segunda-feira, 17 de maio de 2021

 

A bênção vovó Aparecida Monção Batista.

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Um dia cheguei naquela casa, era o ano de 2016, já não lembro bem o motivo. Ao longe, da porteira do sitio já se percebia tratar-se de uma casa simples, mas acolhedora. O carro aos poucos vai se aproximando e nota-se ao redor da casa feita de madeira, a sua volta, uma espaçosa varanda que a contornava, como se uma saia rodada de crochê fosse.

Pontilhada, se percebia, no desvão de suas colunas de madeira rústica, folhagens e flores em vasos, outras suspensas, formadas por trepadeiras, samambaias e rosas em pequenos potes que transformavam aquele ambiente como se uma bela casa encantada fosse.

E ela estava lá. De estatura baixa, corpo de aparência franzina, pele enrugada pelo tempo e um discreto sorriso estampado no rosto. Olhos miúdos, muito atentos, e que escondiam distâncias vividas, brilhavam como se nos tivesse mirando. Enquanto, com passos firmes, demonstrando vigor e juventude, sai ao nosso encontro nos saudando de braços abertos.

Sim, ali estava a rainha do lar. O centro da casa e motivo de ali estarmos. Dona Aparecida Monção Batista é a grande regente da orquestra daquela casa. E eu e minha esposa Vilma ali, lisonjeados pela acolhida. Enquanto ela nos pede, minutos depois, para nos aproximar, conduzindo-nos até a cozinha.

O coração da casa nos recebe com uma farta mesa para o café da tarde. Vários tipos de pães e cucas caseiras em tom dourado repousam sobre uma toalha florida, tendo ao seu redor, leite e queijo frescos, geleias, e tudo o mais para transformar aquele café com o divino sabor colonial que somente dona Aparecida podia recordar.

Desde que chegou a Brasilândia no ano de 1956, esta pioneira fundadora do povoado lembrava-se de tudo, desde o começo, com Arthur Höffig. Enquanto busca pela memória e nos conta um pouco de sua história e conquistas, o filho Nilvo, auxilia lhe nas lembranças e nas datas dos acontecimentos.

Foi no dia 12 de julho daquele ano que o Nilvo nasceu, recorda. A Dirce, ao seu lado, e que nos faz companhia, sorri com as lembranças narradas pela octogenária, para o encantamento do historiador. Lembrou na ocasião das primeiras escolas rurais do município, no tempo do prefeito Marques Neto. Depois, no tempo do prefeito Patrocínio, lembrou da primeira escola estadual da cidade, o Centro Educacional Pedro Pedrossian, que funcionou até 1978 onde é o atual prédio da prefeitura.

Depois esta escola foi construída em outro lugar recebendo o nome de ex-prefeito Adilson Alves da Silva, morto em acidente de carro. O filho de dona Aparecida, professor Nilvo recorda com orgulho que chegou a estudar e integrar a primeira turma que nesta escola se formou.

Dirce é só sorriso e demonstração de admiração ver dona Aparecida tão animada e lúcida contando um pouco de sua vida. Católica fervorosa, nunca deixou de participar das missas, procissões e celebrações na paróquia Cristo Bom Pastor desde que aqui chegou. Querida por todos - por conhecer a vida do jeito que ela é - sempre estava à disposição para ajudar a quem precisava.

A tarde declina e, depois de deitar os olhos sobre o passado impregnado nas escassas fotografias do álbum de família, os visitantes despedem-se, agradecem a hospitalidade e partem. O carro se afasta e a sensação é a de que alguma coisa ficou para trás.

Nas palavras dos filhos, netos e bisnetos que hoje choram a partida de sua matriarca, eles recordam que ela foi e sempre será a rainha, a mãe e avó dedicada onde os netos corriam para receber a bênção, um cheiro e um beijo, recordam com saudade. E lá estão aqueles que sempre a amaram e que o último beijo não pode ser dado (em razão da malfadada doença). É o lamento e a saudade que vão ficar.

Dona de um coração bom, grande e generoso, era uma mulher doce ao estilo antigo: capaz de olhar o interior da pessoa sem se importar com sua aparência. Sábia, autêntica, uma desbravadora que trilhou o caminho da dignidade, do respeito e do trabalho. Coisa rara nos dias de hoje. E por isso ela é merecedora de toda a nossa admiração.

Vai deixar saudade reunir a família ao redor da mesa e ouvir suas histórias e conselhos onde, mesmo em silêncio, sempre deixou falar a voz do coração: a linguagem que todos entendem. Obrigado vovó Aparecida Monção Batista por aquela tarde imorredoura. Descanse em paz serena guerreira.

Brasilândia-MS, 17 de maio de 2021. 

Foto 1: Facebook, 2021.

Foto 2: Prof. Nilvo, dona Aparecida, Carlito e Dirce, fotografados pela Profª Vilma, 2016.   



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