos depois concorreu ao cargo de Deputada Federal, sendo a 2ª mais votada em Três Lagoas com 4.257 votos; e em 2000 concorreu ao cargo de Prefeita, onde obteve 3.949 votos, ocupando o 3º lugar entre os candidatos. Em 2004 ainda candidatou-se ao cargo de vereadora onde obteve 200 votos.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

 

Maria Angélica: Quando o arroz e o amor florescem juntos.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


No livro História de um amor comum, publicado pela escritora Laura dos Santos Dutra, em 2003, portanto há 18 anos, em meio à ficção que se mistura com a realidade familiar, ela fala de uma de suas personagens.

Bem que poderia ser o retrato heroico da caminhada de nossa irmã Maria Angélica. Tomo a liberdade de reproduzir aqui um trecho do texto que se encontra na página 19 desta pequena grande obra de nossa mãe.

De certa forma, com a licença poética que o momento exige, é a homenagem que podemos fazer a esta vitoriosa mulher que hoje aniversaria, Maria Angélica Dutra Serafin, mensagem que lhe confere poder percorrer o caminho trilhado com orgulho e lhe dá motivos de sobra para comemorar.

(...) Cercada por paisagem exuberante, por verdes cerros e ao longe, montanhas, a filha menor, tira leite de vacas, cultiva sua horta, cuida de pintos e galinhas. Deslumbrada com toda a natureza que a fascina e a nutre, suportou também a pressão e os limites da geografia sobre sua vida.

Casou cedo com um ótimo rapaz, que além de amá-la, tinha outra grande paixão na vida: a terra que lhe dava o sustento, os arrozais e os tratores.

A pesquisa do solo, o manuseio da terra, os tenros brotos do arroz que nasciam mergulhados na água, tudo isso lhe enchia o peito de um orgulho ingênuo, uma paixão verde-esmeralda que ondulava suavemente sobre os últimos raios de sol por detrás dos montes.

O arroz é amorosamente inspecionado por seus olhos vigilantes, tirando ervas daninhas, irrigando-os com paciência: tenta protegê-los da inclemência dos temporais.

Orgulhoso, contempla o fruto do seu trabalho, sorri complacente para as filhas e a esposa, e sonha com um amanhã mais próspero e compensador.

A esposa acredita no que faz. Vê as luzes da cidade que brilham ao longe e sonha. Eu sei que, tendo um caráter firme, e sendo honesta, vai cumprir a sua parte, como fez seu pai. Dúvidas quanto sua felicidade, sua mãe guarda em silêncio (...).

Sim, dona Laura, dissiparam-se as dúvidas com o tempo: aquela menina caçula cresceu, amadureceu e venceu. Na condição de mãe, mulher, profissional, esposa e avó, soube dedicar os braços ao trabalho, sem deixar de carregar o ramalhete das melhores e mais belas flores para festejar a vida que o casal construiu.

Motivos que a enchem aquele rostinho redondo e sorridente de cabelos amarelos que a mãe ainda guarda no coração, cheia de alegria e gratidão. Feliz aniversário querida filha Maria Angélica, também lhe desejam os irmãos.

Que aquele mar dourado do arroz maduro plantado a quatro mãos, descrito tão bem por dona Laura, revista a aura do teu rosto iluminando a vida, e as novas vidas que hoje se aninham nos teus braços de avó, da qual todos louvam a Deus e dão graças.

Parabéns mana querida. Feliz Aniversário. Parabéns Nani e família Dutra Serafin.

 

Brasilândia/MS, 24 de maio de 2021.


O livro História de um amor comum e outros da autora Laura dos Santos Dutra se encontram em: https://clubedeautores.com.br/livro/historia-de-um-amor-comum


sábado, 22 de maio de 2021

 

Feliz Aniversário Cidão da Viola, patrimônio cultural de Brasilândia.

Carlos Alberto dos Santos Dutra




 

Não é de hoje que o Cidão da Viola circula no meio artístico de Brasilândia. Assim lembra o cidadão Alcides da Silva, hoje com 73 anos de idade, e que adotou o nome de Tony Carrero como ele mesmo narra em uma entrevista que se encontra na íntegra no portal do Youtube [1].

Assim inicia o artigo sobre a vida deste talento de Brasilândia no volume 2 – Patrimônio, da coleção Historia e Memória de Brasilândia, que se encontra em vias de ser publicado e que antecipo aqui alguns trechos desta história original por uma razão muito especial: o aniversário do amigo Cidão da Viola, verdadeiro patrimônio cultural de nossa cidade.

Assim como que por inspiração divina ele possui a capacidade de traduzir em palavras simples, mas encorajadoras, o que percebe a sua volta, graças a seu sentido aguçado, humano e natural de proteção da vida. Além de pai exemplar que sempre lutou em defesa de sua família, jamais descuidou dos amigos, nutrindo laços por demais duradouros com a música e a comunidade local.

Nascido na cidade de Montes Claros/MG, no dia 23 de maio de 1948, casou com dona Maria R. da Silva tendo com ela a felicidade de embalar e ver criados três filhos: Carlos César da Silva, Roberto da Silva e Cristiane R. da Silva.

Conhecido como Cidão da Viola é um homem simples e comunicativo. Filho de Aristides da Silva e de Judite Pereira da Silva iniciou sua vida profissional aqui em Brasilândia como motorista autônomo, nunca deixando de lado o dom da música que o acompanhou desde jovem, como cantor e compositor.

Sobre sua vida, ele mesmo conta que foi criado na região de Tupã, Pompeia, Queiroz. E de lá a gente viveu até os 14 ou 15 anos. Acho que nunca passou pela minha cabeça de tocar viola naquele tempo. E aí, morando nessas regiões aqui de Pacaembu, aí, por influência do Tião Carrero, hoje me tornei um violeiro; sou um dos maiores violeiros da minha casa, sem dúvida, brinca ele sorrindo.

Sobre seu encontro com a viola ele recorda:  Rapaz, essa viola, esse dom da viola, você sabe que aqui agora, é trazido por Deus. E aí, nas épocas, nós tiramos anos atrás de Tião Carrero, que foi o grande mestre da viola, na qual todos os violeiros que toca viola hoje é inspirado nele.

Na entrevista, ao ser solicitado para dar uma palhinha de suas músicas, ele concede uma verdadeira aula de teoria musical, e recomenda: Quase todos os violeiros, se ele não aprender tocar o pagode de Brasília, [do Tião Carrero] ele não vai ser um bom violeiro. Ele tem que passar pelo pagode de Brasília e tanto outros mais.

Nesta entrevista Cidão da Viola fala de suas composições revelando comedida alegria de vê-las, ao menos, sendo gravadas, ainda que adaptadas: Eu particularmente em matéria de composição eu tenho uma música gravada pelos rapazes lá de Campinas/SP. E gravei agora a pouco, esses dias atrás aí, umas seis ou sete músicas, elas foram adaptadas para o meio evangélico. Entre elas, por sinal, tem a música Momentos Finais que vai dar muito disco, sonha cheio de esperança.

No ano de 2000 ele foi homenageado pela 6ª edição do Concurso Literário, durante os festejos do 35º aniversário de Brasilândia, oportunidade em que foi aplaudido pelos presentes, isso no tempo da secretária de educação Célia Tech, fazendo história no mundo artístico de Brasilândia.

Entre as letras e músicas por ele produzidas, uma delas, a mais bela canção composta por ele foi concebida em homenagem ‘A velha estrada do Porto’, que por mais de 50 anos ligou Brasilândia até a margem do rio Paraná rumo a balsa de Panorama/SP, verdadeiro hino para a cidade esperança.

Feliz Aniversário seu Alcides da Silva, Tony Carrero, o nosso Cidão da Viola. Aceite o abraço de teus fãs e amigos e, entre eles o aceno lá do Céu, de seu fiel parceiro Delcino de Oliveira, o Curió da Cachoeira, derramando sobre ti muita luz, saúde e inspiração para continuar criando tão belas páginas musicais que nos fazem carinho e confortam o coração. Parabéns, felicidades. Obrigado Cidão da Viola! Te amamos.

 

Brasilândia/MS, 23 de maio de 2021.

 

Foto 1- Apresentação cultural de Alcides da Silva (Cidão da Viola), no evento do Instituto Cisalpina, na Câmara Municipal de Brasilândia, Moisés Viana/Patricia Acunha, 20.Jul.2019

Foto 2- Alcides da Silva, o Tony Carrero, o nosso Cidão da Viola e o Curió da Cachoeira fazem apresentação em noite cultural no Anfiteatro Ramez Tebet em Brasilândia, Prefeitura Municipal de Brasilândia, 2013.

[1] Toni Carrero de Brasilândia. https://www.youtube.com/watch?v=Ui2gwO7r76g, publicado em 22.Set.2010 por Izaías Gomes. Também em https://www.youtube.com/watch?v=s3F5E2Gt2rk, publicada em 29.Jul.2014. Vídeo postado por Marcos Martins, acesso em 15.12.2016.





















segunda-feira, 17 de maio de 2021

 

A bênção vovó Aparecida Monção Batista.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Um dia cheguei naquela casa, era o ano de 2016, já não lembro bem o motivo. Ao longe, da porteira do sitio já se percebia tratar-se de uma casa simples, mas acolhedora. O carro aos poucos vai se aproximando e nota-se ao redor da casa feita de madeira, a sua volta, uma espaçosa varanda que a contornava, como se uma saia rodada de crochê fosse.

Pontilhada, se percebia, no desvão de suas colunas de madeira rústica, folhagens e flores em vasos, outras suspensas, formadas por trepadeiras, samambaias e rosas em pequenos potes que transformavam aquele ambiente como se uma bela casa encantada fosse.

E ela estava lá. De estatura baixa, corpo de aparência franzina, pele enrugada pelo tempo e um discreto sorriso estampado no rosto. Olhos miúdos, muito atentos, e que escondiam distâncias vividas, brilhavam como se nos tivesse mirando. Enquanto, com passos firmes, demonstrando vigor e juventude, sai ao nosso encontro nos saudando de braços abertos.

Sim, ali estava a rainha do lar. O centro da casa e motivo de ali estarmos. Dona Aparecida Monção Batista é a grande regente da orquestra daquela casa. E eu e minha esposa Vilma ali, lisonjeados pela acolhida. Enquanto ela nos pede, minutos depois, para nos aproximar, conduzindo-nos até a cozinha.

O coração da casa nos recebe com uma farta mesa para o café da tarde. Vários tipos de pães e cucas caseiras em tom dourado repousam sobre uma toalha florida, tendo ao seu redor, leite e queijo frescos, geleias, e tudo o mais para transformar aquele café com o divino sabor colonial que somente dona Aparecida podia recordar.

Desde que chegou a Brasilândia no ano de 1956, esta pioneira fundadora do povoado lembrava-se de tudo, desde o começo, com Arthur Höffig. Enquanto busca pela memória e nos conta um pouco de sua história e conquistas, o filho Nilvo, auxilia lhe nas lembranças e nas datas dos acontecimentos.

Foi no dia 12 de julho daquele ano que o Nilvo nasceu, recorda. A Dirce, ao seu lado, e que nos faz companhia, sorri com as lembranças narradas pela octogenária, para o encantamento do historiador. Lembrou na ocasião das primeiras escolas rurais do município, no tempo do prefeito Marques Neto. Depois, no tempo do prefeito Patrocínio, lembrou da primeira escola estadual da cidade, o Centro Educacional Pedro Pedrossian, que funcionou até 1978 onde é o atual prédio da prefeitura.

Depois esta escola foi construída em outro lugar recebendo o nome de ex-prefeito Adilson Alves da Silva, morto em acidente de carro. O filho de dona Aparecida, professor Nilvo recorda com orgulho que chegou a estudar e integrar a primeira turma que nesta escola se formou.

Dirce é só sorriso e demonstração de admiração ver dona Aparecida tão animada e lúcida contando um pouco de sua vida. Católica fervorosa, nunca deixou de participar das missas, procissões e celebrações na paróquia Cristo Bom Pastor desde que aqui chegou. Querida por todos - por conhecer a vida do jeito que ela é - sempre estava à disposição para ajudar a quem precisava.

A tarde declina e, depois de deitar os olhos sobre o passado impregnado nas escassas fotografias do álbum de família, os visitantes despedem-se, agradecem a hospitalidade e partem. O carro se afasta e a sensação é a de que alguma coisa ficou para trás.

Nas palavras dos filhos, netos e bisnetos que hoje choram a partida de sua matriarca, eles recordam que ela foi e sempre será a rainha, a mãe e avó dedicada onde os netos corriam para receber a bênção, um cheiro e um beijo, recordam com saudade. E lá estão aqueles que sempre a amaram e que o último beijo não pode ser dado (em razão da malfadada doença). É o lamento e a saudade que vão ficar.

Dona de um coração bom, grande e generoso, era uma mulher doce ao estilo antigo: capaz de olhar o interior da pessoa sem se importar com sua aparência. Sábia, autêntica, uma desbravadora que trilhou o caminho da dignidade, do respeito e do trabalho. Coisa rara nos dias de hoje. E por isso ela é merecedora de toda a nossa admiração.

Vai deixar saudade reunir a família ao redor da mesa e ouvir suas histórias e conselhos onde, mesmo em silêncio, sempre deixou falar a voz do coração: a linguagem que todos entendem. Obrigado vovó Aparecida Monção Batista por aquela tarde imorredoura. Descanse em paz serena guerreira.

Brasilândia-MS, 17 de maio de 2021. 

Foto 1: Facebook, 2021.

Foto 2: Prof. Nilvo, dona Aparecida, Carlito e Dirce, fotografados pela Profª Vilma, 2016.   



 

A cidadã, a 2ª dose da Coronavac e a esperança.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.


 



A festejada vacina do Instituto Butantan contra a Covid-19 semeou esperança aos brasileiros de norte a sul. A produção nacional de uma vacina, a partir do ingrediente farmacêutico ativo-IFA e insumos vindos da China, entretanto, tornou-se a maior dor de cabeça para os governantes e a população que acabou ficando sem a segunda dose do imunizante.

Diferente da vacina produzida pelo laboratório da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz, a partir da tecnologia da Astrazênica, da universidade de Oxford, que obteve o apoio institucional do Ministério da Saúde e Presidência da República, a vacina da Coronavac, produzida pelo laboratório Butantan, ao contrário, acabou sendo preterida por razões políticas.

Fruto de uma severa e desmedida propaganda antivacina de fundo ideológico contrária ao país produtor dos insumos necessários à fabricação do imunizante no Brasil, a China passou a ser alvo de uma bateria de críticas orquestradas pelo presidente Bolsonaro, seus filhos e ministros mais próximos.

O resultado foi o fechamento das portas do maior parceiro comercial e fornecedor da maior parte dos insumos de saúde para o Brasil. E desencadeou um imbróglio diplomático e dificuldades na importação do IFA para a produção de vacinas pelo Butantan. A ponto da produção de vacina, após a entrega do segundo lote ao Programa Nacional de Imunização, entrar em colapso e paralisar.

Como se não bastasse a recusa, pelo Brasil, ainda no ano passado, de vacinas ofertadas pela norte-americana Pfizer, durante meses teve-se de ouvir impropérios lançados ao vento pelo chefe da Nação defendendo o tratamento precoce com fármacos sem reconhecimento científico para o combate à Covid-19, incentivando a aglomeração e o não uso de máscaras, dando o pior exemplo possível em público, o que mereceu reprovação de todos, inclusive internacional.

Os efeitos dessa crise logística e de irresponsabilidade estatal para com a saúde pública, com certeza, haveria de gerar sequelas deletérias, sobretudo à população que ficou privada da 2ª dose da vacinação contra a Covid-19 administrada pelos postos de saúde Brasil afora.

O município de Brasilândia não seria exceção. A despeito dos setores produtivos da sociedade local terem patrocinado no frontispício da cidade outdoor manifestando incondicional apoio a Bolsonaro, os efeitos de sua política são nefastos e não contenta a todos, trazendo prejuízo a muitos.

A cidadã que tomou a 1ª dose da vacina da Butantan é uma delas. Na verdade, ficou a ver navios por culpa do desvario do Presidente. Há 45 dias ela recebeu a 1ª dose da vacina Coronavac; deveria ter recebido a 2ª dose no máximo em 28 dias. Passados 17 dias da data limite e a dose de reforço ainda não havia atracado no porto da Cidade Esperança.

As diferentes orientações e desencontros do Ministério da Saúde respingaram pesados sobre os Estados e Municípios. Quando o ex-ministro da saúde, o general Eduardo Pazuello recomendou ainda em fevereiro deste ano, que os gestores utilizassem todo o quantitativo de doses na vacinação do povo, a porteira foi aberta. E a boiada insana passou.

Ministros, secretários e chefes dos Executivos estaduais e municipais, em nenhum momento tiveram o tirocínio de antever a tragédia anunciada desde o início da pandemia pautada no destempero da conduta e desatino do Presidente e sua trupe.

Dias depois, a orientação do Ministério mudou: Estados e Municípios deveriam reservar estoque da Coronavac para garantir a segunda dose. Agora, sob a gestão do ministro Marcelo Queiroga, a recomendação é de que seja feita a reserva, tendo em vista os atrasos no fornecimento de insumos imunizantes.

Atrasos que se tornaram frequentes a ponto de, só em Campo Grande, ter-se mais de 40 mil pessoas a espera da 2º dose da Coronavac. O que faz a cidadã que recebeu somente a 1ª dose, no dia 3 de abril e desde então espera, se perguntar: E agora, ¿Que hacer?

Dias atrás, o Instituto Butantan em nota pública deu uma resposta à pergunta da cidadã sobre a validade da solitária dose que recebera: É improvável que intervalos aumentados entre as doses das vacinas ocasionem a redução na eficácia do esquema vacinação, noticiaram.

Explicação que foi corroborada pelas palavras do diretor do Butantan, o médico Dimas Covas: mesmo que a pessoa tome a segunda dose 14 dias, 20 dias ou um mês após a data prevista, não há interferência no esquema vacinal.

A réstia de alegria da cidadã, entretanto, não sobrevive a minutos. Apesar da explicação do Governo, especialistas informam: receber a segunda dose fora do prazo não é ideal. E confessam que ainda não tinham uma resposta concreta sobre as consequências de não se receber a 2ª dose da Coronavac após duas semanas da data prevista.

Em face do desalento e angústia, o sentimento que lhe vem à mente e que a impulsiona fazer frente ao drama social e sanitário vivido -- ao lado de muitos brasileiros em igual situação a sua --, é agarrar-se ao mastro da Fé em Deus confiante que o Senhor da História proverá. 

Enquanto isso a cidadã, com seu grito, segue desafiando o vento, sem deixar de acreditar no barco esperança chamado Brasil, e com ele fazer todo o esforço para não deixá-lo soçobrar.

 Brasilândia/MS, 17 de maio de 2021.

 

Fonte: https://saude.ig.com.br/2021-05-02/segunda-dose-coronavac.html, acesso em 17.Mai.2021; https://g1.globo.com/google/amp/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2021/05/16/prefeitura-da-capital-da-continuidade-neste-domingo-16-a-aplicacao-da-2a-dose-de-coronavac-e-astrazeneca-saiba-quem-podera-se-vacinar.ghtml, acesso em 17.Mai.2021.

Foto: Agência Globo, 02.Mai.2021.

domingo, 16 de maio de 2021

 Obrigado motorista Paulo César da Silva.

Carlos Alberto dos Santos Dutra






A aurora ainda nem cumprimentou o novo dia e lá vai ele pelas estradas no oficio de servidor público. Em meio ao sol escaldante do meio dia ou o breu da noite que o perigo esconde, lá está ele de olhos firmes no volante.

O roteiro ele carrega na cabeça: hospitais, clínicas, laboratórios, farmácias, oficinas, comércio, gabinetes, e favores a quem precisa.

Levando e trazendo pessoas, seja na ambulância, seja em carro comum da saúde, nunca perde o bom humor animando aqueles que ele conduz ao destino.

Solidário com os doentes muitas vezes foi visto adentrando ao hospital sorridente e cumprimentando a todos. Mais que isso: visitando paciente nos quartos, levando alegria e esperança aos que ali se encontravam em busca de tratamento.

Pacientes terminais, às vezes, na última viagem de ida, cheios de esperança; e na volta com os dias escassos contados. E ele sempre os animando na confiança em Deus.

Tarefa difícil essa de lidar nesta hora com aqueles cuja saúde lhe escapa entre os dedos e os lábios só sabem murmurar tristeza e desalento, queixando-se de tudo.

Mas lá se encontra o motorista transformado em verdadeiro anjo da guarda zelando por aqueles que buscam socorro e remédio para suas dores.

Algumas vezes excede-se na velocidade por razões justas, pois afinal, o paciente tem pressa e precisa estar às sete horas em Campo Grande para ser atendido, se não perde a consulta.

Ainda assim, ele mantém-se sempre brincalhão, no posto de saúde, no hospital, desde o tempo da AVCC, ou andando na rua, dialogando com sua comunidade e o mundo.

Abana, acena, gesticula, fala, grita, critica, instiga. E sorri em alto e bom tom. Mesmo quando o preconceito da cor lhe acolhe, e o faz brincar ainda mais.

Por onde ele passa o som de suas palavras ditas em tom de brincadeira -- e que escondem verdades observadas por quem já rodou um bom pedaço de chão --, por vezes são desconcertantes. 

É impossível falar sobre ele e não emitir um juízo de valor que não envolva a sua singular disposição em ajudar.

Dedicado, solícito e prestimoso pode ser considerado um homem de raras habilidades e está sempre disposto a ajudar a quem precisa, dentro e fora de seu serviço.

Seus superiores podem até não concordar com seu jeito de ser, de falar e relacionar-se com os demais, mas uma coisa é certa: com ele sempre podem contar, mesmo para as tarefa mais difíceis.

O reconhecimento da comunidade pela sua dedicação pode ser medido pelas palavras de Fabiana Silva: (...) ele nunca fez somente o papel de motorista, ele sempre fez a acolhida do paciente, fez muito mais do que o papel exigia, fez o que o coração mandava.

E assim como tantos recorda: (...) quantas madrugadas, no inverno, após horas dirigindo para o destino, ao chegar ao hospital era ele quem descia do carro e ia pra fila pegar as senhas para os pacientes, enquanto nós podíamos descansar no quentinho do veículo mais umas duas horinhas antes do hospital abrir? Todas as vezes, é a resposta...

Os testemunhos são muitos e confirmam o tanto de seu desprendimento: (...) perdi as contas de quantas vezes ele estava lá nos dando força, nos visitando no quarto durante a aplicação do medicamento, foi minha força por muito tempo, confessam aqueles aos quais esteve ao lado nos momentos difíceis da vida.

Ao lado dos demais colegas motoristas, Paulo César da Silva, o popular Boca completa o quadro dos valorosos servidores da Saúde, grupo por vezes pouco valorizado e trabalho subestimado.

Nestes tempos de pandemia, nos seus 60 ano de idade, trata-se de um profissional humano cuja presteza laboral tem sido de natureza imprescindível ao funcionamento da máquina do serviço público.

Motivo de orgulho para a esposa, filhos e netos, e todos os que com ele convivem na comunidade e no trabalho. Felicidade saber que por suas mãos e presteza, medicamentos e vacinas são transportadas, pacientes e vidas são preservadas.

Razão pela qual é merecedor de nossas homenagens e agradecimento. Obrigado Paulo César da Silva, o nosso popular Boca.

Brasilândia-MS, 16 de maio de 2021.


Foto: Ambulance, iStock Getty Images; Facebook/Keyla Brito,2017.

Depoimento de Fabiana Silva recolhido em https://www.facebook.com/fabiana.silva.52056.