A bela mulher e a façanha doméstica do sábado
Carlos Alberto dos Santos Dutra
O dia mal clareou e já ouvimos a bulha de xícaras e talheres na cozinha. Os sábados, via de regra, são os dias especialmente escolhidos para uma das façanhas que somente os casais mais experimentados conhecem: o dia de fazer faxina na casa.
Tarefa que também inclui desde pregar botão na camisa e consertar a roupa dos meninos da escola, até tarefas mais arriscadas como trocar lâmpadas e fazer reparos em cabos de panelas e utensílios doméstico avariados.
Tarefa que é empreendida por uma bela mulher que é mãe e dona de casa onde nada lhe espanta. Sobretudo por quem é capaz de perfazer dupla e, às vezes, tripla jornada de trabalho, guerreira silenciosa que é, ao reger a orquestra do lar que administra com maestria.
Já da parte de seu companheiro, este já é um capítulo
a parte. Com honrosas exceções, a maior parte deles, nesse dia, o abençoado logo sai
de casa com uma desculpa qualquer, aquela já consolidada no imaginário viril masculino.
Simplesmente avisa que vai ao mercado, vai na loja de ferragem, vai na oficina, vai pescar, e assim vai. Enfim, faz de tudo para não ter de fazer parte daquele cenário doméstico buscando fugir do jato da mangueira que tudo molha e afugenta quem por ali arrisca passar.
O sábado se transforma, assim, numa indústria de mobilização e reconstrução doméstica com preocupação sanitária e estética capitaneada pela chamada rainha do lar.
Ao cair da tarde, tudo na casa e ao redor do pátio está limpo e brilhando. E como não bastasse tal façanha, assim por milagre, a dona de casa, depois de tomar banho e vestir seu vestido de flores e perfumado, ainda aguarda o esposo com um sorriso no rosto...
Enquanto a cadeira balança na espera, um sentimento de atino lentamente lhe invade e a toma de assalto. Passa a recordar o seu dia e refletir sobre a façanha que realizou naquele sábado, sem sequer ter lembrado de espiar o celular.
Em meio a tantas tarefas, depois de colocar roupa para lavar na máquina, varrer o quintal, separar o lixo do material reciclável e locá-lo na calçada; depois de preparar o almoço para os filhos que dormiram até mais tarde, ela ainda espera o esposo que se encontra na rua...
Tudo como num passe de mágica lá estava ela pondo sobre a mesa, com primor, a lasanha preparada por mãos de fada que fazia brilhar os olhos das crianças fazendo-as lançarem-se vorazes sobre o saboroso alimento.
O prato do pai em silêncio, permanecia ali, solitário, sobre a mesa, a espera... como que dizendo o que aquele homem estava perdendo por não contemplar o milagre que aquela mulher realizara.
A rotina do dia continuou seu curso avançando o pano de chão sobre piso dos quartos e o banheiro da casa, deixando-os limpos e perfumados, terminando a tarefa do dia.
Nos tempos atuais, cuja modernidade envolve a todos há de se ponderar que esse modelo de família e dona de casa não mais se sustenta e a mulher ideal, aos olhos da sociedade e do homem, já não se presta a essas façanhas silenciosas diárias.
Quando o poder aquisitivo permite a lógica é contratar auxiliares domésticas, lavadeiras, passadeiras, cozinheiras, jardineiros e até maridos de aluguel para os pequenos reparos mais urgentes da casa.
A mulher do tempo que se chama hoje, ocupa espaço na economia, nas ciências e na política. Mantém seus negócios, como empreendedora e busca cada vez mais igualdade de direitos e condições com os homens.
Assim, sem qualquer hostilidade, mesmo que quisesse, não lhe sobraria tempo para essas virtudes de mulher submissa aos caprichos masculinos de uma sociedade do passado construída sobre o trabalho feminino subserviente.
Razão pela qual, da mesma forma, não lhe faltará juízo para decidir, neste ou outros sábados, se ainda deseja se ver transformada naquela
mulher virtuosa, serviçal e obreira solitária na mantença do lar, conforme o desejo das feromonas jurássicas do esposo ao chegar em casa.
Brasilândia/MS, 25 de maio de 2025.
Foto: Faxina | Bela Mulher. Cf. também Faxina e filosofia - Bailandesa
Assim mesmo a vida de uma mulher, mesmo diante de tantos espaços que ela ocupa ainda continua sendo preocupada com os filhos e esposo. Lindo texto...
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