sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 

O candidato ideal: Ideologia ou Amizade?

Carlos Alberto dos Santos Dutra




Em tempo de eleição, falar de candidatos é fácil, sobretudo quando se está na esquina, falando com estranhos, em uma cidade estranha. Quando se fala para familiares e amigos, dentro da própria cidade, a tarefa passa a ser mais exigente e se transforma em verdadeiro desafio para os neurônios de qualquer um.

Isso porque, sobretudo nas pequenas cidades, como Brasilândia/MS onde todos se conhecem, o que se fala de alguém, na maioria das vezes, já é do conhecimento de todos não sendo novidade alguma o que se revela sobre este ou aquele cidadão ou cidadã.

Mas o calor da disputa desperta paixões e o coração de alguns, em certos momentos, salta pela boca em defesa de seus candidatos, sejam eles benfeitores, familiares ou amigos; seja por ideologia, interesse ou gratidão. E as palavras tomam forma e corpo, agigantam-se em volume e cores, às vezes ásperas e afiadas como lanças que cortam e ferem.

Dificilmente os comentários oponentes são abonadores e construtivos. Uma vez pronunciados tem como fim último, mesmo involuntariamente, um compromisso com a destruição e o aniquilamento do outro. Se o oponente não existisse melhor seria; a vitória estaria garantida, pensam.

Ideia equivocada, entretanto, é esta que os move, uma vez que a disputa é justamente o embate dos contrários. São partes da sociedade organizada em partidos que se apresentam e envidam esforços para melhor representá-la. Os adeptos e filiados dessas siglas partidárias deveriam saber disso. Até mesmo para não ferir a si e aos outros.

Na maioria das vezes defende-se pessoas e dificilmente fala-se nos partidos e ideologias que os orientam. E isso pode ser explicado devido a parca formação política do povo brasileiro que, durante 21 anos de ditadura, desaprendeu o quanto é necessário se fazer política e se ter nas mãos o destino de suas vidas e comunidade, e não entregá-lo a qualquer um.

Mas o povo a cada eleição tem a oportunidade de tomar nas mãos o exercício da democracia e poder escolher seus governantes nos três níveis de poder. Em que pese, para o nosso desalento, o olhar repousa sempre sobre aqueles que estão mais próximos e não na ideologia que defendem.

Razão até certo ponto compreensível devido ao constante troca-troca de partidos que presenciamos todos os dias no Brasil. O que é favorecido pela mesa farta de partidos que a Justiça Eleitoral coloca a disposição: neste ano, 73 partidos em formação e 35 em vigência. Uma festa!

Aqui em Brasilândia, se o critério for a insatisfação do candidato com sua sigla partidária original, entre os que pleiteiam o Executivo municipal neste ano, o índice é zero, pois a exceção do candidato do MDB, fidelíssimo, os demais, PSDB e PTB (cabeças de chapa) participam da política local com candidatos novos no segmento desta eleição de 2020.

Já no Legislativo não ocorre o mesmo. Dos 69 concorrentes, entre os 24 candidatos que já disputaram eleições locais, 20 já trocaram de partido, duas, três ou quatro vezes. Entre as trocas mais recentes, a mais emblemática é a dos candidatos eleitos pelo PT, um partido de esquerda, e que migraram para o PSDB e PODE, partidos de centro, deixando um vazio da sigla petista que já administrou o município.




Em síntese, não se pode esperar fidelidade da maioria desses candidatos. Salvo raras e honrosas exceções, se não foram fiéis à ideologia de seus partidos, por que seriam às promessas apresentadas aos cidadãos? Por que não vieram a público, até mesmo por respeito a seus eleitores, explicar os motivos de terem abandonado a sigla que os elegeram? Não consideraram o cidadão; haveriam de ser considerados agora por eles?

Ao cidadão comum, que vive alheio às questões ideológicas e partidárias, resta submeter-se a cantilena dos candidatos amigos que lhe batem a porta. E, presos aos ditames e laços do coração, acabam por descuidar de prestar atenção na sua cidade e no seu futuro, olhando somente para o presente mais próximo.

Pode-se dizer que, invariável e pesarosamente, as escolhas realizadas somente pelo critério da amizade podem resultar em frutos amargos. Isso porque o candidato eleito nem sempre será o amigo, nem sempre será o candidato da família ou do coração. E não importa que seja, desde que cumpra a sua missão.

Seus lindos olhos, seu sorriso, ou sua ajuda emergencial econômica, dada num momento de precisão, não importam. Embora sejam predicados que devam ser considerados, agradecidos e louvados, não devem ter como pagamento o voto. É um investimento muito alto cuja vida e o futuro o cidadão não pode arriscar.

Amigo é coisa pra se guardar no lado esquerdo do peito, diz o poema de Milton Nascimento. Eleição, porém, não é uma canção ou festival de flores lançadas de um palco. Numa eleição o candidato ideal nem sempre é o amigo. Ele pode ter estado a nossa frente e ainda assim nem havíamos notado.

De certa forma estamos diante de duas concepções: aquela descrita por Max Weber e a desenhada por Nicolau Maquiavel. Para o pai da sociologia, o candidato ideal é aquele que busca o impossível em vez do possível e defende que quem vive para a política faz da política a sua vida, e quem vive de política, faz dela uma fonte de ingressos, em benefício próprio, dizia.

Já o candidato que se alinha com o pensamento de Maquiavel, tem a [má] concepção de quão é fácil manipular os homens. Ele exaltava esta condição fundada na astucia do governante e na ignorância dos homens, a ponto de dizer que aquele que engana sempre encontrará aquele que quer ser enganado[1].

Que saibamos, portanto, escolher nosso candidato não pela amizade, mas pela capacidade e o vigor com que defende suas propostas. E depois de vê-lo eleito, prossigamos acompanhando de perto sua atuação, sem escrúpulos, colaborando e fiscalizando o seu mandato.

 

Brasilândia/MS, 23 de outubro de 2020.

 



[1] - Cf. O político ideal e o mau político. Por Jeferson Bertolini. Observatório da Imprensa, Feitos e desfeitas. Edição 818, 30.Set.2014.

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