O cidadão, o albergue e as mudanças
climáticas.
Carlos
Alberto dos Santos Dutra.
Nesta quinta-feira, 1º de julho de 2021, as cinco horas da manhã, os termômetros acusaram temperatura de 6ºC, com uma sensação térmica de gelar os ossos de quem se encontrasse na rua naquela hora. Algo inédito para uma Brasilândia acostumada a conviver com uma média anual de 27ºC.
Foi um tira casacos de armário, toucas e meias para cobrir pernas, pés e cabeças como nunca se viu. Era o inverno chegando e movimentando a cidade neste tempo de isolamento e pandemia. Inevitável, portanto, não pensar naqueles que não dispõem de proteção da família e vivem em situação de rua, ao relento e sujeito às consequências do rigor da intempérie.
Nesta hora o coração fala mais alto, e lá encontramos almas caridosas e solidárias, saindo no desvão da noite, doando cobertores àqueles que vivem pelas calçadas sendo aos poucos consumidos pelo álcool, quando não pelas drogas. Ao lado da iniciativa individual juntam-se nesta hora as ações beneméritas realizadas por entidades civis e religiosas que ajudam a minimizar o sofrimento dos que vivem assim em condições precárias.
A notícia da entrega de cobertores, moletons e abrigos por parte do CREAS do município de Brasilândia e seus programas de assistência social é sempre um alento ao cidadão. Mais que isso: demonstração da presença e atenção da administração pública minimizando os problemas sociais que a cidade vive. É através destas ações, também, que o cidadão vê o retorno dos impostos e tributos que recolhe a cada atividade econômica, como produtor ou consumidor, sendo aplicado em favor da comunidade.
O debate, contudo, nos leva a aprofundar o tema em duas direções: uma, no rumo do enfrentamento ao problema daqueles que vivem em situação de rua; e outra, no rumo da urgente e necessária conscientização sobre as mudanças climáticas que exige cada vez mais ações de proteção e cuidados com a mãe terra.
Na primeira direção, enfrentar o problema daqueles que vivem em situação de rua, da parte do Estado pode ser entendido de forma diversa daquela pretendido pelos cidadãos individualmente ou através de suas entidades filantrópicas. Às administrações públicas cabem medidas estruturais - na forma de políticas públicas -, que busquem reduzir esse quadro que depõe contra a dignidade humana e estigmatiza uma comunidade por deixá-los, como se diz, a Deus dará.
O comando legal para a construção de um albergue municipal está presente na Carta Magda do município de Brasilândia desde 1991 quando foi aprovada a Lei Orgânica local. No artigo 77, parágrafo 3º da nossa Constituição está previsto: O município garantirá Criação de Albergue que dará assistência ao migrante durante 24 horas.
Se em outras administrações a criação desse albergue foi protelada em face do modelo assistencialista praticado, hoje não se justifica mais prolongar o sofrimento e não garantir esse direito aos pobres excluídos à promoção de sua dignidade humana.
Não é preciso ser médico para perceber que é desumano e humilhante o cidadão ter de passar a noite ao relento, buscando o abrigo nas calçadas ou debaixo de marquises da cidade, à semelhança de animais. Ferida que é exposta somente em situações extremas – frio intenso, epidemias, desordem pública --, quando são objeto de campanhas de agasalho organizadas pela assistência social de dedicadas instituições filantrópicas.
Há quem se manifeste contrário a criação de um albergue em Brasilândia alegando que os mendigos e os que vivem em situação de rua não têm disciplina e não se adéquam a regras e preferem à rua que viver em recintos fechados.
Sem dúvida, quem provou a liberdade das ruas, quem buscou fugir, muitas vezes, de suas famílias, profissões e desilusões, identificando-se com a anomia à sua volta e a solidariedade etílica que os conforta, dificilmente vai se condicionar à regras.
Mas o alcance psicopedagógico desta iniciativa é mais amplo. Supletivamente o local pode se prestar ao fornecimento de documentação, passagens de retorno às suas cidades de origem, encaminhamento médico, atendimento psicossocial, e triagem em busca de foragidos da Justiça que passam por nosso município.
Porém, a ideia que perpassa a proposta não é confinar os mendigos da cidade em um lugar determinado, mas abrigá-los e assisti-los em determinadas situações. Como por exemplo: que eles saibam que existe um lugar onde poderão tomar um banho; ter um prato de comida, um lugar para passar a noite, e estar protegido da ação de estranhos e ataques homofóbicos.
Um albergue com o perfil de um centro de amparo ao migrante é tudo que a sociedade entende que esse órgão deva ser. Sobretudo em razão de Brasilândia ser uma cidade de passagem e cujas portas estão sempre abertas para receber, não somente os cidadãos trabalhadores que aqui se instalam para fazê-la progredir; mas também os cidadãos egressos de outros estados, migrantes de fracassos econômicos e existenciais que aqui buscam refúgio, buscando soerguer-se como seres humanos.
Numa segunda direção, cumpre observar que o frio recorde que atinge Brasilândia e o sul do país nos últimos dias também é revelador das mudanças climáticas que estamos vivendo. Mudanças, diga-se, que o cidadão pouco entende e pouco procura saber. Existe até aqueles que ironizam com a dúvida: Aquecimento global? Com todo este frio?
Só não sabem estes senhores que o derretimento progressivo das calotas polares e o entupimento dos mares com lixo radioativo tem gerado mudanças na circulação das águas, no mar aberto e no curso dos ventos, gerando vendavais, tsunamis e deslocamento de massas frias que se precipitam intempestivas sobre regiões do planeta.
Friozinho que nos convida a puxar a coberta até os olhos, e mantê-los bem abertos. De preferência mantendo-os sobre as páginas de um bom livro sobre meio ambiente, como o Fundamentos em Ecologia, de Colin Townsend; ou diante da tela da TV assistindo um belo documentário sobre a vida dos oceanos, da Natgeo Wild.
Brasilândia/MS, 1º de julho de 2021.
Foto: Veja-Abril/Reuters, 2016.
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