O sonho, a realidade e o Presidente.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Jesuíno olha para a receita médica no corredor do SUS do hospital Nossa Senhora Auxiliadora, de Três Lagoas/MS e suspira. A fila é lenta. Enquanto aguarda a sua vez, paciente, olha para o canto da sala e uma TV na parede informa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava sendo aguardado por uma multidão de pessoas nas proximidades de uma termelétrica que iria ser inaugurada pelo chefe da Nação naquele dia, há 18 anos.
--Ah! Como gostaria de estar lá para poder saudar aquele presidente-metalúrgico, presidente-trabalhador, igual a nós, pensa ele envaidecido, sorrindo para si mesmo.
Uma leve brisa dialética sopra sobre o rosto do homem já curvado pela intempérie dos anos, e de súbito, em meio a um sentimento que lhe brota da alma, se vê rejuvenescido. Sente-se um menino, militante cheio de forças e sonhos, empunhando bandeiras em prol da justiça e das causas, aquelas ditas menores, do povo.
E lá vai seu Jesuíno ao lado dos sem-terra, dos sem-teto, uma fileira de “sem”, todos ansiosos para acenar para aquele pequeno grande homem. Uns, portando faixas, outros, querendo entregar um “mimo” àquele pernambucano de garra; uns, trazendo reivindicações, outros, somente com a vontade de vê-lo de perto.
O professor também lá estava nessa hora. Até que tentou chegar perto. Mas quando o jovem policial lhe informou, com retidão e cortesia, de que necessitava de uma credencial amarela e uma tarja que devia ser colocada no para-brisa do carro e assim sua entrada no recinto seria permitida, percebeu que não somente seu Jesuíno ficaria de fora, sem ver o "seu" Presidente. Viviam semelhante condição.
E tudo foi tão rápido quando a comitiva passou. Vidros fechados, silenciosa, célere. Assessores atentos, além de reduzir os convites a menos de 200 pessoas, teriam impedido o presidente de abrir a janela do carro durante o percurso do aeroporto até o local, desculpa-se Jesuíno, em relação ao descuido de seu comandante maior.
--A fazenda desse tal Orestinho deve ser segura e o presidente, afinal, tem que ter boas relações, pensou o pobre homem em sua inocência.
O professor havia separado um de seus livros --“Razão e Utopia”--, para entregar ao presidente. Ingenuidade sua pensar que lhe seria dada a oportunidade para dedicar-lhe este agrado em meio a tanta gente importante vinda de Brasília e que cercavam o homem.
E pensar que durante a campanha eleitoral de 1994, em Itaici/SP, num debate entre os candidatos presidenciáveis, esse mesmo Luiz Inácio Lula da Silva havia se aproximado do professor, ainda jovem, e tenha lhe puxando a barba num gesto fraterno e lhe dito palavras de afeto, coisas que fariam qualquer militante seguir seu líder até as últimas consequências.
Seu Jesuíno desperta do sonho quando a senhora a sua frente na sala de espera lhe avisa que o médico já foi embora que ele deverá voltar no dia seguinte para fazer o exame. Corre até a rodoviária ainda a tempo de pegar o ônibus para Brasilândia.
De volta para sua cidade, já na estrada, pela janela, fica admirando as imagens que passam. Passam árvores, passam pastagens, e passa por ele o carro rápido do professor, que também volta para casa. O homem do volante carrega no peito a frustração resignada de não ter conseguido ver o "seu" presidente. Consola-se, pois outros integrantes de diretórios do Partido dos Trabalhadores, na época, também não conseguiram tal façanha.
Seu Jesuíno continua olhando pela janela, e adormece. Uma carreta carregada, nessa hora, ultrapassa o ônibus em que viaja. Desperta com o ruído do motor do veículo. E por um momento, rápido e fugaz, pensou ter ouvido o avião presidencial lá no alto, que deixava Três Lagoas, em direção ao Pantanal...
Publicado no Jornal Diário MS, Dourados/MS, 05 de abril de 2004
e Jornal da Cidade, Brasilândia/MS, 01-Abril a 15.Abril de 2004,
sob o título: Uma foto, senhor Presidente.
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