Bel: sonhando e ensinando a sonhar.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Maria Izabel Prates Oliveri, ou simplesmente Bel. Sim. Ela tem aparência simples, porque se sente feliz por estar rodeada de pessoas simples e combativas, dispostas a estender a mão aos que sofrem, perseveram e não desanimam na luta.
E sem deixar de ser bela.
Não aquela beleza em falsete que brilha sob o efeito
da luz, do holofote e o flash da mídia social. Beleza e simpatia, sim, pautada
por sua história de vida: mulher forte e combativa, capaz de extrair encanto do
cotidiano e das lutas que fazem florir jardins de esperança, o que a mantém renovada
a cada instante.
E lá recorda a menina aquele dia especial: 18 de
abril de 1947, quando decidiu espiar pela fresta da vida e vislumbrar entre
muitos olhares, o mundo que a rodeava. A partir daí não demonstrou mais
sossego, inquieta que ficava com o sorriso de uns e as lágrimas de outros. E contrariada
com o que via, decidiu pintar o mundo com cores diferentes, mais vivas, tal
qual a cor do arco-íris de seu próprio coração.
O mundo que nos rodeia, às vezes, se torna pequeno
para nossos sonhos e é preciso avançar. Algo dentro do peito pulsa e reclama
espaço e revolução. Assim aconteceu com ela. A partir de 1974, depois de
formar-se em Serviço Social em Lins/SP engaja-se no trabalho desenvolvido pelo Instituto
Administrativo Jesus Bom Pastor-IAJES, de Andradina/SP, reunindo fôlego para lançar
voo de envergadura admirável e fazer a opção fundamental de sua vida.
Na margem direita do Rio Paraná, após a vinda de D. Izidoro
Kosinski para Três Lagoas, em 1981, a Diocese, que havia feito uma aberta opção
em defesa dos excluídos, dando impulso e incentivo ao trabalho da Comissão
Pastoral da Terra-CPT, encarna na trilha do Servo sofredor e abre-se para o campo
dos sonhos e da justiça social.
E eis que num belo dia de sol, aquela personalidade
cativante e lutadora, ao lado do padre João
Carlos Oliveri, com quem se casou em 1975, põe os pés em definitivo na Cidade
das Águas onde o casal, com a anuência eclesiástica, inaugurava Novas Formas de Ser Igreja na região,
semeando alento à luta dos marginalizados, numa clara demonstração da presença e
opção eclesial ao lado dos marginalizados, anunciadas por Medelín e Puebla.
A partir de então, Três Lagoas não foi mais a mesma.
Tempos difíceis, anos de chumbo, quando o país recém saía das garras da
ditadura. O que exigia cada vez mais dos agentes de pastoral, duramente
criticados e perseguidos pelos setores conservadores da sociedade,
sobremaneira, pelo modo de pensar burguês e ruralista.
Mas Bel, que
nunca foi uma menina de se intimidar, criou laços e logo se viu ao lado de
outras companheiras como Belkiss Maria Kudlavicz
e religiosas como a irmã Nair Ribeiro Cardoso,
da CPT, e outros, desde o tempo do Ernesto
Chico Brambatti que assumia, na época,
o informativo Vida Diocesana revigorado.
Fôlego assim, para a criação do Serviço de Formação de Agentes Populares-SFAP, a Pastoral dos Direitos
Humanos, as Pastorais Sociais, as Comunidades Eclesiais de Base-CEBs, o Centro
de Estudos Bíblicos-CEBI e por último, o Conselho Indigenista Missionário-CIMI.
Tudo apontava para um novo horizonte da fé nestas
terras outrora habitada pelos Kayapó
meridionais e Ofaié. E a companheira Bel passou, assim, a marcar presença, tal
qual uma estrela polar guia apontando caminhos. O mundo solidário que ela buscava
empreender através de seus passos, gestos e palavras, nunca a deixava sozinha.
A cada passo, uma conquista na aurora de sua vida, criando vínculos, aliados e
simpatia.
Família, esposo, profissão e filhos, todos os acolheu com dedicada ternura e zelo, sempre
os mantendo firmes, conduzindo-os com coragem e responsabilidade, sustentando-os
no vigor de seu braço, mesmo após a morte da Hanako e Giancarlo em
1996.
Mesmo na dor, nunca descuidou da luta, reservando heroica
a bandeira dos sonhos empunhada pela garra e a utopia possível de se realizar.
Com a força de seus braços, coração e mente entrega-se de corpo e alma à
justiça e à liberdade.
E como, na maior parte das vezes, é impossível
comprometer-se sem meter a mão na massa, sem tocar na terra e colocar o dedo na
ferida, não houve como não levantar a voz e denunciar. E lá avança a assistente
social, como militante na política concorrendo
às eleições de 1996, elegendo-se a primeira mulher vereadora pelo PT em Três
Lagoas. Dali em diante o engajamento e cidadania a fez acreditar nesta via de
luta (1).
Numa demonstração de que a via político-partidária
não vive dissociada das lutas populares, nunca olvidou de estar ao lado das
bandeiras do povo. E lá encontramos novamente a guerreira empunhando o antídoto
para combater a fleuma que por vezes se abate sobre a esperança candente dos
que lutam e sonham.
De braços dados com a Educação e Sindicatos; em
defesa da Saúde e da Vida; contra o Preconceito e a Discriminação, e lá está a
timoneira desafiando a coluna das águas e do tempo, à semelhança de uma imortal
Dorcelina, semeando flores, verbo e energia
às mulheres; verdadeiras Margaridas
aguerridas, que através de passos decididos alimentam e mantém a velha guarda da
esquerda nas trincheiras e olhos do amanhã.
Uma centelha de luz, um toco de vela, um voto de esperança;
um olhar de beleza, delicadeza e confiança; abraço e companheirismo; sorriso e
caminhar de mãos dadas; orgulho para os amigos tê-la como parceira e
companheira nesta viagem. Nossa querida Bel
permanece firme e forte, imprescindível para a história, com os pés sempre
prontos para caminhar. História sua e a do companheiro João que se encontra lá do alto, iluminando as sandálias, e por
vezes o andar descalço, romântico, de sua amada.
Enquanto a festa da vida que envolve a todos com a
alegria, a música e o perfume suave que desprende de seu caminhar, não há como
não saudá-la e homenageá-la. Porque, mulher como ela, que sonha e ensina os que
se encontram a sua volta a sonhar, sim, aniversaria todos os dias.
Tal qual uma flecha rasante lançada por entre as flores de um jardim, que ao tocar suas pétalas exalam aromas de conforto e inspiração, Bel, é como uma canção que adentra o coração dos que amam e sonham um mundo melhor possível.
Feliz Aniversário Bel, Maria Isabel Prates Oliveri. Te amamos.
Brasilândia-MS, 25 de maio de 2021.
Dia do Trabalhador e Trabalhadora Rural.
Foto: Arquivo Adriana Lofego/Facebook, 2019.
(1) Em 1996, Bel elegeu-se, a 4ª Vereadora mais votada, com 886 votos. Dois anos depois concorreu ao cargo de Deputada Federal, sendo a 2ª mais votada em Três Lagoas com 4.257 votos; e em 2000 concorreu ao cargo de Prefeita, onde obteve 3.949 votos, ocupando o 3º lugar entre os candidatos. Em 2004 ainda candidatou-se ao cargo de vereadora onde obteve 200 votos.
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