segunda-feira, 13 de novembro de 2023

 

Seu Alcides e as imagens do coração

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Lidar com o gado é uma arte. É necessário ter nascido com o dom e saber aproveitar a oportunidade que a vida nos dá. Foi assim com Alcides Gonçalves Diniz, com quem tive a satisfação de conversar num dia desses que já vai longe. Era o dia 22 de julho de 2016.

A ideia de colocar este relato num livro prende-se ao desejo puro e simples de homenageá-lo e junto dele a todos aqueles que dedicaram sua vida à lide do campo.

A casa simples por fora, pátio asseado, e por dentro escondia um tesouro que o tempo não destrói. São imagens que se encontram plasmadas na memória e se materializam nas paredes daquela pequena casa por onde circula um aroma de fazenda.

Paredes bordadas de troféus e imagens estampadas em fotografias de todos os tamanhos revivem um tempo distante, que já se foi, mas que todas as manhãs insistem em saudá-lo e desejar-lhe bom dia.

Olhar aguçado sob a sombra da aba do chapéu, corpo esbelto e mantendo a indumentária campeira sempre à vista, faixa sobre o cinto de couro, bota cano curto e o inseparável canivete completam a vestimenta do homem da cidade, mas que um dia se vestiu muito mais a caráter para enfrentar o rigor da lida no manejo dos animais e da tropa.

Gentil e obsequioso seu olhar repousa sobre as fotografias cuidadosamente molduradas em quadros que os faz recordar o tempo de infância, desde quando nasceu, lá nos idos 5 de maio de 1938.

Sim, foi na sede da velha matriz da firma inglesa apelidada de marca argola, Fazenda Boa Esperança, que a criança deu o seu primeiro choro, à semelhança de um bezerro desmamado com saudade da mãe. Depois de moço veio aprender com o capataz Antenor Fonseca, o ofício de vaqueiro e tocador de tropa.

E lá se encontra ele na bela planície da Fazenda Fátima, onde muito trabalhou e cavalgou. As imagens e o som característico do ranger das rodas do carro de boi, tocado por dez bois, aponta ele com o dedo orgulhoso.

Noutra imagem o burro de broaca. Mas o que é broaca? Pergunto. Ao que me responde com um sábio sorriso: --é um caixote de couro e pau para colocar alimentos nos dois lados do burro para acompanhar a comitiva, brinca.

A emoção destes tempos primeiros lhe invade a alma e ele volta no tempo percorrendo o Retiro Sapé, hoje Fazenda Sertaneja, dizem; o seu tio que foi capataz; o Olegário que lhe ensinou a lide; e o matador de onça contratado pela fazenda para garantir a segurança do gado, José Joaquim de Carvalho.

Em outras fotos contemplamos a porteira e duas cabeças de boi na entrada da Fazenda São Cristóvão, do Diogo, lembra ele. Noutra foto ele, seu Alcides, perfilado ao lado de um touro, próximo às casas da colônia, animal que só ele podia tocar, me informa com um sorriso nos lábios.

E lá segue ele, mostrando-me uma coisa ou outra, falando em voz alta o nome dos irmãos e parentes de seus quase dez irmãos: Benício, Assis, Eunice, Edite, Enilda, Hermínia, entre outros. Agora está dentro de um galpãozinho no fundo da casa e me mostra suas tralhas e arreios utilizados nos cavalos que montou. Coisas que não esquece.

Pega na mão dois ou três arreios e perfila-se para tirar uma fotografia. Lembra então que está sem chapéu e rápido vai buscá-lo para logo se aprumar para a fotografia. Entre os seus pertences, ainda nos mostra uma espécie de pelego que chamou de coxonilho, que ao encilhar o animal ia por cima da badana, informa.

Ao despedir-me e agradecer a oportunidade de conhecer um pouco de sua história, ele me abraça e também me agradece por ter lhe dado aquele momento mágico de reviver no tempo o passado que ainda lhe alimenta a esperança de viver e seguir em frente com a consciência de ter realizado o que mais lhe dava satisfação na vida: camperear em comitivas.

E assim com ele, seguimos nós, nesta trilha... aprendendo sempre um pouco mais com a vida.


Brasilândia/MS, 13 de novembro de 2023. Publicado originalmente em http://carlitodutra.com/seu_alcides_e_as_imagens_do_coracao.html, em 02.Abril.2017. E no vol. 3-Cidadania, da coleção História e Memória de Brasilândia, pág. 427.





2 comentários:

  1. Seu Alcides teve a sorte de receber em sua casa está alma sensível com o dom de humanizar e revelar o que há de melhor em cada pessoa . Devo dizer que maior sorte tive eu: o escritor é meu irmão !

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  2. Salve mano. Obrigado pelas palavras. Gratidão.

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