sábado, 31 de maio de 2025

 

O menino, os tamancos e a saudade

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 




Um dia que já vai longe, existiu uma pessoinha, um menino ainda pequeno, inexperiente da vida. Graças ao empenho dos pais, muito bem iniciado nas diversas circunstâncias e realidade a sua volta e no seio familiar, teve a graça de contar com pessoas especiais no curso de sua trajetória. 

Lembro que por um tempo determinado, para a casa de seu tio ele foi levado e por lá permaneceu por quase um ano. Foi muito bem acolhido, laços de sangue os unia, mas o que mais ali o prendia era o amor e a maestria, e tanta sabedoria que lhe era ensinado. 

Lidar com a natureza, os animais e o labor da profissão de entregador de leite pelas ruas da cidade. Lida que seu tio construiu e consolidou como homem honrado e verdadeiro, um humilde e valoroso leiteiro que o nosso bom Deus àquela família havia enviado. 

Pois aquele homem e sua esposa foram verdadeiros pai e mãe para aquele tímido guri em meio a penca de filhos que tiveram. E a cada um deles o menino conheceu e por eles foi inspirado. Beber na fonte a amizade pura e simples, verdadeira e lapidada com o carinho que brotava daquele ninho, e que tudo ele guardava no seu jovem coração. 

Ali estava a razão de tanto afeto e cuidado desprendido: um par de tamancos que sua tia Nelci lhe entregara para vencer as geadas nas manhãs frias de inverno que aqueles campos cobria. 

Tio Guilherme, seu esposo, irmão mais velho de meu pai, Vilson, a exemplo deste, transformaram o menino num homem a partir daquele gesto simples e ao mesmo tempo de alcance tão profundo. 

São as lembranças do menino de sete anos de idade em suas andanças pelos campos que o faz ainda ouvir o som dos tamancos quebrando geada enquanto apartava as vacas e terneiros, madrugada a fora e coração a dentro. Sim são essas imagens que ele ainda guarda e as tem sempre presentes. 

Cada um dos doze primos daquela família, cada um com suas virtudes, qualidades e bondades, desde o mais velho Lizito até o caçula Paulinho, todos compunham o álbum que não consegue olvidar, e os sente sempre por perto com vontade de chorar. 

Tia Nelci, assim como minha mãe Laura, obsequiosa e celeste, neste universo ainda muito vivas permanecem presentes ao meu lado. Mesmo nestas horas, quando um rufar de asas angelicais nos chegam e nos pealam chicoteando adeus para além das lembranças. 

Os olhos do menino, dos irmãos e primos, agora se voltam para os apelos e reclames do coração em lágrimas. Pois foi num cair da tarde que a notícia da partida de um desses elos antigos que circundam o peito entristeceu aquela grande família que, um dia, o menino, hoje de cabelos brancos, conheceu. 

Pessoas simples e herdeiras de uma marca telúrica encravada no coração do tempo e pampa gaúcha alhures: tempo em que o respeito era a maior virtude e o amor dedicado aos pais, a maior das orações. 

Adeus Mariazinha, minha prima. Ainda a vejo, mulher trabalhadeira, desde muito cedo dedicada às tarefas da casa ajudando a criar e acudir quem necessitava, dom que Deus a brindou de graça embelezando o seu e o nosso mundo. 

Vencendo os desafios da vida no campo e na roça, com mãos firmes, mas também jeitosas, dando conta do riscado sobre o tecido, não descuidando o bordado, um luxo que poucos tinham, mas que a tornou valorosa, preservando o seu legado. 

Hoje, prima, descansaste da lida. Hoje és uma senhora encantada, uma estrela que brilha no céu e para além dele. Não a encontraremos na estrada, mesmo que procure o menino, para lhe abrir a porteira, ajudar a descer os tarros depois de mais esta jornada. 

Hoje viverá nas lembranças teu rosto de juventude, de trabalho e vida lançada ao vento. A lembrança da geada, os tamancos talhados na cortiça e as flores, o jardim que tu plantaste: filhos, amigos, amores... Colhas prima o que semeaste. 

Acenam os que ficam guardando no peito e na lembrança o quão zelosa e gentil tu fostes. Me integro a todos filhos, primos, sobrinhos, netos teus e de outros que criastes, no aceno, não sem lágrimas, o menino de pernas finas que um dia conheceste entre porteiras e abraços. 

Aceno pra ti o meu lenço branco de despedida. Mesmo que ainda insista esse peralta correr inocente, implorando a Deus a sua volta, ou por fim, que acolha essa senhora que há pouco nos deixou. Descanse em paz, prima Mariazinha, Maria Soares Dutra. 


De Brasilândia/MS para Cacequi/RS, 26 de maio de 2025.

Foto: https://www.planocritico.com/critica-a-arvore-dos-tamancos




quinta-feira, 29 de maio de 2025

 

Oração de adeus a dona Nair Gallon Bózio

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

Nem todas as mães tiveram a graça de ver seus filhos realizados, poder abraçar os netos com saúde, e colher em vida o carinho da família que gerou e dos amigos que cultivou.

Nem todas as mães tiveram a alegria de caminhar lado a lado do esposo durante uma vida inteira, sofrendo junto e também vendo-o receber os louros do sucesso.

Nem todas as mães passaram pela dor de enterrar o filho numa inversão dos papéis na vida quando a ordem natural é os filhos enterrarem os pais.

Pouquíssimas mães receberam a bênção de ter entre seus rebentos dois filhos que abraçaram o sacerdócio, o que lhes encheu de confiança cada vez maior nas suas orações e fé...

Pois uma dessas mães encantadas, na data de ontem (28 de maio), se despediu de seus filhos e netos, da família e dos amigos e de sua comunidade.

Naquele dia sombrio e frio, na acolhedora e distante Capitão Leônidas Marques, lá no estado do Paraná, uma guerreira admirável, no alto de seus 93 anos de idade, descansou.

Para a glória dos céus e da terra ela transpôs a linha do tempo celebrando a sua Páscoa definitiva, da mesma forma que sempre viveu, acreditou e praticou seus valores: serena e confiante na força e na vontade de Deus.

Naquele dia, dona Nair Gallon Bózio não mais dialogou à distância com o Pai, como sempre fizera ao longo dos anos. Por uma deferência celeste, o bom Deus neste dia a dispensou desta tarefa. Decidiu chamá-la para um encontro pessoal.

Oh! Meu bom Deus que Graça! Foi a recompensa pelos anos que viveu dedicando todo o seu amor e carinho àquelas suas flores e à sua família que hoje chora a sua partida.

Dona de casa determinada e sempre muito dinâmica, regeu com maestria e criatividade a sinfonia da casa. Ao lado do esposo, seu Artemiro, gerou e educou os filhos Nartes José, Lauri Vital, Laurice, Marco Antônio, Clistenes Natal, Luiz e Márcia Aparecida.

Depois de ver crescer em estatura e sabedoria os filhos e poder abraçar os netos, alegrou-se com a formatura de cada um deles, participando de seus sucessos, como toda mãe se sente: feliz.

Alegrou-se quando o esposo lançou o seu pequeno grande livro “Sementes para um Gigante”, viajando em sonhos tocada pelas longas histórias que ele contava.

E chorou quando ele partiu deixando um grande vazio na família, da mesma forma que chorou quando seu filho Padre Lauri partiu para os braços d’Aquele para quem dedicou sua vida inteira.

Mas a história de uma existência não é somente um rosário de dores. Entre as lembranças de dona Nair durante a viagem de retorno ao encontro do Redentor, também leva nas dobras do coração muitas pétalas doces de felicidade.

Entre elas a de ter podido presenciar e beber o cálice da graça da ordenação sacerdotal de dois de seus diletos filhos: os padres vicentinos Lauri VitalClístenes Natal. Graça que a manteve sempre grata e cada vez mais firme e confiante na sua fé.

Dona Nair parte mas deixa um legado de mulher corajosa e paciente, determinada e criativa, exemplo de fé e confiança em Deus, e que permanecerá no coração dos filhos e dos amigos, entre eles este escrevinhador. 

Missão cumprida, mamãe Nair. Você está em boa companhia. Descanse em paz. Deus está contigo.


Brasilândia/MS, 29 de maio de 2025.

 Fotos: Facebook, Laurice Bozio.



domingo, 25 de maio de 2025

 

A bela mulher e a façanha doméstica do sábado

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 






O dia mal clareou e já ouvimos a bulha de xícaras e talheres na cozinha. Os sábados, via de regra, são os dias especialmente escolhidos para uma das façanhas que somente os casais mais experimentados conhecem: o dia de fazer faxina na casa. 

Tarefa que também inclui desde pregar botão na camisa e consertar a roupa dos meninos da escola, até tarefas mais arriscadas como trocar lâmpadas e fazer reparos em cabos de panelas e utensílios doméstico avariados. 

Tarefa que é empreendida por uma bela mulher que é mãe e dona de casa onde nada lhe espanta. Sobretudo por quem é capaz de perfazer dupla e, às vezes, tripla jornada de trabalho, guerreira silenciosa que é, ao reger a orquestra do lar que administra com maestria. 

Já da parte de seu companheiro, este já é um capítulo a parte. Com honrosas exceções, a maior parte deles, nesse dia, o abençoado logo sai de casa com uma desculpa qualquer, aquela já consolidada no imaginário viril masculino.

Simplesmente avisa que vai ao mercado, vai na loja de ferragem, vai na oficina, vai pescar, e assim vai. Enfim, faz de tudo para não ter de fazer parte daquele cenário doméstico buscando fugir do jato da mangueira que tudo molha e afugenta quem por ali arrisca passar. 

O sábado se transforma, assim, numa indústria de mobilização e reconstrução doméstica com preocupação sanitária e estética capitaneada pela chamada rainha do lar. 

Ao cair da tarde, tudo na casa e ao redor do pátio está limpo e brilhando. E como não bastasse tal façanha, assim por milagre, a dona de casa, depois de tomar banho e vestir seu vestido de flores e perfumado, ainda aguarda o esposo com um sorriso no rosto... 

Enquanto a cadeira balança na espera, um sentimento de atino lentamente lhe invade e a toma de assalto. Passa a recordar o seu dia e refletir sobre a façanha que realizou naquele sábado, sem sequer ter lembrado de espiar o celular. 

Em meio a tantas tarefas, depois de colocar roupa para lavar na máquina, varrer o quintal, separar o lixo  do material reciclável e locá-lo na calçada; depois de preparar o almoço para os filhos que dormiram até mais tarde, ela ainda espera o esposo que se encontra na rua... 

Tudo como num passe de mágica lá estava ela pondo sobre a mesa, com primor, a lasanha preparada por mãos de fada que fazia brilhar os olhos das crianças fazendo-as lançarem-se vorazes sobre o saboroso alimento. 

O prato do pai em silêncio, permanecia ali, solitário, sobre a mesa, a espera... como que dizendo o que aquele homem estava perdendo por não contemplar o milagre que aquela mulher realizara. 

A rotina do dia continuou seu curso avançando o pano de chão sobre piso dos quartos e o banheiro da casa, deixando-os limpos e perfumados, terminando a tarefa do dia. 

Nos tempos atuais, cuja modernidade envolve a todos há de se ponderar que esse modelo de família e dona de casa não mais se sustenta e a mulher ideal, aos olhos da sociedade e do homem, já não se presta a essas façanhas silenciosas diárias. 

Quando o poder aquisitivo permite a lógica é contratar auxiliares domésticas, lavadeiras, passadeiras, cozinheiras, jardineiros e até maridos de aluguel para os pequenos reparos mais urgentes da casa. 

A mulher do tempo que se chama hoje, ocupa espaço na economia, nas ciências e na política. Mantém seus negócios, como empreendedora e busca cada vez mais igualdade de direitos e condições com os homens.  

Assim, sem qualquer hostilidade, mesmo que quisesse, não lhe sobraria tempo para essas virtudes de mulher submissa aos caprichos masculinos de uma sociedade do passado construída sobre o trabalho feminino subserviente.  

Razão pela qual, da mesma forma, não lhe faltará juízo para decidir, neste ou outros sábados, se ainda deseja se ver transformada naquela mulher virtuosa, serviçal e obreira solitária na mantença do lar, conforme o desejo das feromonas jurássicas do esposo ao chegar em casa.

 

Brasilândia/MS, 25 de maio de 2025.

Foto: Faxina | Bela Mulher. Cf. também Faxina e filosofia - Bailandesa


 

 

O Amor, a Palavra e o Espírito Santo.

Diác. Carlos Alberto dos Santos Dutra




As leitura de hoje, (6º Domingo da Páscoa, Ano Litúrgico C) nos falam do amor de Deus no contexto da partida de seu Filho, Jesus Cristo, tendo em vista que a semana que vem celebramos a sua Ascenção aos Céus. Ele nos fala, portanto, do seu amor e de como devemos nos preparar para manifestar o nosso amor a Deus na sua ausência. E o Evangelho (Jo 14,23-29) nos aponta o caminho: Se alguém me ama, guardará a minha Palavra e o meu Pai o amará.

Em síntese, nada nos afastará do amor de Deus se guardarmos a sua Palavra. O segredo do amor, portanto, é a Palavra, o segmento que ela nos propõe que vem do Pai, o nosso Deus. 

Mas como seguir a Palavra? Como identifica-la e compreendê-la em meio ao turbilhão do mundo, onde muitos a anunciam e poucos a colocam em prática? 

No meio de tantos problemas que o mundo enfrenta, que vão desde a agressão à natureza até o preconceito e morte que causamos aos nossos irmãos mais frágeis e desprotegidos, o que diz a Palavra? 

Sobre dúvidas de fé e falta de compromisso com os valores da vida que ferem os costumes, desprezam a família e aviltam a consciência de jovens e crianças, o que diz a Palavra? 

A observância à Palavra de Deus não é uma tarefa fácil. Exige esforço do cristão. Mais que isso, exige a intervenção de uma força sobrenatural, um Defensor das alturas que o Cristo Jesus apresentou aos apóstolos e os chamou de Espírito Santo. 

A ele foi atribuído o dom espiritual de tudo nos revelar, pois ele, o Espírito Santo, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos tenho dito. 

É a ação deste Espírito Santo, quando invocada com fé, que permite a todos nós, discípulos de Jesus Cristo, superar as contendas de nossa vida e dos nossos corações. Também no seio da Igreja. 

Dúvidas de fé e de doutrina que sempre estiveram presentes. De tempos em tempos elas voltam no percurso da caminhada da Igreja. Palavras que dividem, como as lembradas na 1ª Leitura (At 15,1-2.22-29) quando Paulo e Barnabé foram chamados a intervir numa confusão causada por um dos nossos que geraram perturbações sobre a exigência da circuncisão para serem salvos, como mandava a Lei de Moisés. 

Uma contenda sobre a doutrina, a sua interpretação e a aplicação da Lei que foi enfrentada invocando a sabedoria do Espírito Santo. E a Luz os fez chegar a decisão de não vos impor nenhum fardo... além da indispensável abstenção aos ídolos... 

Como no tempo dos Apóstolos e de Jesus Cristo, a ação do Espírito Santo continua iluminando a caminhada da Igreja e a cada um de nós que somos a sua igreja, comunidade que se reúne em torno da Palavra e se deixa tocar, iluminar e se inspirar por ela. Pois ela tudo ensina e nos recorda os ensinamentos de Jesus, deixando-os vivos entre nós. 

Memória que reforça e reaviva em nós a responsabilidade confiada por Deus a cada um, desde o Batismo, para manifestar ao mundo o seu amor. Missão de mostrar a cada um o quão fácil é amar quando tomamos por critério a fórmula divina que encerra e nos mostra que o Amor está acima da Lei.

Adoração: 

“Ó meu Jesus, diante de ti, minha alma se aquieta e se acalma. Conforta-me saber que está comigo todos os dias, a cada instante. Mesmo nos momentos mais difíceis, Tu estás comigo. És meu refúgio e fortaleza. Obrigado Senhor. Ah, Senhor, perdoe-me, pois custo a entender que vais partir. Partes para o Céu. Sim, entendo. Não pela razão e o meu coração, pois O queremos vivo entre nós. Sei que partes, pois tua missão se cumpriu e tudo o meia já está consumado. Mas não nos deixaste e nem nos deixará sozinhos. Tu mesmo disseste que enviaria um Defensor, o Espírito Santo que vive sempre, que não morre, que não cansa de nos auxiliar, de nos dar entendimento, alimentar a nossa esperança e nos encher de luz, a Tua luz meu Senhor Jesus. Hóstia linda e imaculada sobre o altar consagrada, companheira e luz na minha estrada.


Canto de Ação de Graças: 

1-Hóstia branca no altar consagrada, adorável cordeiro pascal, os mais ímpios mortais regeneras, teus devotos defendes do mal. 

Sacrossanto maná dos altares, Corpo e Sangue do meu Redentor, reverente, minha alma te adota. Eu te adoro, mistério de amor.

2-Hóstia santa, consolo dos justos, divinal esperança dos réus, és no mundo refúgio das almas, és a glória dos santos nos céus. 

3-Hóstia pura, sagrado alimento, pão do céu, encerrado no altar, Oh! Eu quero guardar-te em meu peito, vem minha alma fiel confortar. 

4-Hóstia viva, sacrário de graças, Jesus Cristo, meu Deus e meu Rei, eu por ti viverei santamente e contente por ti morrerei!. 


Brasilândia/MS, 25 de maio de 2025.

Homilia. Celebração da Palavra. Comunidade São Vicente de Paulo, Bairro João Paulo da Silva.

Foto: Evangelho de hoje, domingo, 22/05 (Jo 14, 23-29) - Egídio Serpa - Diário do Nordeste



quinta-feira, 15 de maio de 2025

 

Carta ao meu afilhado encantado André.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 







Estimado André. Paz e Bem. O motivo desta é para saudá-lo e prestar minhas condolências pela perda de teu avô. Igualmente, sentimos muito a sua perda. O tenho em minhas orações.

Você como neto, certamente tem as melhores lembranças e o afeto que ele despertava para contigo. Se para mim ele era o escritor, o historiador, o homem da memória,, para você ele devia corresponder aquele pai mais velho e que, com certeza acolhia os teus sonhos e tuas alegrias.

Aquele que, por já ter vivido mais tempo, mais que teu pai, o avô (grandfather, o grande pai, o pai maior, generoso, espaço de liberdade dos netos), ele guardava os segredos da vida, e sabia partilhar contigo.

Também eu adorava o meu avô, e só guardo lembranças boas dele. Chorei a sua partida. Chorar é bom, pois mostra o quanto amamos quem se aparta de nós. Depois, a gente amadurece e começa a ver mais de longe essa perda.

Seu avô Eliazel, para ti, deve ficar como aquele que sempre soube te acolher. Aquele que sempre acreditou em ti, na tua vitória.

E olha que tens muito de seu pai, seu Eliazel Filho, que permanece ao teu lado. Ou melhor, teu pai herdou coisas muito boas de seu avô. Só que ele, seu pai, ainda é novo, e o ferro se tempera no fogo. Ele, aos pouco, vai envelhecendo. É como o vinho: quanto mais velho, melhor. Mais curtido, mais sábio, mais doce.

Por isso, como padrinho distante, sou solidário contigo: não pela perda do avô, mas porque na verdade ganhaste o que de melhor ele podia te dar: sua amizade, seu respeito, seu carinho e sua lembrança, na figura de seu pai.

Pois seu avô deve ter levado no peito, bons abraços, boas risadas, o teu rosto jovem, esperançoso na vida, boas caminhadas que certamente fizeram juntos. Enfim, levou para o céu as melhores coisas que podias dar a ele até aquele momento.

Em troca, você ficou com sua melhor parte: sua lembrança, seu exemplo. E poderá mantê-lo sempre dentro de ti, procurando ser o que de melhor ele foi. Você pode ser tudo e muito mais do que ele foi, isso porque ele é teu sangue, é tua carne, e está ao teu lado. Só que ainda não percebes.

Por ora, carregas no rosto o semblante de seu pai, fala como ele, caminha como ele, só não pensa como ele, por enquanto. Mas ainda vais pensar como seu pai. É esse homem que ainda vais descobrir. Pois é ele que estará sempre ao teu lado para te estender a mão. Assim como a tua mãe que confia muito em ti, ambos ainda sentem medo.

Tu és o maior tesouro de Eliazel e Geracina, ao lado de tua irmã Andréia para este casal. Por isso tua mãe entrega a Deus e a Virgem Maria o teu destino, sempre preocupada contigo, com teu futuro. Custa-lhe acreditar que já és um homem feito.

Parece que foi ontem que saíste de sua barriga. Ainda ontem andavas engatinhando, correndo, encabulado, maroto, pelas ruas, de calção. E hoje, responsável, já trabalhando, e onde ensaias teus primeiros passos de independência...

E isso assusta os pais, para quem seus filhos sempre são suas crianças que precisam de proteção. Custa acreditar que cresceram. Ainda não percebem que a vida passa rápido. Logo eles partem e deixam seus velhos para trás e que ficarão sós. Por isso as lembranças dos momentos felizes, nos servem de consolo quando estamos distantes.

São essas lembranças e, sobretudo a confiança de que somos amados que nos faz tocar para frente. Com fé e esperança em dias melhores. Acenam os pais com carinho.

Pensei em escreve umas poucas linhas, mas os dedos sobre o teclado insistiram em continuar falando com você. Numa outra oportunidade escreverei uma carta que não tenha a cara de um sermão. Mais leve, mais livre, mais solta...

Um grande abraço afilhado encantado André Paes de Oliveira. Com as bênçãos do Céu e do teu padrinho Carlito.

 

Fonte: Carta enviada por ocasião do falecimento do Sr. Eliazel Paes de Oliveira, ocorrido em 21de julho de 2002 e Publicada no livro DUTRA, C.A.S. Retalhos do Dia a Dia. Brasilândia, 2010, pág. 70-71.

sábado, 10 de maio de 2025

 

Feliz Dia das Mães, salve as mamães-natureza.

Carlos Alberto dos Santos Dutra




 





Hoje é um dos dias mais gratificantes para as mamães. O Dia das Mães, todinho dedicado a elas.

Ah. Como é bom receber de volta a gratidão do filho que um dia embalei nos braços e no meu regaço zelei e agasalhei...

Ah. Como é bom saber que meus galhos frágeis, ainda menina, me encheram de coragem para proteger os brotos-filhos que do meu corpo-caule, aos poucos, foram nascendo, como que num milagre desabrochando, embelezando a copa que me conferiu beleza e grandiosidade. 

Veio o vento, veio o frio; veio a chuva, veio o escaldante sol. E resististe firme oh! Mamãe de todas as mãe e vidas que existem na natureza vegetal. Desde a mais tenra e efêmera espécime até a mais frondosa das sequoias em longevidade, fostes capaz de frutificar e espalhar sementes de felicidade e paz sob teus ramos para além de si mesma. 

É. Mas nem tudo são flores. Além dos rigores da intempérie, existem também o fogo amigo que brota de onde menos esperamos, para nos entristecer e tirar o brilho do nosso olhar. 

E o que vemos são mamães-natureza todos os dias sendo mortalmente ferida pelos campos e cidades, pelas praças e calçadas. 

São mamães-pequis e ipês ceifados e jogados inteiros, ainda vivos, em valas profundas no desvão da noite, que tudo assiste, silente, impotente diante do avanço das motosserras neste tempo chamado progresso que se chama hoje. 

São mamães-oitis e castanheiras, entre outras, pelos passeios públicos, impiedosamente decepadas em podas drásticas e radicais que lhes roubam os ramos impedindo-as de dar continuidade a vida e conviver com seus filhos-galhos que já não mais irão parir folhas e oferecer sombra para os homens e guarida para os pássaros. 

Ah. Mamãe-natureza... que dor. Mas neste dia, em honra de ti, ergo uma prece, um grito de alerta e esperança: 

Que essa data dedicada às mamães de carne e osso e que desperta em nós o sentimento e virtude do amor materno, os seus filhos de coração e braços, sejamos capazes de também abraçar o verde e respeitá-las, não ferindo seus troncos e ramos sem o menor cuidado, a todo o custo; nem eliminando-as, por qualquer motivo, mas tratando-as como se suas mães de sangue fossem. 

Pois assim como o filho que um dia -- e quiçá sempre na lembrança --, irá depender de sua mãe, também nós haveremos de depender dessa mãe maior, mãe de nossa Casa Comum, para sobreviver e ser o que somos ou que pretendemos ser. 

Feliz Dia das Mães, mamãe-natureza. Feliz Dia das Mães, mães e cidadãos brasilandenses.


Brasilândia/MS, 11 de maio de 2025. Dia das Mães.

Para Dona Laura, minha mãe, minha mamãe-natureza.
























Foto 1: Brasilândia/MS, 10/05/2025
Foto 2: Cacequi/RS, 09/04/2022

sábado, 3 de maio de 2025

 

Krekiage Ofaié’ã! Vamos estudar Ofaié!

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 





A escola estava em silêncio. Não como de outras vezes, num tempo recente, quando o burburinho das vozes da infância e juventude ecoavam nas duas pequenas salas de aulas multisseriada fazendo delas irradiar saberes milenares que brotavam do coraçãozinho de alunos e dedicados professores. 

Naquela manhã os que chegavam naquele lugar e colocavam os pés no chão ancestral da aldeia era como se adentrassem um portal pouco experimentado por muitos que vivem distantes das coisas da terra e da alma dos povos originários. 

Cada passo dado em direção  àquela escola indígena, chamada Ofaié Iniecheki, no coração da aldeia Anodhi, em Brasilândia/MS, era como se despertasse vozes, sorrisos e cantos de aplauso e alegria pelo que ali acontecia: o lançamento de uma primorosa obra, um livro didático sobre o ensino da língua indígena Ofaié. 

Não se tratava de mais um livro escrito por não indígena, como outrora, quando aos povos originários lhes era negado falar na sua própria voz, escrever na sua própria língua, e serem reconhecidos como povos e nações cujas terras os europeus invadimos. 

Naquela manhã, lá estava sobre a mesa a obra “Krekiage Ofaié’ã! II – Vamos estudar Ofaié!”, de autoria do professor José de Souza, o Kói Ofaié, sendo apresentada numa edição primorosamente organizada pela linguista Prof.ª. Ilda de Souza, e trazida à lume pelo programa Ação Saberes Indígenas na Escola. 

Numa cerimônia simples, em meio ao canto dos pássaros que sobrevoavam a mata que contorna a escola, os visitantes compuseram a mesa, ao lado do autor, José Kói: os professores Fernando Azambuja de Almeida, Paulo Baltazar, Celma Francelino Fialho, David de França Brito, Onilda Sanches e Benilda Vergílio. 

Encontravam-se ainda presentes os professores Ofaié Elisangela Eliandes e Silvano de Moraes, a vice Cacique Ofaié em exercício, Ramona Coimbra Pereira, a indígena Aretuza Chimenez, e este escrevinhador, Axayray, que há 40 anos acompanha a trajetória deste povo pelos caminhos da história. 

Após o pronunciamento de cada um dos presentes, todos livremente manifestaram o sentimento de júbilo de ali estar enfatizando a importância daquele material para a revitalização da língua. Falaram também do sentimento de gratidão pelo empenho e dedicação de toda a equipe desta Ação coordenada pelo Prof. Antônio Hilário Aguilera Urquiza.

O livro, dentro da proposta do Saberes Indígenas na Escola, desenvolvido pelo Núcleo UFMS, busca promover a formação continuada de professores da educação escolar indígena, especialmente daqueles que atuam nos anos iniciais da educação básica nas escolas indígenas. Com este espírito a obra apresenta-se como uma pérola original e didática, orgulho para esta terra e Mato Grosso do Sul. 

Mais do que uma cartilha voltada para a Educação, o livro tem o mérito de ser o resultado de um trabalho persistente e incansável que busca a revitalização da língua do povo Ofaié. Uma luta que é retomada pelas mãos de um de seus filhos: o jovem professor José de Souza, o Kói na língua materna Ofaié. 

Hoje com 49 anos de idade, este falante do idioma de seus ancestrais, que começou a ser alfabetizado na língua portuguesa aos 15 anos de idade, torna-se um dos últimos libelos capaz e autorizado a traduzir para os não falantes ou que se esqueceram do idioma materno, a riqueza desta língua e ensinar  através desta cartilha, a língua que os diferencia de nós e que corre séria ameaça de extinção. 

O risco do desaparecimento desta língua, entretanto, aos poucos vai ficando para trás. A depender do esforço de José Kói e os professores Silvano, atualmente cursando História e Elisângela, cursando Pedagogia, ambos pela UFMS, a língua Ofaié deverá sobreviver e permanecer viva.

Para tanto, neste caso, avanços institucionais urgentes deverão ser dados nas políticas públicas da Educação, de modo a garantir que a Escola Ofaié Iniecheki volte a brilhar e tenha o direito e autonomia para educar seus filhos utilizando sua língua materna e seu processo próprio de aprendizagem, como exige a Constituição Federal.

A sementinha ora plantada através deste livro, sim, configura um imperativo, sendo imprescindível que ele chegue a todos os estudantes indígenas, da aldeia e fora dela, e a todos que desejam conhecer e falar o idioma Ofaié, recuperando o orgulho de conhecer e pertencer a este povo. 

Obrigado Prof.ª Ilda de Souza, por abrir caminhos para que o saber indígena Ofaié, através das palavras do Prof. José Kói ganhe as letras e o coração da humanidade. 

quinta-feira, 1 de maio de 2025

 

A semente dos 100 dias e o plantio humanizado

Carlos Alberto dos Santos Dutra






Quando somos agraciados com a gerência de um lugar, seja urbano ou rural, é aos poucos que vamos nos familiarizando com cada estrutura ali enraizada: estradas e árvores frondosas cujos frutos já são possíveis colher; e casas e jardins ainda tímidos que precisam de apoio para voltar a florir. 

Há também aquelas estruturas que ainda só existem na cabeça e no coração do novo gerente, e ele fará de tudo para colocar este sonho em prática e fazê-lo amadurecer. Tudo encartado no sonho dos projetos e planos de trabalho daquele que idealizou aquele lugar e pretende transformá-lo no mais lindo cantinho de paz, progresso e felicidade. 

É o que aconteceu com a nova administração de Brasilândia que ao assumir ousou inovar e humanizar, implantando duas novas secretarias, além de mudanças na nomenclatura de algumas mais antigas, adequando-as aos novos tempos. E ei-la, a neófita Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo, uma plantinha nova que surgiu num jardim que precisava ser melhor cuidado. 

E como toda mudinha recém nascida ela teve de esperar o seu tempo e se conformar com a intempérie e a escassez de insumos e investimento para poder vir à lume desafiando o ritmo pacholento do rígido e hermético relógio da municipalidade. 

A iniciativa pioneira desta nova administração municipal, com a criação de uma secretaria exclusiva dedicada ao meio ambiente e ao turismo, revela de antemão, o quanto de carinho, respeito e cuidado terá com a paisagem que circunda nossa casa, nossos campos e a cidade. 

E também coragem para o enfrentamento das exigências climáticas que estão na ordem do dia e reclamam ações urgentes de mitigação e que nos impelem a desenvolver ações e projetos sempre novos de proteção ambiental. Ações que são delineadas no plano de governo da prefeita Márcia Amaral e seu vice Fábio Toledo, que vão desde a qualidade e preservação do curso d’água de nossos rios e córregos, até o monitoramento e fiscalização do uso do solo, da vida das florestas, e das áreas de preservação ambiental. 

Em matéria de meio ambiente e turismo, é bom lembrar, somos todos aprendizes onde as melhores iniciativas e práticas deverão passar necessariamente pela educação ambiental que deve começar em casa e na escola, razão pela qual o foco deverá ser o caminhar de mãos dadas com as crianças e os jovens de nossa cidade. 

E cá estamos, um jovem e um idoso olhando para a infância e juventude na esperança deste mundo mudar, buscando juntos demonstrar que a paixão pelo meio ambiente e turismo podem ir além dos olhos e do coração. Podem, pelas mãos da comunidade, tornar realidade e desenvolver o potencial transformador deste lugar a partir da riqueza de sua biodiversidade, apelos cênicos e atrativos turísticos dos quais nos orgulhamos. 

Cientes da missão recebida, cá estão os secretários Carlito e Pedrinho envidando todos os esforços para fazer esta nova plantinha vingar, desenvolvendo as tarefas necessárias buscando fortalecer este novo espaço público de serviço à comunidade. Espaço que completa 100 dias de administração da gestão humanizada que foi escolhida pela população de Brasilândia para brilhar. 

Muitas atividades neste período foram realizadas, algumas delas foram noticiadas nas redes sociais. Na maior parte do tempo, o trabalho foi realizado em silêncio, à semelhança da sementinha que se esforça para romper o peso da terra sobre ela e mostrar os seus primeiros ramos verdes sob o sol. 

O idealismo e o empenho de um secretário e seu adjunto, e dois valorosos arboristas jardineiros que a pasta lhes confiou, os incentiva a continuar com a semeadura para demonstrar a esta comunidade o quanto podem e são capazes de realizar. 

Foram dezenas reuniões com lideranças e entidades para dar e buscar apoio a eventos e parcerias. Participamos de eventos como a exposição arqueológica importante para o valorizar o patrimônio de nossa cidade. Foram inspeções a campo atendendo denúncias que iam desde o plantio e podas de arvores irregulares até o lançamento de esgoto na via pública ou nas galerias pluviais. 

As vistorias realizadas, mais de 25 nestes primeiros 100 dias de governo, sempre realizadas com técnica e dedicação, buscando sempre conciliar o interesse do cidadão com a sobrevivência do verde em nossa cidade. Em muitos casos nossas ações se limitaram a relatar problema para outros secretários, que vinham em  nosso socorro, sobretudo a secretaria de Infraestrutura e Serviços Urbanos, e secretaria de Industria, Comércio de Agronegócio, o que agradecemos. 

Foram realizados neste período 38 deferimentos de podas de árvores; 12 vistorias in loco no setor de arborização; 7 atendimentos de denúncias e informação ao público; 8 reuniões com associações: ASSOBRAA, Associação de Pescadores; ARTEBRAS, entidades, professores; vereadores, audiências com o Ministério Público, e reunião semanais no gabinete; participação em 5 eventos: exposições, feiras e atividades promovidas por outras secretarias; elaboração de 4 minutas de leis e decretos: para a criação e reformulação de legislação sobre os conselhos e fundos municipais de meio ambiente e turismo.

Também a elaboração de 4 projetos: do viveiro municipal, área de lazer da jabuticabeira com a participação da secretaria de Infraestrutura; contato com empresários; doação de mudas aos munícipes e plantio de mais 800 mudas nas nascentes do córrego da Aviação em cumprimento ao PRADE-Programa de Recuperação de Áreas Degradadas, determinado pelo Ministério Público, em parceria com a ABAFA e a participação da empresa ACP de município, entre outras atividades realizadas em parcerias com outras como a Fundação AH e a empresa Suzano. 

Ao finalizar este relato, quero agradecer de público a confiança depositada pelos novos gestores. Ser convidado para este cargo de Secretário de Meio Ambiente e Turismo entendo que Brasilândia está me dando mais uma oportunidade de poder servi-la através deste novo desafio. Uma secretaria que ainda se encontra na primeira infância, mas cheia de sonhos e vontade de ver essa cidade um jardim de flores, com praças e parques, vendo seus rios piscosos e correndo livres e suas matas ciliares e nativas protegidas. 

Hora de romper clareiras, pois as primeiras sementes hoje foram lançadas. Lembrando sempre que “para a natureza não importa o que sentimos ou pensamos; importa o que fazemos[1].


Brasilândia/MS, 29 de abril de 2025.