domingo, 22 de novembro de 2020

 

Emilly, esta menina tá virando moça.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 


 











Ah, como o tempo voa. Esta menina tá virando moça. Como não haveremos de envelhecer? Se quem nós carregamos no colo hoje nos dão bom dia e já estão mais altos que nós? Esta parece ser a sina dos mais velhos, sorrir, zelar, sonhar e chorar. Sorrir, quando eles nascem, filhos, sobrinhos, afilhados, amigos. Zelar, quando os ajudamos, os aconselhamos, os orientamos. Sonhar, quando os projetamos no futuro e os vemos realizados na vida, felizes. Chorar, quando já não podemos mais acompanhá-los em sua inexorável caminhada, que é só deles e de mais ninguém.

Hoje me sinto assim, entre um sorriso e uma lagrima, e por um motivo simples, banal, para alguns. Afinal, aniversários acontecem todos os dias, a cada hora, a cada minuto na nossa vida e círculo familiar de amigos. E lá está o Facebook para nos lembrar da data quando a memória nos falha e o coração reclama.

Só que alguns aniversários mexem com a gente, pois relembram passagens de nossas vidas, de tempos passados, que nos enchem de sentimentos, às vezes de alegria, às vezes de tristeza. Por isso essas datas são importantes por nos mostrarem o quão transitório somos e que não ficaremos por aqui para sempre. Por isso, deixemos que as lágrimas rolem pelo nosso rosto e o coração transborde de alegria e felicidade. Pois, afinal é Dia de Aniversário.

Tudo isso para dizer o quanto o aniversário de uma pessoinha querida é importante para todos nós. Aniversário, entretanto, ainda mais especial para sua família, seus parentes, e cá entre eles, este sonhador. Sem querer expô-la ao mundo, uma vez que isso sempre será uma decisão sua, a menciono nestas linhas de forma simbólica, para exaltar suas qualidades e virtudes de menina-moça.

Sim aquela menina que carreguei no colo lá no ano de 2007 está de aniversário. Não. Ela não era uma criança qualquer das tantas que abraçamos todos os dias e ficamos felizes por elas e seus pais. Tratava-se de minha afilhada. Pode parecer bobo destacar esse detalhe, porém, ele é fundamental para a sobrevivência de muitos velhos. Explico.

O coração dos mais velhos vive de recordações. Embora procurem se manter sarados e com boa aparência, entre um fio de cabelo branco aqui e outro acolá, sempre aquelas têmporas escondem lembranças de um tempo idílico, vivências que tiveram ao longo da vida e que nunca esqueceram. O abraço aos filhos, afilhados e netos deixam marcas para sempre. É isso que, nos aniversários, as lembranças nos pedem.

E a moça está lá, sentada no chão, acariciando uma euék e um kétot. Já não é segredo para ninguém de quem se trata – graças a mídia social todo o mundo virtual já está lhe dando os parabéns agora. Ela permanece ali, com seu sorriso encabulado, porém muito determinada na sua demonstração de afeto e respeito para com a natureza que a cerca, na aldeia onde vive.

Uma leve brisa a envolve vindo do interior do cerrado a sua volta e é como voltasse a ser criança de colo, quando as palavras ainda lhe faltavam para expressar o sentir. Sempre muito bem agasalhada pela mãe Kiní-i, parecia um totenzinho de pano deixando somente a cabeça de fora, muito ereta e olhinhos pretos bem espertos que a tudo observava.

A fotografia tirada no meu escritório no dia que recebi o convite para ser seu padrinho demonstra isso: seus olhinhos espreitam aquele homem de cabelos brancos que a toma nos braços. Quem seria? O que queria? Não sabia direito o que pensar naquela hora. Porém, poderia ela ter pensado: --o calor de seus braços me conforta, vou ficar quietinha, por ora.

Como todas as crianças indígenas, ela sempre foi uma criança silenciosa e comedida nos seus atos. Porém seus olhos nunca conseguiram esconder a grandeza de seu potencial: para ser uma grande líder, uma grande profissional, uma grande mulher, uma grande guerreira. Calma! O vovô se empolga com os encantos da afilhada e projeta nela todos os seus sonhos, sonhos de todos que a querem vê-la feliz.

Mas a estrada da vida possui muito caminhos e caberá a esta jovem que hoje completa aniversário decidir qual deles seguir. Um conselho o padrinho ainda insiste em dar: siga sempre o seu coração, depois de a todos ouvir e ponderar, em especial os mais antigos da aldeia. Podes errar, mas estarás em paz e com o apoio de muitos para se levantar...

Para orgulho de Kãi’rã, Ta’gué, To’tê, Hanto’grê, Xar’tâ, Xehit’ha, He’í, Hegue’í e tantos parentes que lá do alto te abençoam e torcem por você. E desejam Feliz Aniversário Emilly Ofaié!

Brasilândia/MS, 22 de novembro de 2020, Dia Mundial da Água.



4 comentários:

  1. Querido mano belas palavras que brotam do fundo do coração.Que Deus te abençoe sempre

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  2. Parabéns pelo lindo texto.Nos faz voltar no tempo, refletir e ver como as pessoas que passam pela nossa vida, constroem nossa história.

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  3. Parabéns,como sempre nos remetendo ao passado para refletir o presente...pensar em como a vida é curta e que devemos aproveita-la ao máximo junto a quem amamos!!!

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  4. Parabéns..emocionante é belas palavras...👏🙏

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