Marçal Tupã-i, o banguela dos lábios de mel.
Carlos Alberto dos Santos Dutra
No dia 2 de setembro de 2002, o Juiz Federal José Denílson
Branco, da 2ª Subseção Judiciária da 1ª Vara Criminal de Dourados
(MS) extinguiu o processo 2001.60.02.001890-6, o chamado Caso Marçal, líder guarani assassinado numa emboscada na Aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), no dia 25 de novembro de 1983. Hoje, passados 37 anos de sua morte, sob os benefícios escusos da lei, Justiça ainda não se fez e, nesses moldes,
Branco, da 2ª Subseção Judiciária da 1ª Vara Criminal de Dourados
(MS) extinguiu o processo 2001.60.02.001890-6, o chamado Caso Marçal, líder guarani assassinado numa emboscada na Aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), no dia 25 de novembro de 1983. Hoje, passados 37 anos de sua morte, sob os benefícios escusos da lei, Justiça ainda não se fez e, nesses moldes,
jamais se fará. O que nos leva a cantar, com o poeta:
Adeus Marçal de guerra,
que lutava por terra, eram tempos difíceis.
Adeus Marçal de sonhos,
Guarani de fibra,
voz afiada em riste, a desafiar poderosos.
Adeus Marçal de Souza,
como tantos, silvas, pereiras, santos,
anônimos e esquecidos.
Adeus Marçal do Papa,
da mídia, e do mutirão,
da enfermaria, da tribuna e dos tribunais.
É, amigo Ñhandeva,
segura firme neste microfone e grita.
Brada aos ventos a injustiça que temos
e a que falta aos pequenos.
A terra que perdemos, o pão que não comemos.
É, amigo Kaiowá,
teus irmãos ainda lutam.
Paulito e Marta, ainda ontem partiram,
falaram que iam ao teu encontro.
Como outros que já se foram, antes do tempo e depois.
É, amigo Mbyá, irmão de longe,
que também se soma em coro na dor.
Ainda que as portas se fechem,
ainda que juízes te arquivem nos porões do esquecimento.
Yvy Maraney é blasfêmia
aos ouvidos do latifúndio.
ainda que juízes te arquivem nos porões do esquecimento.
Yvy Maraney é blasfêmia
aos ouvidos do latifúndio.
Incomoda-lhes saber que tua memória vive,
que tuas ideias comovem.
Tua lembrança fere e questiona a nossa Ordem.
E desnuda a hipocrisia,
cultivada dia-a-dia, nos discursos, sem alarde.
Adeus Marçal desse mundo,
nem um julgamento decente te damos.
Adeus Marçal dessa terra, nem um monumento à tua altura fizemos.
Adeus Marçal Guarani, a espera é longa, mas não tarda.
Logo o ajuste te conta os espreita
na esquina senil da vida.
Donos do mundo e das coisas,
nos apossamos.
Donos das pessoas e da vida,
as compramos.
Donos da Lei, da Moral e da Justiça,
as decretamos para que outros a cumpram.
Adeus Marçal de Souza Tupã-i.
Podem extinguir e arquivar processos de nanquim e celulose.
Porém, não podem calar a carne e a verve do teu verbo.
Aquela que vem intestina, com o sabor das matas,
dos campos e das aldeias.
Do Pirakuá Guarani ao São Lourenço Guató,
Do Boa Esperança Ofaié à Aldeinha Terena,
Do Tarumã Kadiwéu ao Panambi Kaiowá.
E tantos tekoha, com suas lutas e suas changas
que se somam na esperança.
Adeus Marçal.
Reze por nós Pa-í Kaiowá
e Ñanderu Nhandeva
que em breve estaremos juntos.
Teu sonho, à semelhança de Sepé Tiarajú,
há de permanecer sendo a estrela de maior brilho.
Não mais como sonho,
mas realidade construída.
Não pelos homens,
ditos doutos e letrados,
mas pelas mãos de teus patrícios, parceiros.
Irmãos que manuseiam a terra desafiam a morte
e ousam cantar liberdades...
Brasilândia 25 de novembro de 2020.
Fonte: 1- Publicado originalmente no Diário MS, Dourados-MS, 24.Nov.2003; A Tribuna, Campo Grande-MS, 23.Nov.2003, e Jornal da Cidade, Brasilândia-MS, 21.Mar.2003. Publicado também em DUTRA, C.A.S. Uma flecha no coração de Hans Kelsen. Brasilândia-MS: Edição do Autor/Clube de Autores, 2009, p. 10-12.
Foto: Marçal de Souza Tupã-i (Deus pequeno). Portal da Missões, 2019.
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