Mensagem de acolhida ao Ano
Novo
Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB
“A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santos” (Rm 5,5).
Há poucos dias, celebramos o Natal de nosso Senhor Jesus Cristo. Naquela noite santa, o anjo já o disse aos pastores, e hoje repete a nós. “Não temais!. Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo” (Lc 2,10). Por ocasião do encerramento do Ano Jubilar, em nossas dioceses, e praticamente do ano civil, dirigimo-nos ao povo brasileiro com uma mensagem de esperança, mas, ao mesmo tempo, de grave preocupação. Como pastores, exultamos com as vitórias e conquistas e nos inquietamos -- e até nos indignamos! --, com alguns retrocessos no campo da ética e do cuidado com os pobres.
Neste ano, são várias as notícias que nos fazem felizes e renovam nossas esperanças. No âmbito da saúde, ficamos felizes com o aumento da taxa média de médicos pelo número de habitantes e agradecemos a Deus pelo Sistema Único de Saúde. No campo econômico, alegramo-nos com a retirada de algumas tarifas norte-americanas sobre vários produtos brasileiros, a estabilidade da inflação, a taxa de desemprego em queda, o relativo crescimento do PIB, o significativo aumento do cooperativismo e a abertura de novos mercados internacionais.
Orgulha-nos da realização da COP-30, em Belém no Pará, e também nos enleva o fato de o Brasil consolidar sua liderança em energias renováveis. A Igreja se fez presente não como protagonista político, mas desejosa de contribuir para a construção de caminhos comuns diante da crise climática e o cuidado com a Casa Comum.
Aumentou significativamente o investimento privado em sustentabilidade, em práticas ambientais, sociais e de governança (ESG). Os movimento populares de alegram, sobretudo, com a realização do Plebiscito Popular sobre a redução da jornada de trabalho e a taxação proporcional da riqueza.
Constatamos experiências positivas. Contudo, há também várias situações que nos entristecem e preocupam. No âmbito da convivência democrática, o ano de 2025 foi marcado por profundas tensões e retrocessos sociais, que deixaram feridas abertas no tecido social. Algumas experiências fragilizaram seriamente a confiança nas instituições e desafiaram as pessoas de boa vontade, que acreditam numa sociedade mais justa e fraterna.
Entre essas, destacam-se o pagamento exorbitante de juros e amortizações da dívida, que deixa o país sem capacidade de maior investimento em educação, saúde, moradia e segurança; o enfraquecimento da ética e o aumento da corrupção na vida pública; a fragilização dos mecanismos democráticos, por causa de interesses econômicos e disputas de poder; a flexibilização de marcos legais essenciais, como a Lei da Ficha Limpa; o desrespeito pelos povos originários e tradicionais, agravado pela aprovação do marco temporal no congresso nacional; as ameaças à proteção ambiental, intensificadas pelas mudanças na Lei Geral do Licenciamento; a desigualdade social, que continua marginalizando muitos; o aumento da violência, especialmente o feminicídio e outros crimes motivados pela intolerância; o uso de drogas e o crescimento de economias ilícitas; a perda de decoro e a falta de responsabilidade por parte de algumas autoridades, especialmente do nosso Congresso Nacional.
Discursos de ódio, manipulação da verdade, violências, radicalismos ideológicos e interesses particulares não podem se sobrepor ao bem comum.
Tais realidades ferem a dignidade humana e obscurecem a vocação democrática do país. O poeta Thiago de Mello traduz esse valor numa bela imagem: “Faz escuro, mas eu canto, porque a amanhã vai chegar”. A presença de Deus que se faz criança, simples e próxima, renova nossa convicção de que nenhuma escuridão é definitiva e que a esperança é força transformadora para quem caminha em busca do bem comum. Por isso, reafirmamos que nenhum projeto político pode se sobrepor à vida, ao respeito à pessoas humana, à justiça social e ao cuidado com a Casa Comum.
Reiteramos
a sacralidade da vida humana, desde a concepção até seu fim natural. Ela é o
primeiro dos direitos, dom gratuito de Deus, e não pode ser relativizada ou
negociada. Por isso manifestamo-nos firmemente contra qualquer iniciativa de
legalização do aborto no Brasil. Defender a vida, contudo, implica também lutar
contra a fome, a miséria e a desigualdade. Defender a vida significa criar
condições para que “todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
A democracia, som sua exigência de diálogo, suas instituições, seus freios e contrapesos, é patrimônio do povo brasileiro e precisa de cuidado e promoção. Embora imperfeita, ela é terreno fértil onde a justiça e a verdade podem se abraçar (cf. Sl 85,10) e florescer. Como discípulos e discípulas de Jesus Cristo, somos chamados a ser testemunhas credíveis e exemplares, artesãos da paz, construtores de pontes, promotores da caridade política e da responsabilidade social. A nação precisa encontrar o caminho da pacificação, do diálogo e do respeito mútuo!
Desejamos e trabalhamos pela paz desarmada e desarmante, humilde e perseverante, por um mundo e por um ser humano pacificados e conciliados no amor (cf. Ef 2,14), a fim de concretizar o sonho de Jesus Cristo, expresso de modo tão belo por dom Helder Câmara: “Sem esperança, temos as mãos e os pés amarrados. Somos escravos sem perspectiva de libertação”. Não caminhamos na escuridão; somos peregrinos de esperança!
Que
a luz do Menino Deus ilumine nossas famílias, comunidades e nação. Que o Natal
acenda em nossos corações a coragem de recomeçar, e que o ano de 2026 nos
encontre firmes no testemunho cristão, com o desejo de mudar o mundo, empenhados
na oração, nutridos pela Palavra e pela Eucaristia. Que a Mãe Aparecida, Rainha
e Padroeira do Brasil, nos acompanhe nesta travessia.
Brasílias/DF,
29 de dezembro de 2025.
Dom
Jaime Cardeal Spengler, arcebispo de Porto Alegre/RS, Presidente da CNBB; Dom
João Justino de Medeiros da Silva, Arcebispo de Goiânia/GO, 1º vice-presidente
da CNBB; Dom Paulo Jackson Nóbrega de Souza, Arcebispo de Olinda e Recife/PE,
2º vice-presidente da CNBB; Dom Ricardo Hoepers, Bispo auxiliar de Brasília/DF,
secretário-geral da CNBB.

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