A simplicidade franciscana
de seu Valdetino.
Carlos Alberto dos Santos
Dutra
Não sem pesar, cumpre
lembrar – hoje, passados 4 anos --, que esta despedida, não por acaso, recaiu
sobre uma das datas mais comemoradas no mundo inteiro: Dia de São
Francisco, nascido em Assis, na Itália, há 800 anos.
O nosso Valdetino que
vivia na Cidade Esperança, cá num pontinho incandescente do Centro Oeste
brasileiro, entretanto, tinha algo em comum com aquele que é o Santo mais amado
no mundo. Ele era um homem manso de coração, terno nas palavras, profundamente
humano e caridoso; e um defensor da paz e da harmonia entre o homem e a
natureza.
Nascido em 13 de setembro de
1944, construiu uma história de vida que hoje, por ocasião de sua Páscoa
definitiva, pode ser lembrada com carinho e saudade por todos. Trabalhador
rural que nunca enjeitou serviço, havendo notícia de sua labuta desde moço quando
ainda quebrava milho nos tempos áureos da fazenda Pedra Bonita, recorda um
amigo nas redes sociais.
As lágrimas rolam pelo rosto
daqueles que não tiveram a oportunidade de conhecê-lo melhor, sua história, sua
família, seus sonhos e suas realizações. Descuidado que somos com quem nós
amamos, é nesta hora, da derradeira despedida, que um nó na garganta nos
surpreende e sufoca; e não sabemos dizer o porquê.
Casado com Raimunda
Maria Lira, conhecida como Derci, teve um lar abençoado gerando
sete filhos aos quais o casal educou-os e os viu crescer um a um, todos
realizando-se profissionalmente: Aparecida Dóris da Silva, Francisco da
Silva, Maria Jovelina da Silva, Luzia da Silva, Cícero da Silva, Valdeci da
Silva, e Valdetino Salles da Silva Filho.
A memória de São Francisco,
hoje, se encontra eternizada na construção da imponente Basílica de São
Francisco entre as colinas da Úmbria, na Itália. E por aqui, não diferente, a
lembrança do nosso Valdetino há de permanecer viva, pilastrada no
imponente prédio de carne e osso, de valores e verdades que construiu ao longo
dos dias no coração desta comunidade.
Homem profundamente humano e
de aparência simples, escondia no olhar a força e o silêncio dos dias que já se
foram e um desejo sincero de mirar longe, tal qual um monge na planura do topo
da montanha, comunicando afeto, apontando caminhos sendo motivo de
contemplação.
Sempre guardava para os
amigos uma alegria a mais. Solícito e disposto, nos momentos de enlevo -
recorda uma amiga -, contava pequenas histórias e graças que suavizavam a
dureza dos dias e o entardecer.
Nesta hora de tristeza e
dor, é como se abríssemos o álbum de fotografias de nossas vidas e -- numa
busca candente e apaixonada por algo que nos afague as mágoas --, pudéssemos
folhar suas páginas e alisar seu rosto em busca dos melhores momentos, de doçura
e respeito que ele sempre dedicou à família.
--Ah, pai Valdetino, meu
guerreiro --, diz a filha Jô com
carinho. Sempre animada agradando o pai, enquanto o conduzia para os eventos
festivos da Terceira Idade, reuniões, tardes de lazer, concurso de beleza,
palestras.... Nestes momentos ela era só felicidade. É como se voltasse no
tempo e, de mãos dadas com aquela fortaleza ao seu lado, lá ia aquela menininha
saltitante pela estrada, confiante, sem medo do amanhã, segurando firme e cheia
de orgulho a mão de seu papai.
O homem parte. E seus frutos
permanecem numa aura de luz por muitos anos, iluminando caminhos, partilhando
exemplo e tudo o mais que causava admiração. E lá vai o nosso mestre que é só
alegria, com um chapéu de couro, embalado pela música numa comemoração caipira,
irradiando e festejando o segredo da felicidade.
Muitas são as lembranças
deste guerreiro que lutou bravamente e que nunca esmoreceu. Entre as
recordações que nos enchem de satisfação - sobretudo para este escrevinhador-,
está um evento ocorrido em 2005 onde o seu Valdetino participou
ativamente revelando o quanto este senhor, mesmo já avançado em idade, se
preocupava com sua comunidade.
E lá o encontramos
participando de uma assembleia geral que ocorreu no bairro onde morava, quando
as famílias decidiram fundar a Associação de Moradores do Parque João de Abreu
I e II. Ao lado de nomes históricos de antigos moradores da região: entre eles
seu Brasilino Ferreira, dona Jesuína Camargo de Toledo,
a querida dona Ziza, entre outros, lá se encontrava aquele cidadão
engajado e atento aos problemas de seu bairro, participação decisiva que ficará
nos anais da história.
São Francisco de Assis,
quando partiu para o Reino de Deus sustentava a ideia de que toda criatura era
um dom do amor absoluto de Deus. Depois de ter sofrido na pele o alto preço que
pagou por defender a natureza, os animais e os pobres, despediu-se do mundo aos
45 anos. O nosso Valdetino, entretanto, viveu um pouco mais. Mas,
para nossa tristeza, neste dia 4 de outubro se despediu de nós aos 76 anos.
O guerreiro parte e leva
consigo o olhar e o abraço fraterno de todos que o conheceram e gostariam de
lhe dar. Num tempo de isolamento social [vivíamos na pandemia] onde não nos é
permitido aproximar e tocar, um pedido apenas: --leve contigo para o Céu nossos
corações entristecidos! E receba o ósculo do reconhecimento que
lhe dedicamos, amigo desta cidade que edificaste, sem nunca perder a
simplicidade e a alegria de viver. Que São Francisco o receba no Céu. Amém.
Brasilândia, 5 de outubro de
2024. Publicado originalmente em 05.Out.2020 no site: https://www.institutocisalpina.org/asimplicidade-e-a-alegria-de-valdetino-salles-da-silva.html;
Disponível em DUTRA, C.A.S. Quando eu me chamar saudade, 2. Ed., Vol. 1- Brasilândia,
Edição do Autor, 2023, pág. 97-100.
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