sábado, 5 de outubro de 2024

 

A simplicidade franciscana de seu Valdetino.

Carlos Alberto dos Santos Dutra












No dia 4 de outubro de 2020, num domingo ensolarado, a cidade recebeu a notícia do falecimento do senhor Valdetino Salles da Silva, pai da vereadora e então presidente da Câmara Municipal de Brasilândia/MS, Maria Jovelina da Silva, popular Jô Cabeleireira

Não sem pesar, cumpre lembrar – hoje, passados 4 anos --, que esta despedida, não por acaso, recaiu sobre uma das datas mais comemoradas no mundo inteiro: Dia de São Francisco, nascido em Assis, na Itália, há 800 anos.

O nosso Valdetino que vivia na Cidade Esperança, cá num pontinho incandescente do Centro Oeste brasileiro, entretanto, tinha algo em comum com aquele que é o Santo mais amado no mundo. Ele era um homem manso de coração, terno nas palavras, profundamente humano e caridoso; e um defensor da paz e da harmonia entre o homem e a natureza.

Nascido em 13 de setembro de 1944, construiu uma história de vida que hoje, por ocasião de sua Páscoa definitiva, pode ser lembrada com carinho e saudade por todos. Trabalhador rural que nunca enjeitou serviço, havendo notícia de sua labuta desde moço quando ainda quebrava milho nos tempos áureos da fazenda Pedra Bonita, recorda um amigo nas redes sociais.

As lágrimas rolam pelo rosto daqueles que não tiveram a oportunidade de conhecê-lo melhor, sua história, sua família, seus sonhos e suas realizações. Descuidado que somos com quem nós amamos, é nesta hora, da derradeira despedida, que um nó na garganta nos surpreende e sufoca; e não sabemos dizer o porquê.

Casado com Raimunda Maria Lira, conhecida como Derci, teve um lar abençoado gerando sete filhos aos quais o casal educou-os e os viu crescer um a um, todos realizando-se profissionalmente: Aparecida Dóris da Silva, Francisco da Silva, Maria Jovelina da Silva, Luzia da Silva, Cícero da Silva, Valdeci da Silva, Valdetino Salles da Silva Filho.

A memória de São Francisco, hoje, se encontra eternizada na construção da imponente Basílica de São Francisco entre as colinas da Úmbria, na Itália. E por aqui, não diferente, a lembrança do nosso Valdetino há de permanecer viva, pilastrada no imponente prédio de carne e osso, de valores e verdades que construiu ao longo dos dias no coração desta comunidade.

Homem profundamente humano e de aparência simples, escondia no olhar a força e o silêncio dos dias que já se foram e um desejo sincero de mirar longe, tal qual um monge na planura do topo da montanha, comunicando afeto, apontando caminhos sendo motivo de contemplação.

Sempre guardava para os amigos uma alegria a mais. Solícito e disposto, nos momentos de enlevo - recorda uma amiga -, contava pequenas histórias e graças que suavizavam a dureza dos dias e o entardecer.

Nesta hora de tristeza e dor, é como se abríssemos o álbum de fotografias de nossas vidas e -- numa busca candente e apaixonada por algo que nos afague as mágoas --, pudéssemos folhar suas páginas e alisar seu rosto em busca dos melhores momentos, de doçura e respeito que ele sempre dedicou à família.

--Ah, pai Valdetino, meu guerreiro --, diz a filha Jô com carinho. Sempre animada agradando o pai, enquanto o conduzia para os eventos festivos da Terceira Idade, reuniões, tardes de lazer, concurso de beleza, palestras.... Nestes momentos ela era só felicidade. É como se voltasse no tempo e, de mãos dadas com aquela fortaleza ao seu lado, lá ia aquela menininha saltitante pela estrada, confiante, sem medo do amanhã, segurando firme e cheia de orgulho a mão de seu papai.

O homem parte. E seus frutos permanecem numa aura de luz por muitos anos, iluminando caminhos, partilhando exemplo e tudo o mais que causava admiração. E lá vai o nosso mestre que é só alegria, com um chapéu de couro, embalado pela música numa comemoração caipira, irradiando e festejando o segredo da felicidade.

Muitas são as lembranças deste guerreiro que lutou bravamente e que nunca esmoreceu. Entre as recordações que nos enchem de satisfação - sobretudo para este escrevinhador-, está um evento ocorrido em 2005 onde o seu Valdetino participou ativamente revelando o quanto este senhor, mesmo já avançado em idade, se preocupava com sua comunidade.

E lá o encontramos participando de uma assembleia geral que ocorreu no bairro onde morava, quando as famílias decidiram fundar a Associação de Moradores do Parque João de Abreu I e II. Ao lado de nomes históricos de antigos moradores da região: entre eles seu Brasilino Ferreira, dona Jesuína Camargo de Toledo, a querida dona Ziza, entre outros, lá se encontrava aquele cidadão engajado e atento aos problemas de seu bairro, participação decisiva que ficará nos anais da história.

São Francisco de Assis, quando partiu para o Reino de Deus sustentava a ideia de que toda criatura era um dom do amor absoluto de Deus. Depois de ter sofrido na pele o alto preço que pagou por defender a natureza, os animais e os pobres, despediu-se do mundo aos 45 anos. O nosso Valdetino, entretanto, viveu um pouco mais. Mas, para nossa tristeza, neste dia 4 de outubro se despediu de nós aos 76 anos.

O guerreiro parte e leva consigo o olhar e o abraço fraterno de todos que o conheceram e gostariam de lhe dar. Num tempo de isolamento social [vivíamos na pandemia] onde não nos é permitido aproximar e tocar, um pedido apenas: --leve contigo para o Céu nossos corações entristecidos! E receba o ósculo do reconhecimento que lhe dedicamos, amigo desta cidade que edificaste, sem nunca perder a simplicidade e a alegria de viver. Que São Francisco o receba no Céu. Amém.

 

 

Brasilândia, 5 de outubro de 2024. Publicado originalmente em 05.Out.2020 no site: https://www.institutocisalpina.org/asimplicidade-e-a-alegria-de-valdetino-salles-da-silva.html; Disponível em DUTRA, C.A.S. Quando eu me chamar saudade, 2. Ed., Vol. 1- Brasilândia, Edição do Autor, 2023, pág. 97-100.

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