terça-feira, 14 de dezembro de 2021

 

Dona Hermínia, a candura e fibra de uma mulher.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

 







As imagens quase nunca enganam nossos corações. Desatentos, nossos olhos, muitas vezes, discriminam e afastam, ponderam e opinam, não percebendo a beleza e o que elas comunicam. Com o coração é diferente: os olhos penetram a alma e contemplam a aura de quem observamos, percorrendo sua trajetória, suas lutas, derrotas e vitórias.

No mundo dos homens, a maior parte delas só é valorizada quando o manto branco da idade recai sobre seus rostos, dando-lhes um ar de candura angelical. Com a passividade e o silêncio permitidos e aceito pelo senso comum que as envolve, elas passam os anos, assim, anônimas, e quase nem percebemos.

Mas, com aquela mulher não foi assim. Algo de muito nobre a revestia, mantendo-a sempre altiva e aguerrida, até o fim de seus dias. Sem perder o ar de simpatia e bondade que inspirava os filhos, noras e genros, netos e bisnetos, no alto de seus 92 anos, ela se manteve lúcida e sempre com um sorriso nos lábios, pondo ordem em tudo a sua volta.

Assim era Hermínia Martinez Hernandes Meirelles, desde o dia 30 de março de 1929 quando nasceu, mostrando ao mundo a face rosada de uma menina que logo despontava decididamente forte para uma bela mulher. Sob o frescor da juventude, lá a encontramos com a família e seus nove irmãos, morando em Catanduva/SP, aluna dedicada estudando em casa com professores contratados pelos pais.

Antes de completar 21 anos enamorou-se de Juan Manoel Servilla Meirelles com quem se casou na cidade paulista de São João do Pau D’alho. E lá estava o pai Adrian Martines Campoy e a mãe Sagraria Hernandes Vindes, cheios de felicidade, no dia 3 de novembro de 1951, vendo a filha subir o altar do matrimônio com o jovem Juan, de apenas 20 anos de idade.

E lá seguiu o casal inicialmente trabalhando na roça, nas terras que o pai Adrian adquiriu. Foi neste trabalho que a jovem Hermínia conheceu Juan, que era filho de arrendatários da fazenda. Depois mudaram para Corbélia, no Paraná e, por fim, vieram para o Mato Grosso.

Logo o céu os brindou com dez filhos: Manoel, Maria de Fátima, Adriano, João, Alcides, Ademar, José Natalino, Maria Natalina, Luzia e Vanderleia (1).

Família pioneira, trabalhadora e empreendedora naqueles tempos primeiros, praticamente fundou o povoado de Brasilândia quando aqui chegaram no ano de 1957. Num tempo onde não havia estradas, aportaram de navio, instalando-se em Panorama e de lá para Brasilândia.

Ao lado do esposo, inicialmente se instalaram na olaria do senhor Amadeo Rodrigues, depois, tornaram-se os pioneiro no beneficiamento da orizicultura que despontava, com a primeira máquina de arroz.

E lá encontramos a esposa regendo a orquestra do lar, garantindo o alimento e o vestuário de seus rebentos. Zelosa para cada um deles, em meio à rudeza do tempo, imprimia com olhar afeto e com as mãos toques de arte que encantava a todos: amava fazer crochê, preparar doce de leite, sendo que sua ocupação predileta era a costura, até mesmo porque naquele tempo eram as mães que confeccionavam a roupa de seus filhos e esposo.

Por ocasião do batismo de dois de seus filhos (José Natalino e Maria Natalina), lembra a filha, que a mãe recordava da cerimônia que aconteceu no dia da posse do primeiro prefeito de Brasilândia, José Francisco Marques Neto, e que o menino Alcides foi o primeiro menino que havia nascido no município recém-criado.

A filha recorda ainda que, naquela época, o prefeito doou um terreno para este primeiro brasilandense aqui nascido. Depois descobriu-se que um outro menino havia nascido antes e aí o terreno foi repassado para o primogênito aqui nascido. São tantas história, recorda a filha Natalina, desde o tempo em que seus avós vieram de Espanha e sua avó materna  ainda era uma menina e seu avô um homem feito. Vieram de navio, sendo que ao desembarcarem em Birigui/SP, foi lá que eles se conheceram. 

Os olhos percorrem as fotografias antigas da família e em cada uma delas, um ar de mocidade os envolve e que a tornou uma bela jovem, a ponto de cativar o amor do saudoso esposo, falecido em 23 de novembro de 2010, aos 79 anos de idade. Demonstrava, sim, ser uma mulher de fibra e onde seus predicados maternos a tornaram mãe de uma família progressista e empreendedora.

Desde a Brasilândia antiga, que dava seus primeiros passos rumo à emancipação e o progresso, ajudou a impulsionar seus negócios, seu comércio, suas lojas, empreendedores natos. A família Martinez Servilla contribuiu e marcou por demais o desenvolvimento desta cidade desde antes se tornar município.

E lá estava ela, dona Hermínia Martinez, vigilante timoneira, no leme do barco da casa, no carroção da estrada, nas idas e vindas ao mercado, na mantença da casa, no preparo do alimento, na costura e no bordado, sem perder de vista os acontecimentos sociais e políticos de sua cidade.

Ao lado do esposo, estirpe de povos de além-mar, trouxeram na bagagem a perseverança dos fortes, que atravessaram guerras e superaram o exílio, firmando-se como povo ordeiro e trabalhador, com os pés encravados no hoje, mas sempre com os olhos voltados para o amanhã.

A história desta mulher hoje perpassa os olhos e o coração de muitos, especialmente dos filhos que a saúdam em silêncio, como que reverenciando a envergadura e nobreza desta senhora de olhar cândido, mas de um coração de tônus inabalável.

Depois de uma longa caminhada, é aceitável que a família chore e sinta a dor da partida de tão importante e valorosa mulher. É compreensível também que ela seja lembrada com alegria, pois viveu e fez viver a sua volta, apontando caminhos, nunca desistindo da esperança, abraçando a causa da vida até o último momento. Descanse em paz dona Hermínia, uma mãe de Brasilândia.

Brasilândia/MS, 14 de dezembro de 2021.

 

Com informações e fotografias fornecidas por Maria Natalina Martines e Maria de Fátima Servilla.

(1) Luzia, Vanderleia e João faleceram ainda bebês. E Manoel, o primogênito faleceu aos 36 anos de idade.





















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