terça-feira, 12 de janeiro de 2021

 

Francisca Ribeiro da Cruz: as flores e a cidadania

Carlos Alberto dos Santo Dutra


A cada notícia que recebemos anunciando a partida de um familiar, de um amigo ou conhecido, morremos um pouco. Não nos acostumamos com a ideia de que aquela pessoa se foi para sempre. As lembranças, entretanto, se nos apresentam como uma forma de amenizar a dor. Mais que isso: conforta e revigora em nós a coragem que precisamos para nos acercarmos com delicadeza, respeito e orgulho daquele que se apartou de nós.

É assim que nos sentimos em relação à senhora Francisca Ribeiro da Cruz que aos 67 anos de idade realizou sua Páscoa definitiva entre nós. E deixa um rastro de realizações e saudade para os familiares e aqueles que acompanharam os passos desta mulher corajosa nos últimos anos de sua vida, quando lutou bravamente contra a doença que nunca lhe fez esmorecer.

Dona de um humor sutil e sempre brincalhona fazia sorrir os que se encontravam a sua volta e a conheciam na intimidade. Nos últimos anos, acostumamo-nos a ver suas encantadoras postagens do Facebook ofertando aos amigos imagens e vídeos de belas flores, folhagens, jardins, plantas medicinais, receitas culinárias, tudo sempre muito colorido e que irradiava vida e esperança. Era como se o amanhã sempre lhe reservasse o melhor dos dias e que a impelia anunciá-los ao mundo.

Por trás destes gestos delicados e criativos, por vezes imperceptíveis havia, entretanto, uma mulher determinada e forte que desde a sua infância vivida lá em Pacaembu/SP acabou por transformá-la em mestre no cultivo da fé e perseverança, com vigor e comprometimento com a vida e o semelhante.

Nascida em 25 de julho de 1953, na cidade de Alexandria, no Rio Grande do Norte, a filha de dona Isabel da Conceição e seu José Ribeiro da Silva, dividiu a infância com a família e os nove irmãos sempre com alegria contagiante e espírito de uma dedicada pedagoga. Até chegar à Brasilândia, no ano de 1959, aos seis anos de idade.

Ainda adolescente, numa Brasilândia de poucos fogões, conquistou seu primeiro emprego na secretaria de educação, trabalhando na prefeitura como ajudante de cozinha, no antigo prédio onde hoje funciona a APAE. Muito jovem, com 17 anos de idade, a pioneira uniu-se em matrimônio com Adventino Gonçalves da Cruz com quem constituiu família e tiveram dois filhos: Genival e Alessandro.

Muito dinâmica, depois dos filhos criados, começou a trabalhar no distrito Debrasa, onde agenciou e transportou mão de obra para tocar o plantio de cana, no auge da produção agrícola daquela destilaria. Por ser uma pessoa humana e amiga dos mais simples, tornou-se conhecida de todos, popularizando seu epíteto Tica.

O fruto deste trabalho e promoção que dispensou aos mais humildes haveria de conferir-lhe o prêmio e a honra de eleger-se vereadora por dois mandatos (1992 e 1996). Cidadã engajada e propositiva deixou sua marca no Legislativo local. Quem viveu naqueles tempos primeiros pode melhor testemunhar o que esta mulher e seu perfil guerreiro e ousado representaram para o desenvolvimento do município de Brasilândia.

Numa rápida digressão histórica, cumpre lembrar que são de sua autoria as Indicações para a construção de uma escola na Fazenda Bom Jardim, sendo também sua a Indicação para a criação da Creche Municipal Raio de Luz, inaugurada dois anos depois no distrito Debrasa. Em outra ocasião, na Escola Municipal Arthur Höffig, lá estava ela ao lado de muitas mães, contemplando o ambiente poético e melódico proporcionado pelo músico Mário Nelson da Silva que abria as portas do céu com a harmonia de sua voz para os convidados.

Em outro momento a encontramos, incansável, ao lado de quatro corajosos vereadores semeando alento ao coração de um jovem lutador e seu pequeno grande sonho de criar uma Escolinha de Futebol para Crianças e Jovens, votando favoravelmente ao projeto do esportista Everaldo Vieira da Silva, Fogoió.

De outra feita, nos debates com a CESP pelo não cumprimento de acordo da concessionária elétrica com a prefeitura ela posicionou-se junto da Comissão em defesa do patrimônio histórico, contra o desmatamento e a retiradas de ossadas dos cemitérios existentes na barranca dos rios Verde e Paraná.

A cidadã Francisca Ribeiro da Cruz participou de diversos órgãos nas distintas administrações que se sucederam: num ano fez parte da Comissão de Avaliação Imobiliário dos Imóveis Urbanos, e noutro, integrou a 1ª Comissão Municipal de Alimentação-PRODEA, responsável pela distribuição de gêneros alimentícios para as famílias carentes do município.

Nossa vereadora também esteve presente nas discussões sobre o Albergue Municipal que perpassou diversas administrações até os dias atuais, quando a cada Legislatura todos renovavam o pedido de sua criação. Em 1997 coube à esta vereadora apresentar Indicação solicitando a construção do propalado Albergue Noturno na cidade, o que foi seguido depois sem sucesso por outros vereadores.

Foi no Legislativo municipal, portanto, que a vereadora Tica notabilizou-se tendo a oportunidade de mostrar sua garra e seu empenho no compromisso com a causa que abraçou ao eleger-se diante de uma Câmara formada basicamente por homens onde foi a única vereadora mulher eleita no seu primeiro mandato.

Os mais antigos ainda guardam na memória a célebre discussão havida entre ela e o presidente da Câmara no ano 1997 quando o chefe do Legislativo na época invocou o artigo 38 do Regimento Interno da Casa para aplacar o arroubo das palavras da vereadora quando esta manifestou seu descontentamento contra um dos temas apresentados em plenária por um opositor.

Esta corajosa cidadã que foi a 3ª vereadora mulher eleita para a Câmara Municipal de Brasilândia[1], nunca se sentiu diminuída perante os desafios. Nunca se deixou amordaçar. De espírito guerreiro e proativa, sempre demonstrou coragem ao desafiar seus colegas vereadores no campo das ideias, sem, contudo, deixar de ser humana e sensível.

As flores e os jardins que esta cidadã admirou e cultivou em vida, no dia de hoje estão pontuadas de gotas de orvalho que parecem lágrimas. Pedem permissão para saudá-la e homenageá-la por sua bravura e pelo legado que deixa. Na condição de vereadora e personalidade cívica desta cidade é merecedora de nossas homenagens póstumas e nosso sentimento de pesar extensivo aos familiares e amigos. 

Que as flores e os jardins que cultivou continuem lhe perfumando e embelezando o caminho em direção ao Céu. Descanse em paz, vereadora.

Brasilândia/MS, 12 de janeiro de 2021.



[1] - A 1ª vereadora eleita para a Câmara Municipal de Brasilândia foi Marilza Maria Rodrigues do Amaral, em 1982; a 2ª vereadora eleita foi Sandra Aparecida Louzada Costa, em 1988; e a 3ª vereadora eleita foi Francisca Ribeiro da Cruz, em 1992.

Um comentário:

  1. Minha querida amade ex sogra vai continuar sendo minha sogra difícil acreditar ao certo momento da sensação de raiva do outro lado é saber que não vai sofrer mais de dores nervoso k está no braço do pai descanse em paz Tica 🙏🙏obrigado por tudo tudo **

    ResponderExcluir