terça-feira, 24 de outubro de 2023

 

Joaquim Bueno: o barco, as águas e as lembranças.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Pessoas são sempre seres desconhecidos. Quando pensamos que sabemos tudo sobre elas, eis que um segundo é o suficiente para nos surpreender a todos. 

Há seres humanos que durante anos passam ao nosso lado e pouco colocamos reparo. Afinal, eles estão sempre ali, no seu cotidiano. E achamos isso tão normal que nem percebemos quando eles esmaecem...

A semelhança de um barco que lentamente desprende a espia da proa, desfazendo o cabo da amarração, eles se vão. E lá vai o barco, sendo tocado pelas águas. Enquanto uma estranha sensação nos envolve. 

Para os que observam da margem, é um gesto rotineiro e normal; afinal, nos acostumamos a vê-los partir, sob a brisa das águas e a bulha dos cascos quando tocados pelos remos...

Joaquim Bueno, desde o rio de sua infância, sempre a tudo presenciou, desde o dia 14 de janeiro de 1949, quando nasceu, para a alegria de seu Elpídio e dona Dolores, sua mãe, senhora forte e pilastra na lembrança dos mais antigos moradores do saudoso Porto João André.

Foi naquele lugar que o jovem Joaquim por ali chegou e engrossou a voz ouvindo o canto dos pássaros e o murmurar das águas ao cair da tarde. Recolhendo a rede, vendo no horizonte o sol, a silhueta da antiga balsa e sua travessia cujo vapor e pás tocavam fundo e forte o espelho das águas, garantindo o pioneiro transporte entre o estado paulista e o antigo Mato Grosso.

Mas não se pode viver a vida inteira de sonhos, de encantos e carinhos da mãe zelosa, sempre presente, conforto e segurança da família. Logo tornou-se homem: foi policial, mecânico e técnico em eletrônica. 

Casou-se com Izabel Pinheiro Berenguer com quem teve três filhos: Arley, Alexandro e Lara. Ao partir para sempre, no dia de ontem, aos 74 anos de idade, deixa um sorriso no rosto de seus sete netos.

As águas sorrateiras, em remanso, lentamente avançam. Levam para longe o barco da vida, para as terras de além mar.  Nas suas margens, os pés de mangas e as jaçanãs sonoras, parece despedirem-se... 

Ficam as lembranças. 

Vai-se o homem. Vai-se o pai, esposo, avô. Vai-se o esteio da família. Fica o vazio e a saudade daquele barco, agora transformado em miniatura artesanal de madeira envernizada, cuidadosamente colocado sobre a estante da casa: o seu porto seguro, cuja vida ancorou.

Descanse em paz pescador e artesão Joaquim Bueno. Que as águas do rio Paraná o levem para longe de enrosco e galhadas presas no seu leito. Continues remando, sempre em busca e ao encontro das águas celestes do eterno mar da Vida... 

Brasilândia/MS, 24 de outubro de 2023.

 

Foto e Informações fornecidas pelo sobrinho Dr. Marcos Borges.

8 comentários:

  1. Que lindo, mano!!!
    Nosso poeta maior.
    Te amo.

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  2. Carlito até na morte consegue ver beleza...

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    1. Salve. Obrigado pelas palavras. Sim, na morte, quando vista como uma passagem, pode ser vista, sim, como uma brisa transformada pelos corações generosos em poesia. Abraço.

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  3. Mano Carlito
    Mestre dos sentimentos transformados em belas palavras, intérprete daqueles que não encontram a tradução de sentimentos por palavras adequadas para cada momento da vida,
    Encontra em seu coração sempre o consolo daqueles que necessitam de paz e esperança.
    Obrigado mano é que Deus continue sempre te abençoando tu e tua família com SAÚDE, FÉ e AMOR....

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    1. Obrigado mano, por sempre prestigiar com belas palavras de ânimo a este, por vezes, olvidado, escrevinhador. Beijo.

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  4. Dr Carlito, a vida entre poesia. Bela homenagem

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  5. Obrigado amigo. Por acompanhar nosso altruísta trabalho que, mais que uma obstinação, é um conforto para a alma de quem lê e também escreve.

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