quarta-feira, 18 de abril de 2018

Dia do índio, ó cara pálida!


Hoje é Dia da Nação Ofayé
Prof. Carlos Alberto dos Santos Dutra.

Festejar o Dia do Índio na atualidade pode parecer uma contradição, um paradoxo, algo surreal. Isto porque se pegarmos as três palavras que compõem a frase festejar o dia do índio já percebemos o grande engano que cometemos. Primeiro porque índio é quem vivia na Índia (assim pensavam os descobridores), e a palavra é fruto de um equívoco histórico. Mais correto seria chamar os povos autóctones que aqui foram encontrados pelos colonizadores, de indígenas (do latim indu+gene, de dentro ou que nasce de dentro, nativo do lugar). Hoje as populações indígenas reivindicam serem chamadas pelo nome próprio de suas etnias: Ofayé, Guató, Kaiowá, Yanomami e assim por diante, ou genericamente, Povos Indígenas. 

A segunda contradição é dedicar um dia apenas no calendário para uma cultura tão diversificada e rica como a indígena, e que é tão pouco lembrada e valorizada, sendo que todo o dia é dia de índio, como dizia a canção de Jorge Ben cantada por Baby Consuelo, a Baby Brasil. Festejar o 19 de abril equivale dizer que estamos ensinando nas escolas, de forma fragmentada, que a cultura indígena se resume somente ao dia 19 de abril. Uma rápida olhada a nossa volta, consultando os livros didáticos de nossas escolas e vamos observar detalhado a figura de um estudante vestido de índio com uma pena na cabeça e uma tanga de pano ou saco de cizal na cintura. 

Com isso estamos, em nome da globalização neoliberal, ceifando o futuro indígena, desrespeitando sua cultura e sua religião, impondo valores, colocando-os como reserva de mão de obra e que, quando não se integram ao modo capitalista de produção que lhe propomos, os acusamos de ser preguiçosos ou que já não são mais índios por que usam aparelhos celulares ou moram na cidade.

E terceiro, a propósito da festa, podemos perguntar: festejar o que? Se ainda não resta muita saída para o índio dentro da nossa cultura e nossa modernidade. Onde nossos princípios, que chamamos de avanços são totalmente contrário à ideologia de vida indígena. Vejamos alguns exemplos:
No mundo dos índios não existe espaço para o desmatamento desnecessário, plantação de monoculturas em larga escala, destruição e poluição dos rios. A terra para o povo indígena não é uma mercadoria, não é um produto de compra e venda: é fonte de subsistência, que deve ser explorada para garantir o pão de cada dia, não para a acumulação. Para o índio, todos sabemos, a terra, que é chamada de território, faz parte de sua história, regada de sangue e eivada de cruzes por nós semeada. Terra de seus antepassados...
No Dia do Índio, se você passar por uma escola vai ver grande parte dos alunos pintados e fantasiados de índios em atividades de comemoração a este dia, mas na mente desses alunos a cultura indígena raras vezes está contextualizada com a realidade. O índio para muitos ainda é o índio da novela da TV.
Então meus amigos. Hoje não é Dia do Índio. Hoje é o Dia da Nação Ofayé, da Nação Guarani, Dia dos Povos Indígenas. Hoje é o Dia da Aldeia Anodi, aqui de Brasilândia/MS. Dia em que os moradores desta aldeia multicultural festejam seus mortos, suas lutas, suas vitórias. Dia de aprender, através de seus erros e derrotas, novos caminhos. Dia de revitalizar a língua, ouvir histórias e recontá-las com sabor de amanhã. É dia de congraçamento, de agradecimento e homenagem àqueles velhos troncos, dos antigos caçadores e coletores da margem direita do rio Paraná. Dia também de reconhecer o esforço daqueles que, ao longo da caminhada, estenderam a mão ao índio, garantindo-lhes o ânimo necessário para continuar na luta, retirando as pedras do caminho, alargando seus horizontes.
Sim. Hoje é o Dia da Aldeia Anodi, do povo Ofayé e do povo Guarani-Kaiowá que ali também vive. Povo diverso que desde o século passado foi vizinho do povo Ofayé, frequentando as margens opostas dos rios Ivinhema, Brilhante e Pardo, não sem tensões, pois eram povos diferentes de hábitos, costume e língua. Mas até na diversidade a solidariedade vence. E cá estão eles, passado os anos, parceiros do sofrimento e desterro, desde a serra da Bodoquena nas faldas do Pantanal, onde os laços familiares se estreitaram entre os Ofayé e os Guarani-Kaiowá, enfrentando as mesmas dificuldades. Duas etnias que, apesar da imposição oficial, convivem em paz, respeitando-se mutuamente, pois a terra, é preciso dizer em alto e bom som: pertence ao Povo Ofayé!
Os não índios e suas escolas e professores desavisados podem continuar festejando o Dia do Índio de maneira folclórica e superficial em suas cidades, e cujos reflexos também fazem se sentir aqui na escola rural da aldeia. Mas, como seria bom se o Dia do Índio fosse festejado dando oportunidade a esse sujeito de pele parda, de ser protagonista de sua história e poder mostrar sua verdadeira identidade, seu jeito diferente de ser... e ser respeitado. Bom seria que seus direitos fossem garantidos, sobretudo na escola, com professores indígenas do ensino fundamental ao ensino médio e universidade.
Porque são tantos os acadêmicos, mestres e doutores que pisam a aldeia Anodi em busca de histórias, artesanato e sabedoria. --Ora, se buscam, é sinal que temos para dar. E se temos o conteúdo para suas teses e dissertações: --Por que não somos valorizados? --Por que nossa escola Ofayé E Iniecheki garante estudo ao índio somente até o 4º ano do ensino fundamental?
Sim, festejar o Dia do Índio é buscar respostas para tantas perguntas. Sobretudo àquelas dirigidas às autoridades. E aqui lembro do ex-cacique Ataíde Francisco Rodrigues, o Xehitâ-ha Ofayé, falecido em 2016, que sempre aproveitava estas oportunidades, quando estava diante do jornal e da TV, para reivindicar os direitos que sua comunidade carecia. Um grande líder.
Ao lado de Ataíde Xeritha-ha, aqui vai nossas homenagens aos saudosos Alfredo Ekurei-fyg; ao casal João Pereira He-í e arê Francisca He-gueí; a Eugênia ; o João; o Eduardinho Cri-i; o Arlindo Oti-chô; o Marcos; o Felipe Totê; o Sebastião; a Regina; o Gilmar Yacui-nin Apucará; a Aparecida Hanto-grê; a Malvina e seu Manoel; a dona Maria Ta-gué; a Cleuza Kái-rã; a Marilda Xartã; o Acácio; o Zé Nantes Fuic-xare-fuê; a Maria Helena; a Lurdes, o Tomé Chião e a Dirce Ranhão; o Josimar Sion-groi; o Silbene Ka-náu, e tantos outros, que neste dia, sim, cabe lembrá-los e honrá-los com nossas homenagens.
Parabéns Povo Ofayé, parabéns indígenas Guarani-Kaiowá. E também parabéns aos parceiros: Fibria, Prefeitura, Funai, Sesai, Universidade, Igrejas e pessoas de boa vontade. E também ao CIMI que durante 20 anos esteve ao lado desta comunidade, desde a Bodoquena até Brasilândia. Parabéns aos troncos sobreviventes do povo Ofayé e Guarani Kaiowá, representados hoje pela artesã dona Neuza Teng-rô, dona Joana Okuin-rê e seu Roni Va-verá.
Ao lado dos professores Silvano Hang-tar-hec, neto da are Francisca, e Elizângela, filha da professora Marilda, mestra dos doutores da língua Ofayé, a Aldeia Anodi festeja este dia com olhos de esperança, mas com os pés muito bem cravados no solo que o antepassado deste povo viu nascer e crescer.
Dia de olhar para o que já foi conquistado, e dia de olhar para estas crianças, e pensar no futuro: --O que estará reservado para elas? Dia, sobretudo, de envidar esforços, para garantir que os dias sejam melhores para elas. E demonstrar que o esforço e a luta dos mais antigos valeu a pena. Dia de demonstrar aos mais novos, Cacique Marcelo, que sentimos orgulho de ser indígena. Dia também para nós ó cara pálida, de fortalecer os laços de solidariedade e respeito aos patrícios Povos Indígenas desta terra. Obrigado. Arikã.

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