terça-feira, 29 de novembro de 2022

 

Por onde andam os Pioneiros da Saudade?

Carlos Alberto dos Santos Dutra




Escrever -- disse-me certa vez o saudoso Jesus Hernandez --, é um ato solitário que só é rompido quando o autor traz a lume sua obra: o livro, parido no dia do lançamento.

Palavras sábias do imortal da Academia Três-Lagoense de Letras que nos deu a honra de estar aqui em Brasilândia prestigiando uma noite de autógrafo no ano de 2005.

Eu diria mais que um ato solitário: é um verdadeiro gesto de heroísmo e paciência.

Tomo por exemplo a obra que nos últimos anos consumiu meus propósitos literários. Escrevi a história de Brasilândia, uma publicação ousada, de 5 volumes e rica bibliografia, retratando os diversos aspectos deste lugar comum que é um pouquinho de nós e de todos que por aqui aportaram.


Mas o mais difícil nesta obra -- o que parecia ser o aspecto mais fácil --, foi justamente falar dos que já partiram. O capítulo dos “Pioneiros da Saudade”, que integra o primeiro volume desta coleção. Na prática, foi o mais demorado e difícil de construir. E por uma simples razão: não temos tempo para falar de nossos mortos.

No mais das vezes lembramos seus rostos, seus pensamentos e as lembranças que ficaram. Um longo suspiro de saudade. E só. Rapidamente somos chamados aos nossos afazeres, o som de uma chamada telefônica, o aceno de um amigo, e lá vamos nós correndo para a vida e seus caprichos que não param, e cada vez mais nos assombra com sua rapidez e complexidade que nos envolve e exige.

Alguns pioneiros, moradores antigos deste lugar, cujos filhos ou netos ainda os guardam na memória ou na caixinha onde se encontram amareladas fotografias da família, oriundas de um tempo não digital. Oh! Mas como é difícil alcançá-los! É como se eles não tivessem mais espaço entre nós.

E realmente eles já não estão entre nós. Isso é um fato.

Mas o sentimento de vazio ainda é maior quando percebemos que não é somente a ausência física que é sentida. Aos poucos a invisibilidade se agiganta e suas imagens se diluem em nossos corações e mentes. E quando nos damos conta, já os perdemos de vez.

A ponto de já não termos mais tempo, sequer para falar um pouquinho sobre eles. Sua importância e o significado que representaram para a família. Os feitos da vida comunitária que ajudaram a construir. Tudo é levado pelo vento.

Esquecemos facilmente aqueles braços que abriram estradas e formaram fazendas; mãos que aplainaram madeira e alinharam tijolos; seios e ventres, lágrimas e sorrisos que alimentaram e fizeram nascer cada um dos que aqui hoje ainda vive e cruza as ruas com o passo firme cheios de si e vontade de viver.

Uma leve brisa dialética nos toma de assalto e percebemos o quão egoísta somos, o quanto ingratos nos tornamos e facilmente nos olvidamos das coisas que realmente foram importantes para todos nós.

Sim. Perdemos a memória. E a pergunta cabal carrega em si a resposta que bem sabemos: Estamos aqui porque eles nos antecederam. Foi pelos caminhos abertos por eles, que hoje trilhamos seguros, o futuro que eles plantaram.

Bem que mereciam uma palavra de agradecimento. Bem que mereciam inscrever um cadinho de suas vidas na moldura da história pela pena de um escrevinhador. Bem que cada filho, sobrinho ou neto podia dar este presente para a posteridade: imortalizar o feito destes primeiros quiçá imperfeitos, mas que tornou a todos melhores.

Esse é o desafio do escritor, do historiador, do memorialista: despertar nos vivos o quanto de vida ainda pulsa na sombra do que restou de nossos antepassados. Uma forma de homenageá-los. Porque reverenciá-los significa valorizar a nós mesmos, nossas famílias, nossa cidade.

A coleção "História e Memória de Brasilândia" em seu primeiro volume dedicado aos "Pioneiros" aguardou por um bom tempo o retorno do convite feito a rebentos dos pioneiros plantadores de tâmaras que um dia que já vai longe passaram por Brasilândia.

Logo o segundo volume, “Patrimônio” estará sendo distribuído à comunidade, sob o patrocínio da Câmara Municipal de Brasilândia. A semente foi lançada, o aceno foi dado. E para quem se encontra sentado à beira do caminho, curtindo o sonido do vento e o ardor da saudade, a trilha ainda pode ser alcançada... com um breve estender da mão.


Foto: Praça Santa Maria. Seu Tobias, Chico Doce, Zeca (pai do Loló), Ademir, Agmon, Alvino Valentim. Recolhida por Moisés Viana, 1982.

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