segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Flores e livros para você mãe querida

 

Dona Laura nos acena com um sorriso de até breve.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Existem mulheres que desde o berço revelam-se singulares. Laura dos Santos Dutra era uma delas. Não, não falo de algo fictício e utópico das páginas de um romance de Dostoievski. Nossa menina nasceu em Porto Alegre/RS no dia 2 de fevereiro de 1933 durante uma festa de Nossa Senhora dos Navegantes, no bairro situado nas margens do rio Guaíba. Quando os sinos da igreja tocavam aclamando a Rainha das águas e dos pescadores, a menina pensava que era em sua homenagem que todos festejavam. Foi uma criança feliz.

Filha de um antigo marinheiro quando jovem e, depois, agente de estação ferroviária, João Antônio dos Santos Filho e Maria José Peixoto dos Santos, foi educada e alfabetizada em casa muito cedo com todo o primor pelo pai ao lado de seus dois irmãos, Lauro e Laureci. Quando a família se mudou para Cacequi/RS, onde passou sua juventude, passou a trabalhar na Biblioteca do Bolãozinho, no antigo Clube Apolo. 

Foi neste lugar que ela realimentou a leitora voraz que era durante sua adolescência, quando leu os mais 170 livros da chamada Biblioteca das Moças que o lugar ostentava. Naquela rica biblioteca passaram por suas mãos a maior parte dos livros da literatura universal: de André Gide a Liev Tolstoi; de Archibald Cronin a Érico Veríssimo; de Bastos Tigre a Castro Alves.

Casou no dia 26 de março de 1955 com o cacequiense Vilson da Silva Dutra, trabalhador do depósito de locomotivas, com quem teve oito filhos: Carlos Alberto, Léa, João Antônio, Luiz Eduardo; Lélia; Maria Angélica; José Luiz, e Vilson.  Simpática comunicadora e hábil anfitriã, embalou marido e filhos sempre com poesia, música e gentilezas. Senhora das cartas e das letras, depois dos filhos criados, dedicou-se à literatura escrevendo e publicando 4 livros: História de um amor comum, em 2003; Os estranhos amores de Lili, em 2011; A fonte da felicidade, em 2018; e A menina e as curvas do trem, em 2019.

Dona Laura, como era conhecida, sempre foi uma jovem inquieta. Como toda a aquariana, desde cedo foi uma mulher à frente do seu tempo. Ao longo dos seus 89 anos de vida desempenhou, ao lado da criação dos filhos e manutenção do lar, papel de destacada liderança, sendo admirável exemplo para sua comunidade. Uma das pioneiras fundadoras da antiga Liga Feminina de Combate ao Câncer, fundada ainda em 1986, época em que a entidade dava seus primeiros passos, lá a encontramos percorrendo as ruas de Cacequi/RS na busca de contribuições cuidadosamente anotadas nos antigos carnês da entidade nos seus anos primeiros.

Mais adiante e lá a encontramos liderando grupos de oração e círculos bíblicos no Povo Novo, no ano 1981, lançando as bases para uma das primeiras Comunidades de Base da Igreja, a Capela São Pedro edificada naquele bairro. Mulher de mente aberta, há de se recordar que em sua juventude ela foi professora rural, e depois de idosa, dama de companhia e preletora de duas jovens morando em São Paulo; também foi mestre no corte e costura por muitos anos.

Depois de separada, mudou-se para Brasilândia/MS com o filho caçula onde já residia seu filho primogênito indigenista. Aqui angariou uma legião de amigos sendo uma das fundadoras de um dos primeiros Círculos Bíblicos na então Cohab, hoje bairro Thomaz de Almeida, onde morava. Neste bairro participou ativamente das promoções e festas da associação AMATA que começava a se formar. Visitou escolas, viajou, deu palestras e alinhavou as primeiras linhas de seu despertar de escritora. Visitou a aldeia indígena Ofaié e obras da administração local da época, tendo registrado sua trajetória em um de seus livros nos detalhes.

De caminhar elegante e sempre procurado vestir sua melhor cor, esta senhora foi aclamada como escritora no prêmio nacional Talentos da Terceira Idade. No ano de 2018 no auge de suas potencialidades intelectuais foi homenageada pelo município de Cacequi/RS, logrando ingressar no rol dos homenageados em um evento de relevo, tornando-se a primeira mulher patronesse da Feira do Livro daquela cidade.

Por ocasião de seu falecimento, em Cacequi/RS, no dia 21 de agosto de 2022, aquela menina das curvas do trem foi abraçada pelos filhos, parentes e amigos, e viu seu nome ser lembrado com admirada nostalgia e graça. Aura de luz que permanece no coração de todos, sobretudo o seu sorriso, sua palavra de conforto e as gentilezas de que era portadora no trato com todos, o que demonstrava ser – embora nunca gostou de ser assim comparada --, uma verdadeira dama. Humana e sensível, de igual forma, nunca deixou de levantar a voz quando era preciso para defender os injustiçados. Eis a maior de todas as suas virtudes. Flores e livros para você mãe querida!

Brasilândia/MS, 29 de agosto de 2022.

Um comentário:

  1. Vozinha, você será pra sempre lembrada e amada! Seu sorriso lindo, seus cabelos branquinhos, o cheiro da sua casa... Apesar da saudade, foi uma benção e uma felicidade ter você nas nossas vidas! Te amo ❤️

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