Krekiage Ofaié’ã! Vamos estudar Ofaié!
Carlos Alberto dos Santos Dutra
A escola estava em silêncio. Não como de outras vezes, num tempo recente, quando o burburinho das vozes da infância e juventude ecoavam nas duas pequenas salas de aulas multisseriada fazendo delas irradiar saberes milenares que brotavam do coraçãozinho de alunos e dedicados professores.
Naquela manhã os que chegavam naquele lugar e colocavam os pés no chão ancestral da aldeia era como se adentrassem um portal pouco experimentado por muitos que vivem distantes das coisas da terra e da alma dos povos originários.
Cada passo dado em direção àquela escola indígena, chamada Ofaié Iniecheki, no coração da aldeia Anodhi, em Brasilândia/MS, era como se despertasse vozes, sorrisos e cantos de aplauso e alegria pelo que ali acontecia: o lançamento de uma primorosa obra, um livro didático sobre o ensino da língua indígena Ofaié.
Não se tratava de mais um livro escrito por não indígena, como outrora, quando aos povos originários lhes era negado falar na sua própria voz, escrever na sua própria língua, e serem reconhecidos como povos e nações cujas terras os europeus invadimos.
Naquela manhã, lá estava sobre a mesa a obra “Krekiage Ofaié’ã! II – Vamos estudar Ofaié!”, de autoria do professor José de Souza, o Kói Ofaié, sendo apresentada numa edição primorosamente organizada pela linguista Prof.ª. Ilda de Souza, e trazida à lume pelo programa Ação Saberes Indígenas na Escola.
Numa cerimônia simples, em meio ao canto dos pássaros
que sobrevoavam a mata que contorna a escola, os visitantes compuseram a mesa,
ao lado do autor, José Kói: os professores Fernando Azambuja de
Almeida, Paulo Baltazar, Celma Francelino Fialho, David de
França Brito, Onilda Sanches e Benilda Vergílio.
Encontravam-se ainda presentes os professores Ofaié Elisangela
Eliandes e Silvano de Moraes, a vice Cacique Ofaié em exercício, Ramona
Coimbra Pereira, a indígena Aretuza Chimenez, e este escrevinhador, Axayray,
que há 40 anos acompanha a trajetória deste povo pelos caminhos da história.
Após o pronunciamento de cada um dos presentes, todos livremente manifestaram o sentimento de júbilo de ali estar enfatizando a importância daquele material para a revitalização da língua. Falaram também do sentimento de gratidão pelo empenho e dedicação de toda a equipe desta Ação coordenada pelo Prof. Antônio Hilário Aguilera Urquiza.
O livro, dentro da proposta do Saberes Indígenas na Escola, desenvolvido pelo Núcleo UFMS, busca promover a formação continuada de professores da educação escolar indígena, especialmente daqueles que atuam nos anos iniciais da educação básica nas escolas indígenas. Com este espírito a obra apresenta-se como uma pérola original e didática, orgulho para esta terra e Mato Grosso do Sul.
Mais do que uma cartilha voltada para a Educação, o livro tem o mérito de ser o resultado de um trabalho persistente e incansável que busca a revitalização da língua do povo Ofaié. Uma luta que é retomada pelas mãos de um de seus filhos: o jovem professor José de Souza, o Kói na língua materna Ofaié.
Hoje com 49 anos de idade, este falante do idioma de seus ancestrais, que começou a ser alfabetizado na língua portuguesa aos 15 anos de idade, torna-se um dos últimos libelos capaz e autorizado a traduzir para os não falantes ou que se esqueceram do idioma materno, a riqueza desta língua e ensinar através desta cartilha, a língua que os diferencia de nós e que corre séria ameaça de extinção.
O risco do desaparecimento desta língua, entretanto, aos poucos vai ficando para trás. A depender do esforço de José Kói e os professores Silvano, atualmente cursando História e Elisângela, cursando Pedagogia, ambos pela UFMS, a língua Ofaié deverá sobreviver e permanecer viva.
Para tanto, neste caso, avanços institucionais urgentes deverão ser dados nas políticas públicas da Educação, de modo a garantir que a Escola Ofaié Iniecheki volte a brilhar e tenha o direito e autonomia para educar seus filhos utilizando sua língua materna e seu processo próprio de aprendizagem, como exige a Constituição Federal.
A sementinha ora plantada através deste livro, sim, configura um imperativo, sendo imprescindível que ele chegue a todos os estudantes indígenas, da aldeia e fora dela, e a todos que desejam conhecer e falar o idioma Ofaié, recuperando o orgulho de conhecer e pertencer a este povo.
Obrigado Prof.ª Ilda de Souza, por abrir caminhos para que o saber indígena Ofaié, através das palavras do Prof. José Kói ganhe as letras e o coração da humanidade.
Parabéns pela matéria 🙏🏻🙏🏻🙏🏻
ResponderExcluirParabéns! Muito feliz e emocionada pela conquista do tão amado povo Ofaié!
ResponderExcluirParabéns 🙌🏻🙏🏼🙏🏼🙏🏼
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