Dona
Hermínia, a candura e fibra de uma mulher.
Carlos
Alberto dos Santos Dutra
As imagens quase nunca enganam nossos corações. Desatentos, nossos olhos, muitas vezes, discriminam e afastam, ponderam e opinam, não percebendo a
beleza e o que elas comunicam. Com o coração é diferente: os olhos
penetram a alma e contemplam a aura de quem observamos, percorrendo sua
trajetória, suas lutas, derrotas e vitórias.
No mundo dos homens, a maior parte delas só é valorizada quando o manto
branco da idade recai sobre seus rostos, dando-lhes um ar de candura angelical.
Com a passividade e o silêncio permitidos e aceito pelo senso comum que as
envolve, elas passam os anos, assim, anônimas, e quase nem percebemos.
Mas, com aquela mulher não foi assim. Algo de muito nobre a revestia, mantendo-a
sempre altiva e aguerrida, até o fim de seus dias. Sem perder o ar de simpatia
e bondade que inspirava os filhos, noras e genros, netos e bisnetos, no alto
de seus 92 anos, ela se manteve lúcida e sempre com um sorriso nos lábios, pondo ordem em tudo a sua volta.
Assim era Hermínia Martinez Hernandes
Meirelles, desde o dia 30 de março de 1929 quando nasceu, mostrando ao mundo
a face rosada de uma menina que logo despontava decididamente forte para uma
bela mulher. Sob o frescor da juventude, lá a encontramos com a família e seus
nove irmãos, morando em Catanduva/SP, aluna dedicada estudando em casa com
professores contratados pelos pais.
Antes de completar 21 anos enamorou-se de Juan
Manoel Servilla Meirelles com quem se casou na cidade paulista de São
João do Pau D’alho. E lá estava o pai Adrian Martines Campoy e
a mãe Sagraria Hernandes Vindes, cheios de felicidade, no dia 3 de
novembro de 1951, vendo a filha subir o altar do matrimônio com o jovem Juan, de
apenas 20 anos de idade.
E lá seguiu o casal inicialmente trabalhando na
roça, nas terras que o pai Adrian adquiriu. Foi neste trabalho
que a jovem Hermínia conheceu Juan, que era filho
de arrendatários da fazenda. Depois mudaram para Corbélia, no Paraná e, por
fim, vieram para o Mato Grosso.
Logo o céu os brindou com dez filhos: Manoel, Maria
de Fátima, Adriano, João, Alcides, Ademar, José
Natalino, Maria Natalina, Luzia e Vanderleia (1).
Família pioneira, trabalhadora e empreendedora naqueles tempos primeiros, praticamente fundou o povoado de Brasilândia quando
aqui chegaram no ano de 1957. Num tempo onde não havia estradas, aportaram de
navio, instalando-se em Panorama e de lá para Brasilândia.
Ao lado do esposo, inicialmente se instalaram na
olaria do senhor Amadeo Rodrigues, depois, tornaram-se os pioneiro
no beneficiamento da orizicultura que despontava, com a primeira máquina de
arroz.
E lá encontramos a esposa regendo a orquestra do
lar, garantindo o alimento e o vestuário de seus rebentos. Zelosa para cada um
deles, em meio à rudeza do tempo, imprimia com olhar afeto e com as mãos toques
de arte que encantava a todos: amava fazer crochê, preparar doce de leite,
sendo que sua ocupação predileta era a costura, até mesmo porque naquele tempo
eram as mães que confeccionavam a roupa de seus filhos e esposo.
Por ocasião do batismo de dois de seus filhos (José
Natalino e Maria Natalina), lembra a filha, que a mãe recordava da
cerimônia que aconteceu no dia da posse do primeiro prefeito de
Brasilândia, José Francisco Marques Neto, e que o menino Alcides foi
o primeiro menino que havia nascido no município recém-criado.
A filha recorda ainda que, naquela época, o
prefeito doou um terreno para este primeiro brasilandense aqui nascido. Depois
descobriu-se que um outro menino havia nascido antes e aí o terreno foi
repassado para o primogênito aqui nascido. São tantas história,
recorda a filha Natalina, desde o tempo em que seus avós vieram de
Espanha e sua avó materna ainda era uma menina e seu avô um homem feito.
Vieram de navio, sendo que ao desembarcarem em Birigui/SP, foi lá que eles se
conheceram.
Os olhos percorrem as fotografias antigas da família e em cada uma
delas, um ar de mocidade os envolve e que a tornou uma bela jovem, a ponto de cativar o amor do
saudoso esposo, falecido em 23 de novembro de 2010, aos 79 anos de idade. Demonstrava, sim, ser uma mulher de fibra e onde seus predicados maternos a tornaram
mãe de uma família progressista e empreendedora.
Desde a Brasilândia antiga, que dava seus primeiros passos rumo à
emancipação e o progresso, ajudou a impulsionar seus negócios, seu comércio, suas lojas,
empreendedores natos. A família Martinez Servilla contribuiu e
marcou por demais o desenvolvimento desta cidade desde antes se tornar
município.
E lá estava ela, dona Hermínia Martinez, vigilante
timoneira, no leme do barco da casa, no carroção da estrada, nas idas e vindas
ao mercado, na mantença da casa, no preparo do alimento, na costura e no
bordado, sem perder de vista os acontecimentos sociais e políticos de sua
cidade.
Ao lado do esposo, estirpe de povos de além-mar, trouxeram na bagagem a
perseverança dos fortes, que atravessaram guerras e superaram o exílio, firmando-se
como povo ordeiro e trabalhador, com os pés encravados no hoje, mas sempre com
os olhos voltados para o amanhã.
A história desta mulher hoje perpassa
os olhos e o coração de muitos, especialmente dos filhos que a saúdam em
silêncio, como que reverenciando a envergadura e nobreza desta senhora de olhar
cândido, mas de um coração de tônus inabalável.
Depois de uma longa caminhada, é
aceitável que a família chore e sinta a dor da partida de tão importante e
valorosa mulher. É compreensível também que ela seja lembrada com alegria, pois
viveu e fez viver a sua volta, apontando caminhos, nunca desistindo da
esperança, abraçando a causa da vida até o último momento. Descanse em paz
dona Hermínia, uma mãe de Brasilândia.
Brasilândia/MS, 14 de dezembro de 2021.
Com
informações e fotografias fornecidas por Maria Natalina Martines e Maria de Fátima Servilla.
(1) Luzia, Vanderleia e João faleceram ainda bebês. E Manoel, o primogênito faleceu aos 36 anos de idade.
Dona Ermínia sempre levava a Sagrada eucaristia para ela. Parei quando começou a pandemia
ResponderExcluir🙏🏻
ResponderExcluir