segunda-feira, 31 de maio de 2021

 

Uma agulha, uma picada, um chorinho e mais uma vida salva.

Carlos Alberto dos Santos Dutra

 


Reclamamos quando falta vacina, reclamamos quando ela não chega, reclamamos quando ela atrasa ou ainda reclamamos quando ela não se alinha com as cores ideológicas que defendemos; chegando ao ponto de recusarmos de tomá-la. Mas quando ela sequer existe? Quando os olhos compridos e lágrimas de rolam pelo rosto de irmãos nossos imploram que ela chegue até eles? Aqueles nossos irmãos que não têm com quem contar... E somente esperam...

O drama vivido pelos países pobres diante da distribuição desigual de vacinas contra a Covid-19 é a tragédia que ninguém quer ver e pouco importa para os que se encontram no ambiente de paz e segurança dos lares onde vivem.

Os profissionais de saúde dessas regiões distantes que veem todos os dias pessoas morrendo e não podem oferecer um leito para quem precisa, sente na pele o quanto a não imunização das pessoas vulneráveis é necessária.

Este foi o acordo global: vacina para todos. Só que na prática, o que se viu foi um pequeno número de países ricos monopolizando vacinas, sem se importar com os países de baixa renda que sequer podem vacinar suas próprias equipes de saúde.

A situação é percebida em diversos países que se encontram abaixo da linha da pobreza. Porém, é particularmente terrível nos países do sul da África. Os hospitais estão com capacidade máxima e as pessoas estão sendo recusadas por falta de leito e oxigênio.

Alguém poderá dizer que aqui, no Brasil, a situação é a mesma. Aqui também as instalações de saúde estão completamente sobrecarregadas e o número de mortos ultrapassou a casa dos 400 mil pela Covid-19.

A diferença está, entretanto, na forma como a vacina está sendo distribuída. De forma injusta. Sem se importar com os países mais pobres. A Índia, uma das maiores produtoras de vacina que o diga, enquanto parte de sua população sucumbe para a doença.

O desabafo da diretora das operações da organização Médicos Sem Fronteira-MSF, da Suíça, Christine Jamet reflete sobre a dimensão deste drama: não há como não concordar que a capacidade de gerenciamento dos casos de Covid-19 nesses países, sobretudo do continente Africano está sobrecarregada. É urgente a necessidade de que as vacinas cheguem até esses países e que os profissionais de saúde que lá trabalham também sejam vacinado.

Negacionismo brasileiro à parte, todos sabemos que somente a imunização é capaz de reduzir a incidência de várias doenças e até mesmo erradicá-las. A varíola, por exemplo, que chegou a matar mais de 300 milhões de pessoas somente no século 20, está extinta há mais de 40 anos. Por isso a vacinação é um alicerce para a saúde pública. E os agentes de saúde dos MSF sabem disso.

Presente em mais de 70 países os MSF vacinam milhões de pessoas vulneráveis. Ainda assim, muitas doenças que podem ser prevenidas com vacinas continuam matando, anualmente entre dois e três milhões de pessoas. A cada ano, quase 20 milhões de crianças com menos de 12 anos de idade ainda não recebem as vacina básicas (dados da OMS).

Doenças como sarampo, pneumonia, meningite, poliomielite, hepatite B, ebola, tuberculose, rubéola e febre amarela podem se espalhar rapidamente. Com frequência, a imunização tem que ser realizada em larga escala e em meio a outras situações de crise, em regiões atingidas por conflitos ou desastres naturais, por exemplo. 

Só para ter ideia, em 2019, foram registrados 869.770 casos de sarampo no mundo, com mais de 200 mil mortes (dados da ONU). Um grande número de pessoas, entretanto, continua correndo risco de contrair a doença, especialmente em regiões onde os surtos são frequentes e os sistemas de saúde são ineficientes ou inexistentes.

Para a distribuição equitativa das vacinas, o desafio que sobrecai sobre os países pobres é enorme, sobretudo o causado pelo difícil acesso, quando as vacinas precisam ser levadas por motocicletas, barcos ou até mesmo a pé, para chegar a seus destinos. 

Soma-se a isso a fragilidade das vacinas, pois a maior parte delas precisa ser mantida sob refrigeração para não perder a eficácia. Isso significa que as equipes de saúde precisam dispor de geladeiras, geradores de energia e combustível para levá-las até os lugares mais remotos para garantir sua conservação e durabilidade.

A jornada das vacina envolve verdadeira odisseia de complexidade que começa nos aeroportos das capitais quando as vacinas chegam e são enviadas ao centros de armazenamento e de lá transportadas por via terrestre em caminhões refrigerados até a alfândega e sala de temperatura controlada para garantir a sua conservação. Dali é transportada até as bases mais próximas em caixas térmicas portáteis.

A partir daí começa sua via-crúcis em meio às savanas, rios e desertos, quando essas caixas térmicas conduzidas por tantas mãos adentram as aldeias e povoados, geralmente sem energia elétrica, o que exige rapidez de carros e motocicletas, bicicletas e barcos, ou a pé mesmo, no transporte das doses, avançando sobre regiões inóspitas e cuja temperatura ambiente supera os 40ºC.

O desafio continua em curso, e representa um custo muito alto cujos países pobres não podem suportar para atingir pessoas que vivem, por exemplo, no Afeganistão, na região de Ahmed Shah Baba, no leste de Cabul; ou no imenso continente da República Centro-Africana, distrito de saúde de Baboua-Aba; ou na região do Timbuktu, no Mali; ou no Hospital Hangha, distrito de Kenema, na Serra Leoa; ou na aldeia de Likasa, na República Democrática do Congo, ou também nas margens do lago Mirini, no Amazonas, lugares onde a presença de agentes de saúde só é possível pelo voluntariado exercido pelo MSF.

Apoiá-los neste trabalho de vacinação que desenvolvem em lugares onde ninguém quer ir, é a chave para controlar doenças infecciosas e salvar vidas. Nas palavras do pediatra Sérgio Cabral que trabalhou no Sudão pelo MSF, a maior dificuldade é enfrentar de frente a miséria. Enquanto uns esbanjam fortunas, outros pedem um pouco de alimento. Enquanto o mundo se preocupa com a nova moda em Paris, outros não têm o que vestir, diz ele, mas sem perder o otimismo (1).

Uma agulha, uma picada, um chorinho e uma vida toda de proteção. As populações apoiadas pelo trabalho de MSF já sofriam pela dificuldade de acesso a cuidados de saúde, porém, agora com o drama da Covid-19, viram-se seriamente impactadas pelas consequências e restrições diante da crise mundial.

Somente através da ajuda solidária a entidade Médicos Sem Fronteira-MSF poderá continuar vacinando para prevenir epidemias e salvar vidas. Fazer uma doação a esta causa - https://www.msf.org.br/area-doador - é mais do que um gesto de solidariedade. É um gesto de humanidade.

Brasilândia/MS, 31 de Maio de 2021.

 

(1) https://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL253424-5602,00-SUDAO+E+MAIS+TRANQUILO+QUE+O+BRASIL+DIZ+MINEIRO+NO+MEDICOS+SEM+FRONTEIRAS.html acesso em 31.Mai.2021.

Fonte: LEMOS, Ana. Vacinação Urgente. Médicos Sem Fronteiras-MSF. Rio de Janeiro, Mar.2021.

 Foto: Arquivo pessoal. G1, Daniella Machado. Sudão é mais tranquilo que o Brasil, diz mineiro no                 Médicos Sem Fronteiras, 10.Jan.2008.

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