O Marco Temporal e o fim da história
Carlos Alberto dos Santos Dutra
A noite do dia 30 de maio de 2023 ficará na memória
dos povos indígenas. Foi quando a Câmara dos Deputados decidiu pôr um fim à
história de resistência dos primi ocupandi desta terra
brasili. Neste dia, através do chamado marco temporal,
usurparam-lhes o direito a seus territórios tradicionais, legitimando, por
conseguinte, os massacres e expulsões praticados por aqueles que suas terras
tomaram.
E lá estavam eles, os deputados federais, sobretudo os filiados aos partidos PL, União Brasil e PP, votando a favor de um projeto de lei que estarrecia indígenas e não indígenas e que escancaradamente limitava demarcação de terras indígenas fazendo o país retroagir do campo dos direitos e garantias sociais.
E o que é mais lamentável: entre
os 283 votos favoráveis ao texto do marco temporal, cinco
representantes eram de Mato Grosso do Sul, que engrossaram as fileiras da
direita politicastra do país. Parlamentares que, em troca de cargos e emendas, aos
poucos se apoderam do Planalto.
Votaram pela aprovação deputados
sul-mato-grossenses, alguns conhecidos dos brasilandenses: Beto Pereira
e Geraldo Resende, ambos do PSDB. Também os deputados Dr. Luiz
Ovando (do PP), Marcos Pollon (do PL) e Rodolfo
Nogueira (do PL). Somente votaram contra o texto-base do projeto, os
deputados Vander Loubet (do PT), Dagoberto Nogueira (do
PSDB) e Camila Jara (do PT).
Mas o que é o marco temporal que
muitos se arvoram contra? Grosso modo o projeto define a demarcação apenas de
terras que já eram ocupadas por povos indígenas até a promulgação da
Constituição Federal de 1988. Ou seja, garante aos povos indígenas ocupar
apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de
promulgação da Constituição.
No Congresso, o estabelecimento deste marco
temporal é uma demanda antiga da bancada ruralista e do Centrão, bloco
informal de partidos sem linha ideológica clara, mas que compartilha valores
conservadores. Para a sociedade civil, ambientalistas e povos indígenas, o
projeto é um retrocesso.
Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o projeto é um ataque grave aos povos indígenas e ao meio ambiente. Seguimos lutando pela vida. Ainda no Senado, dialogaremos para evitar a negociação de nossas vidas em troca de lucro e destruição. Não desistiremos! Disse após a derrota na Câmara Federal.
Para aqueles que defendem o projeto, há a
necessidade de que haja um parâmetro temporal para frear as demarcações, pois sem
esse prazo, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado
imobiliário” no País, manifestou-se o ministro do STF Kássio Nunes
Marques. Avaliou ainda que, sem o marco temporal, a “soberania e
independência nacional” estariam em risco.
O ministro destacou ainda que é
preciso considerar o marco temporal em nome da segurança jurídica nacional.
‘Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de
recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço
para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação’,
disse. [Esbulho é a perda de uma terra invadida.]
Para os povos indígenas, em contrapartida, o marco
temporal representa ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas
e de florestas, uma vez que, gerará muitos conflitos em áreas já pacificadas,
por provocar a revisão de reservas já demarcadas.
Segundo o ministro do STF, Edson Fachin, que foi contrário ao marco temporal, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho. Além do mais, a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.
Fachin concluiu
seu parecer salientando que o procedimento demarcatório realizado pelo
Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a
demarcação é um ato meramente declaratório.
Brasilândia/MS,
31 de maio de 2023.
Fonte: Agência
Câmara de Notícias. https://www.camara.leg.br/noticias/966618-O-QUE-E-MARCO-TEMPORAL-E-QUAIS-SAO-OS-ARGUMENTOS-FAVORAVEIS-E-CONTRARIOS; Marina Pinhoni, G1, 30/05/2023.
Leitura
recomendada: FUKUYAMA, F. O fim da História e o
último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. Cf. também https://www.periodicos.udesc.br/index.php/percursos/article/viewFile/1451/1224
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