Seu
Alcides e as imagens do coração
Carlos
Alberto dos Santos Dutra
Lidar com o
gado é uma arte. É necessário ter nascido com o dom e saber aproveitar a
oportunidade que a vida nos dá. Foi assim com Alcides Gonçalves Diniz, com quem
tive a satisfação de conversar num dia desses que já vai longe. Era o dia 22 de
julho de 2016.
A ideia de
colocar este relato num livro prende-se ao desejo puro e simples de
homenageá-lo e junto dele a todos aqueles que dedicaram sua vida à lide do
campo.
A casa
simples por fora, pátio asseado, e por dentro escondia um tesouro que o tempo
não destrói. São imagens que se encontram plasmadas na memória e se
materializam nas paredes daquela pequena casa por onde circula um aroma de
fazenda.
Paredes
bordadas de troféus e imagens estampadas em fotografias de todos os tamanhos
revivem um tempo distante, que já se foi, mas que todas as manhãs insistem em
saudá-lo e desejar-lhe bom dia.
Olhar
aguçado sob a sombra da aba do chapéu, corpo esbelto e mantendo a indumentária
campeira sempre à vista, faixa sobre o cinto de couro, bota cano curto e o
inseparável canivete completam a vestimenta do homem da cidade, mas que um dia se
vestiu muito mais a caráter para enfrentar o rigor da lida no manejo dos
animais e da tropa.
Gentil e
obsequioso seu olhar repousa sobre as fotografias cuidadosamente molduradas em
quadros que os faz recordar o tempo de infância, desde quando nasceu, lá nos
idos 5 de maio de 1938.
Sim, foi na
sede da velha matriz da firma inglesa apelidada de marca argola, Fazenda Boa
Esperança, que a criança deu o seu primeiro choro, à semelhança de um bezerro
desmamado com saudade da mãe. Depois de moço veio aprender com o capataz Antenor
Fonseca, o ofício de vaqueiro e tocador de tropa.
E lá se
encontra ele na bela planície da Fazenda Fátima, onde muito trabalhou e
cavalgou. As imagens e o som característico do ranger das rodas do carro de
boi, tocado por dez bois, aponta ele com o dedo orgulhoso.
Noutra imagem o burro de broaca. Mas o que é broaca? Pergunto. Ao que me responde com um sábio sorriso: --é um caixote de couro e pau para colocar alimentos nos dois lados do burro para acompanhar a comitiva, brinca.
A emoção
destes tempos primeiros lhe invade a alma e ele volta no tempo percorrendo o Retiro
Sapé, hoje Fazenda Sertaneja, dizem; o seu tio que foi capataz; o Olegário
que lhe ensinou a lide; e o matador de onça contratado pela fazenda para
garantir a segurança do gado, José Joaquim de Carvalho.
Em outras
fotos contemplamos a porteira e duas cabeças de boi na entrada da Fazenda
São Cristóvão, do Diogo, lembra ele. Noutra foto ele, seu Alcides,
perfilado ao lado de um touro, próximo às casas da colônia, animal que só ele
podia tocar, me informa com um sorriso nos lábios.
E lá segue
ele, mostrando-me uma coisa ou outra, falando em voz alta o nome dos irmãos e
parentes de seus quase dez irmãos: Benício, Assis, Eunice, Edite, Enilda,
Hermínia, entre outros. Agora está dentro de um galpãozinho no fundo da
casa e me mostra suas tralhas e arreios utilizados nos cavalos que montou.
Coisas que não esquece.
Pega na mão
dois ou três arreios e perfila-se para tirar uma fotografia. Lembra então que
está sem chapéu e rápido vai buscá-lo para logo se aprumar para a fotografia. Entre
os seus pertences, ainda nos mostra uma espécie de pelego que chamou de coxonilho,
que ao encilhar o animal ia por cima da badana, informa.
Ao
despedir-me e agradecer a oportunidade de conhecer um pouco de sua história,
ele me abraça e também me agradece por ter lhe dado aquele momento mágico de
reviver no tempo o passado que ainda lhe alimenta a esperança de viver e seguir
em frente com a consciência de ter realizado o que mais lhe dava satisfação na
vida: camperear em comitivas.
E assim com
ele, seguimos nós, nesta trilha... aprendendo sempre um pouco mais com a vida.
Brasilândia/MS, 13 de novembro de 2023. Publicado originalmente em http://carlitodutra.com/seu_alcides_e_as_imagens_do_coracao.html, em 02.Abril.2017. E no vol. 3-Cidadania, da coleção História e Memória de Brasilândia, pág. 427.
Seu Alcides teve a sorte de receber em sua casa está alma sensível com o dom de humanizar e revelar o que há de melhor em cada pessoa . Devo dizer que maior sorte tive eu: o escritor é meu irmão !
ResponderExcluirSalve mano. Obrigado pelas palavras. Gratidão.
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