Dona Jupira, a margem e o centro da Vida
Carlos Alberto dos Santos Dutra
Existem pessoas que passam ao nosso lado
e é como se elas fossem invisíveis. O corre-corre do dia a dia e a luta pela
sobrevivência transformou a todos em autômatos, cibernéticos, digitais. Na
linguagem atual, movidos pelas chamadas redes sociais (que de social pouco têm), são impessoais, plásticos, virtuais.
Pois esses amigos entram em nossas vidas
por uma telinha brilhante da mesma forma que saem. Adicionamos e excluímos
amigos sem a menor reflexão e aproximação com o ser humano que está do outro
lado do visor de cristal.
E como as pessoas que se encontram a
nossa volta são de carne e osso, nem sempre esbeltas, cheias de plumas e
sorriso, a tendência é desconsiderá-las, afastá-las deste nosso mundo ideal
criado e alimentado pelo imaginário coletivo satélite global; porque
imperfeitas e fora do padrão imposto pelo mercado.
Mesmo assim, esses seres humanos
desprezados e alijados existem, e resistem. E, pouco importando o que pensam a
respeito deles seguem adiante. Traçam seu rumo, sua história, geralmente
cabisbaixos que nem percebemos. Vivem em bairros distantes na periferia e suas
residências se confunde com o que são, pensam ou fazem.
As grandes cidades os toleram em suas
comunidades, eufemismo de favelas; têm vida própria. Os que vivem em pequenas
cidades residem muitas vezes a poucos metros de cada um de nós, vivem
praticamente no centro da cidade; impossível não vê-los, não sentir seu cheiro,
tocá-los.
O caso da dona Jupira pode ser assim
comparado. Em que pese à anomia social que a condição dos que assim vivem é
entendida e raramente acolhida, ela foi uma avis rara que sobreviveu. Passou
por nós e, descuidados que somos, desapareceu.
De aparência frágil, fez-se forte para
dobrar a vida quando ela não lhe foi nenhum pouco favorável. Foi assim desde o
dia 26 de abril de 1928 quando nasceu, lá num cantinho da cidade de Tupã/SP,
quando seus pais João David Bonifácio e Adelina Amélia de Jesus festejaram sua chegada erguendo os braços para os céus em sinal de acolhida e alegria.
Ainda muito jovem chegou a Brasilândia
juntamente com seus pais, logo, entretanto, constituindo sua família e tocando em
frente a sua vida que recém iniciava. Por muitos anos residiu na Rua Elviro
Mancini com sua família, a poucas quadras do Paço Municipal da cidade.
Mesmo depois de viúva sustentou a
família com o trabalho e suor de seu rosto. Fez das tripas coração para
alimentar e educar os 22 filhos que a natureza plantou no seu ventre e ainda
outros que ajudou a criar, adotando-os como filhos. Depois, passou a criar os
netos, acolhendo a todos com amor e afeto.
Por essa sua proeza, no ano de 1993, a
Prefeitura Municipal de Brasilândia brindou-a com o prêmio da mãe com o maior
número de filhos da cidade, quando ela foi homenageada através da Secretaria de
Promoção Social, numa parceria com o Rotary Club e o Banco do Brasil locais, com
a doação de seis mil cruzeiros reais, moeda da época.
No plano laboral, dona Jupira Amélia de
Souza foi uma das mulheres pioneiras na atividade de catadora de papel e material reciclável em
Brasilândia. Muito antes do surgimento da ASSOBRAA era possível observar no
pequeno quintal de sua casa, montanhas de latinhas,
papéis, vidros e plásticos, sendo pacientemente separados pela aquela senhora
cujos anos iam consumindo.
Depois de contrair doença a partir de
uma ferida na perna que não cicatrizava, queixou-se a este escrevinhador em 2014, não podendo mais percorrer as ruas e o lixão da cidade para catar o material reciclável, passava as tardes na residência
para onde fora levada, contando histórias aos netos e a quem se dispusesse
ouvi-la.
Os vizinhos mais próximos da Rua Euzébio
Pedroso, onde viveu seus últimos dias e veio a falecer no dia 24 de outubro de
2016, de quando em vez, ainda há quem se lembre daquela senhorinha de estatura
pequena, levemente curvada que nunca se queixou da vida. E cujo rosto iluminava esperança e vida àqueles que a
contemplavam...
Brasilândia/MS, 5 de agosto de 2020.
Dona JUPIRA uma guerreira,que sempre fará parte da nossa história brasilandense
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