terça-feira, 27 de julho de 2021

 

Dona Eunice Rodrigues Fonseca: a simplicidade e o sorriso que venceu a dor.

Carlos Alberto dos Santo Dutra


 








O encontro com a vida, que cada um de nós realiza acontece desde o momento que respiramos pela primeira vez. A partir dali a sorte está lançada para aquele pequeno ser que dia a dia cresce e percebe o que se encontra a sua volta. Sorte aqui é sinônimo de lar, família, segurança, carinho, amor.

Pois é este amor e segurança que permite à criança dar seus primeiros passos e seguir em frente para encarar o mundo, encarar a vida, pintar o mundo com as cores que bem entender. Esses predicados, entretanto, nem sempre garantem a felicidade; eles dependem das circunstâncias e oportunidades que se nos são apresentadas ao longo do caminho.

Com aquela menina, em tempos recuados, somente o por do sol radiante era o colorido que iluminava sua vida. Raios de luz que lhe apontavam o rumo em direção ao amanhã. Casada muito cedo, seus pés pisaram fortes o cerrado mato-grossense acompanhando o esposo, jovem de família desbravadora desta terra desde há muito Xavantina.

Dona Eunice Rodrigues Fonseca, carinhosamente chamada de dona Nice nasceu na cidade paulista de Guataporanga, no dia 5 de janeiro de 1944. Filha de seu Ananias Rodrigues de Castro e dona Etelvina Rodrigues de Castro ela cresceu em meio a uma família de 12 irmãos: Antônio, Luzia, Maria, Ananias, José, Iná, Lázara, Plínio, Eunice, Deolinda, Izabel e Maria de Lourdes.

Vencendo as dificuldades da vida rural, seus avós e seus pais sempre viveram no interior, mas as principais recordações daquela que um dia fora jovem eram todas do tempo em que viveu na cidade de Adamantina, onde passou sua adolescência. Aos olhos daquela moça a cidade despertou sempre grande admiração, mesmo depois de adulta e já adiantada em idade, a saudade lhe fazia companhia, sobretudo quando recordava dos passeios pela praça central onde ela e as amigas circulavam com um sorvete na mão.

Ou então suas idas ao Cine Adamantina com as amigas e irmãs. Foram tempos de graça e encantamento, o que de certa forma a preparou para a vida que aos poucos foi se apresentando a sua frente. Recorda com muita lucidez ainda o tempo que trabalhou na casa de dona Abigail, gentil senhora que a acolheu no tempo em que estudava, e realizava para ela serviços domésticos. Neste período estudou até a quinta série numa escola municipal em Adamantina.

Durante a infância e início de sua juventude nesta cidade, se alegrava, junto de sua família, poder todos os domingos ir à missa, e depois, passear pelos jardins, ir ao cinema. Sempre protegendo e zelando por suas irmãs mais novas vendo-as crescer, sem descuidar de ajudar a mãe em casa e também ao pai, quando levava a comida até o local onde ele trabalhava, nos horários de almoço.

Certo dia, no ano de 1962, seus pais atravessaram o rio Paraná pela balsa do Porto João André e aportaram no município de Brasilândia. Seus Ananias, seu pai, recomeçou a vida aqui trabalhando como marceneiro e carpinteiro. Conforme a demanda do trabalho de construção de porteiras, galpões e sedes de fazenda eles se mudavam constantemente e andavam de fazenda em fazenda, às vezes até outras cidades. Até o dia que chegaram à fazenda Boa Esperança.

Nesta fazenda de propriedade do patriarca da cidade, Arthur Höffig, o pai de dona Nice viu um campo fértil para o seu serviço, sobretudo, pelas casas – que ajudava a construir -, pontes e móveis, lembra hoje a filha Cristiane. Ali dona Nice haveria de consolidar seu destino: depois de ter cruzado estradas, ajudado a abrir fazendas, e nunca esconder a mão ou recusar trabalho, onde quer que a família estivesse, conheceu aquele que seria seu esposo.

Ele trabalhava nesta fazenda Boa Esperança e o olhar cheio de encanto do jovem José Nicácio Fonseca haveria de conquistar o coração da jovem professora que ministrava aula na fazenda. Dona Nice, nesta época, cheia de predicados e formosura, igualmente, deitou os olhos sobre o jovem rapaz que era vizinho na colônia da fazenda, nascendo entre eles uma sólida amizade que se transformou em amor.

Dona Nice lecionava para os filhos dos empregados da fazenda e também para os adultos que lá trabalhavam. Foi lá que ela conheceu o seu Zé Fonseca, como se tornou conhecido, e que logo despertou interesse pela jovem Eunice começando a cativá-la. Dona Nice nesta época tinha namorado, porém, se deixou levar pelos encantos do seu futuro esposo e separou de seu namorado, recorda a filha Cristiane.

Após namorarem por um bom tempo, cerca de um ano, eles se casaram, com a aprovação do pai e da mãe, os quais gostavam muito de seu genro. Ele, José Nicácio Fonseca, nascido em 17 de abril de 1944, na própria fazenda Boa Esperança, era filho de um dos pioneiros fundadores de Brasilândia, Antenor Fonseca (nascido em 5 de maio de 1912 em Xavantina) e dona  Rosa Nicácio Fonseca (nascida em 16 de setembro de 1922).

Mesmo depois de casados dona Nice continuou na fazenda Boa Esperança trabalhando como professora ainda por oito anos, ensinando seus pupilos a ler, escrever e fazer contas, com muito zelo, sendo que seus alunos retratavam-na como muito exigente. E também ajudava a seu Antenor, seu sogro, fazendo a folha de pagamento dos funcionários da fazenda, quando o administrador não sabia ou não podia fazer.

Quando os filhos começaram a chegar, revelou-se uma exímia dona de casa, dedicando seu tempo aos  filhos e a família, além de dar suporte e conforto a todos que a ela recorriam. Juntos o casal teve quatro filhos: José Carlos, Paulo Sérgio, Edmilson e Cristiane. Com o tempo os filhos foram casando e brindando aquela senhora de netos: Ederson, Paulo Henrique e Pablo Tiago (filhos de José Carlos); Eduarda e Lívia (filhas de Edmilson); Ana Carolina, Ana Beatriz, e Ana Júlia (filhas de Cristiane).

A partir de 1985, já morando no novo bairro que surgia, COHAB Thomaz de Almeida, o casal logo se integrou ao grupo do Círculo Bíblico que foi criado no condomínio, ao lado de outros vizinhos, que para lá começavam a se mudar. Foram ali mais de trinta anos de feliz convivência, fé e harmonia. As reuniões semanais em sistema de rodízio nas casas foram bênçãos que iluminaram a vida daquele casal, fazendo-os suportar as dificuldades comuns da vida em família. Ao lado do esposo seu Zé Fonseca, dona Nice sempre lhe garantiu apoio suportando em silêncio a convivência nem sempre pacífica com a bebida que se tornou companheira do esposo, mal comum que acomete tantas pessoas.

Isso, entretanto, contrastava com o jeito amoroso e respeitoso que ele sempre tratou a esposa e os filhos, garantindo a alegria do viver ao casal. De comportamento reservado, porém portadora de um sentimento fraterno e de generosidade sem limites, dona Nice soube educar os filhos e dotá-los de valores humanos e altruístas que serviriam para a vida toda: humildade, honestidade e respeito.

Esteve sempre forte ao lado dos filhos quando a dor, a violência e a insegurança rondaram sua porta, mantendo-se esperançosa e confiante na justiça de Deus. Mulher de fé que era não sabia mais o que fazer quando alguém chegava a sua porta, recebendo a todos com um sorriso no rosto e as mãos estendidas para acolher.

Após o falecimento do esposo em 22 de janeiro de 2012, quando a doença e a idade ameaçavam tirar-lhe as forças, ela encontrava ânimo na fé e na igreja católica que lhe dava esperança e a impulsionava a ir à santa missa, grupo de oração e círculo bíblico, sempre que podia. Nunca faltava. Devota de Nossa Senhora Aparecida,  fervorosa, lá a encontramos nos últimos anos, aos domingos em frente da TV Aparecida assistindo a missa enquanto seus dedos já cansados não desistiam de dedilhar a reza pronunciando o terço todos os dias. Até quando sua saúde permitiu.

Ah dona Nice, nossas reuniões do Círculo Bíblico - findado este tempo de pandemia -, não serão mais as mesmas, em especial pela ausência e a dor que deixaste para a filha Cristiane e aqueles que lhe eram mais próximos. Mais do que sentir a dor de sua partida, porém, que os filhos e netos possam sentir orgulho pela avó que tiveram, silenciosa guerreira, mas não menos alterosa de virtudes e gestos de caridade que alcançavam longe.

Depois de ter enfrentado AVCs seguidos, nos últimos anos, fazia um esforço tremendo para lembrar o nome das pessoas, mas nunca perdeu o bom humor e o tom de brincadeira ao falar, coisas que despertou já nos últimos anos da vida. Sempre com um sorriso no rosto tratava a todos sempre com respeito e dignidade. Era como se a felicidade lhe acompanhasse aonde ia. Era como se livre estivesse das amarras e trancas de portas do passado antes impostas.

Sim, dona Nice se sentia livre. Livre como agora se encontra, liberta como os pássaros voando além do horizonte dourados que os olhos daquela menina ainda ontem haviam sonhado. Voe dona Nice, voe para o amor de Nossa Senhora, a quem tu eras devoto; voe para os braços de Deus para entregar-lhe o ramalhete de flores que fostes juntando um a um nos dias que por aqui passaste. Partes, mas o teu perfume há de permanecer entre nós. 

Dona Nice fez sua Páscoa definitiva no dia 25 de julho de 2021, aos 77 anos. Descanse em paz querida amiga dona Nice.

Brasilândia/MS, 27 de julho de 2021.

 




Texto e Fotos: Com informações fornecidas pela filha Cristiane Rodrigues Fonseca em 26.Jul.2021.

2 comentários:

  1. Para que nao sofresse muíto sou eternamente grata á você minha irmã Eunice te amarei eternamente gratidão por tudo que você foi êm nossas vidas Deus á recolheu para brilhar junto ao seus quê partiram

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