O governador, o fotografo e um rosto na multidão.
Carlito Dutra
Carlito Dutra
Aparentemente era apenas mais um rosto na multidão.
O
governador Reinaldo Azambuja falando em Brasilândia, rodeado de secretários de
estado, o prefeito municipal da cidade, Jorge Diogo e o staff da administração local.
Mais ou menos trezentas pessoas circundava o palanque montado para receber aquele chefe do Executivo estadual que por vez primeira, oficialmente,
pisava o solo brasilandense...
E, em meio a multidão, ali percebia-se um rosto a mais.
E, em meio a multidão, ali percebia-se um rosto a mais.
Cabelo grisalho, boné, corpo agasalhado do frio, levemente curvado, mas os ouvidos
muito atentos às palavras do governante vindo lá do Palácio dos patrícios Guaicuru.
Seu rosto,
quase imperceptível aos olhos de quem falava a poucos metros dali, contemplava.
Mais que isso, ouvia atentamente as palavras daquele jovem governador, se comparado a idade do ex-cacique Ataíde Francisco, o Xehitâ-ha Ofaié que, apesar de seus 60 anos vividos, já se sentia alquebrado.
Mais que isso, ouvia atentamente as palavras daquele jovem governador, se comparado a idade do ex-cacique Ataíde Francisco, o Xehitâ-ha Ofaié que, apesar de seus 60 anos vividos, já se sentia alquebrado.
Entre os presentes e ouvintes, entretanto, talvez ele fosse o mais atento.
Sem a distração do celular ou do colóquio dos amigos e tendências políticas dos
bastidores, comum em todos os pronunciamentos, carregava ao lado, uma pequena
sacola com alimento e peças de roupa, e também um caderninho de anotações e uma
caneta que sempre se esmerava em conservá-la junto de si.
Fez até menção em tirá-la para anotar alguma coisa, porém,
logo desistiu tamanha a fluência das palavras do jovem governador.
Enquanto o homem falava
de obras, ordens de serviços, estradas e progresso..., o coração do velho
índio acalentava sonhos e esperanças, sem perder, contudo, o tino de liderança.
-- Carlito, nenhum Ofaié está aqui..., disse-me preocupado.
-- Você
está aqui, tranquilizei-o.
Ele sorriu e continuou seus passos, trôpegos, caminhando
lentamente como que desviando a bebida, a hanseníase, o diabete que lhe acometem hoje, e a saudade de
um tempo de juventude e realizações que há muito o abandonou.
Foi quando um fotógrafo da comitiva oficial do governador o
descobre na multidão e gentilmente aceita a sugestão de tirar uma fotografia deste
anônimo entre tantos que ali estavam prestigiando a visita alvissareira para o povo daquela pequena cidade.
O velho índio contempla a beleza das ruas calçadas, as praças..., e lembra quando, ainda menino, corria por estes campos colhendo guavira e pequi. Quando ainda nem havia Brasilândia...
Ah, que bom seria se o governador um dia visitasse a nossa aldeia Anodhi... no km 10 da rodovia MS-040. Sonha.
Ah, que bom seria se o governador um dia visitasse a nossa aldeia Anodhi... no km 10 da rodovia MS-040. Sonha.
Ele que também já teve
seus momentos de glória, tendo discursado em vários lugares importantes, até
mesmo no Auditório Nereu Ramos, na Câmara Federal em Brasília no ano de 1989.
Ou quando esteve cara-a-cara com Romero Jucá, então presidente
da Funai, em 1987, para defender a demarcação da terra imemorial de seu povo Ofaié, na
capital da República.
É. Concordo com Ataíde Francisco, confiante. Que bom seria
se um governador, um dia, visitasse e ouvisse o povo Ofaié... assim como aquele velho índio lhe dedicara tanta atenção naquele dia.
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