sábado, 31 de outubro de 2020

 Dia de Finados, um encontro com a Vida.

Carlos Alberto dos Santos Dutra.



A imagem que temos das pessoas vai se apagando com o tempo. São rostos, contornos, vozes, e até sorrisos que aos poucos vão enuviando de nossa mente. Esquecemos, com o passar dos dias, dos meses, dos anos, nomes, lugares e também das pessoas que um dia nos aproximamos. É assim com aqueles que já partiram: são lembrados nos primeiros anos, todos os dias. Depois, são lembrados em épocas distintas, como data de aniversário de nascimento, e por fim chegamos ao ponto de esquecer a data de seu falecimento. Está encerrado o ciclo da vida.

No Dia de Finados, entretanto, essas lembranças retornam com força, num dia dedicado exclusivamente a estes desaparecidos. E isso é motivado por uma tradição que envolve muita religiosidade e respeito, sobretudo pelos cristãos que reservam no seu calendário um dia especial para rezar pelos mortos.

O hábito teve origem no século X por iniciativa do abade beneditino Odilo que recomendou aos membros de sua abadia dedicarem todos os anos, no dia 2 de novembro, suas orações à alma daqueles que já se foram. Este gesto, segundo ele, resgatava um dos elementos principais da cosmovisão católica da época: a perspectiva de que boa parte da alma dos mortos está no Purgatório, passando por um processo de purificação para que possam ascender ao Paraíso.

Isso se deduz pelo fato da Igreja ter consagrado o dia 1º de novembro como Dia de Todos os Santos, dia em que se reza por aqueles que morreram em estado de graça, com os pecados perdoados e que trabalharam de forma extraordinária à causa do Evangelho. É compreensível que o dia seguinte, o dia 2 de novembro, seja considerado o mais apropriado para se fazer orações por todos os demais falecidos, aqueles que precisam de ajuda para serem aceitos no céu[1].

Cada parte do mundo celebra esta data a seu modo. No México, por exemplo, existe a chamada Festa dos Mortos, de origem indígena[2]. Já no Brasil a tradição é: independendo da temperatura da região, visitar os que já morreram é uma obrigação das primeiras horas do dia[3]

Dia de finados, portanto, é dia de visitar os cemitérios, levar flores, acender velas e rezar pelos que já morreram. Momento carregado de sentimentos e expressão de respeito aos que já se foram, e que se vale de gestos e símbolos: as velas que são acesas próximo aos túmulos, para iluminar caminhos, e as coroas de flores em forma de circulo que representam a vitória da vida sobre a morte.

Neste ambiente de recolhimento, também acontece algo que desperta para outro significado do Dia de Finados[4] que é muito pouco lembrado: o encontro de congraçamento entre os vivos

É neste momento que as pessoas muitas vezes se encontram com parentes e amigos distantes que vem à cidade natal, berço de seus antepassados, para prestar sua homenagem ao ente querido ali enterrado. O ambiente que era de tristeza e desolação motivada pela lembrança e pela dor da separação, se transforma num estímulo à vida, motivado pelo encontro com aqueles que ainda estão vivos a sua volta.

Em que pese os cuidados que hoje são exigidos para quem deseja visitar os cemitérios em razão dos riscos sanitários da propagação da Covid-19, visitar o cemitério se transforma numa oportunidade de quebrar o isolamento social e dizer sim a vida, de uma forma responsável. Possibilidade que, devidamente equipado com a máscara de proteção individual, o cidadão pode olhar a morte nos olhos, e seguir em frente.

Há quem diga que ir ao cemitério é olhar para trás e que ali só estão sepultados ossos. O que não deixa de ser verdade, porém, são ossos que um dia tiveram nome e endereço, foram revestidos de músculos e pele. Foram portadores de firmeza e calor humano que daríamos tudo para sentir novamente e abraçar. São lembranças carregadas de afeto e sentimento, lágrimas e saudade de quem um dia significou muito para cada um de nós.

A religião que cada um expressa ao visitar o jazigo de seu ente querido lhe diz que a pessoa não está mais ali.  Sim, ali só se encontra a lembrança dela. O local é apenas ambiente, um elo de ligação e comunicação com quem já está na Glória do Pai Eterno, acreditam os cristãos movidos pela fé. 

Jesus chorou a despedida de Lázaro (João 11,35) numa demonstração e expressão de um sentimento por demais humano e verdadeiro comum a todos nós. Da mesma forma pode-se dizer que as lágrimas e preces rogadas pelos que visitam os cemitérios no dia 2 de novembro representam pétalas de flores, suspiros e recordações que voam em direção ao coração de quem se encontra ao nosso lado, sinalizando paz e aproximação, amor e respeito mutuo. O que está em falta nos dias atuais.

Brasilândia/MS, 31 de Outubro de 2020.



Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília, 2017.

Um comentário:

  1. Querido mano, lí e relí o texto, como sempre, suas publicações são repletas de ensinamentos e, também, verdades...
    Obrigado por ter colocado muito bem o assunto "morte" pois intuitivamente, deixamos de lado, mas ao olharmos pra trás e vermos que ao nosso lado nossos pais não mais nos abraçam, a dor nos faz compreender e entender as tuas palavras...
    obrigado...
    Acredito que Deus tem te usado para, com a tua sabedoria com as palavras, leve sempre a mensagem certa na hora certa para as pessoas certas...
    Um bj no coração e com admiração do teu mano EDU.

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