sábado, 26 de julho de 2025

 

As lembranças, os saberes indígenas e o desafio da montanha.

Carlos Alberto dos Santos Dutra






O destino era chegar no encontro da Ação Saberes Indígenas na Escola que acontecia no prédio da Unidade 1, da UFMS, em Aquidauana. Lá se encontravam reunidos, além de professores e técnicos da universidade, coordenadores e formadores indígenas que integram o pool de escolas indígenas que reúne povos das etnias Terena, Kadiwéu, Guató, Ofaié, Kiniknau, Laiana, entre outros povos originários do Pantanal. 

O carro onde me encontrava deslizava suave pela BR-262 em direção à Aquidauana. Depois de rodar 498 km e contornar as cidades de Bataguassu, Santa Rita do Pardo e Campo Grande, por seus anéis viários, eis que uma reta infinita se apresenta a minha frente apontado direção rumo a Corumbá, deixando de lado as saídas para Bonito, Miranda e Bodoquena. 

O trajeto aos poucos vai deixando o bioma cerrado para trás. O mesmo acontece com as pastagens, criações de gado e alguns pés de eucalipto que já se avizinham por ali. A paisagem se modifica rápido na medida em que se aproxima de uma imponente montanha, verdadeira muralha que contorna a paisagem que se agiganta sobre quem chega: a majestosa cordilheira de cerros, de mais de 600 quilômetros de extensão, que integra a serra de Maracaju. 

Foi como se um imenso portal de natureza se abrisse permitindo, de súbito, que o visitante adentrasse aquele lugar singular e lhe fosse autorizado a contemplar a beleza natural do bioma do lugar. Aqui começa o Pantanal, anuncia uma placa à beira da estrada. Foi aí que meu olhar se encantou, não somente com a beleza que eles viam, mas com o significado que tudo aquilo representava para mim. 

Contemplar o apelo que emanava de painéis indicativos de locais como Cachoeirão, Palmeiras, Piraputanga, Paxixi e Camisão, era como voltar ao passado de mais de 30 anos quando, ainda jovem, por estes lugares andei. Ouvir o murmúrio das águas do Aquidauana, Buriti e Taquaruçu era como fazer a trajetória de minha própria história e ver o quanto os anos passaram. Para mim, somente. 

A natureza que se descortinava evocando o passado a minha frente, entretanto, permaneceu a mesma: intocada, com a mesma força e beleza de outrora que a perenizou no tempo. Com a mesma imponência e consciência que continua representando para aqueles que a contemplam, mesmo numa rápida passagem. 

E lá se encontra ela como pilastra. Na medida que o carro avança na sinuosidade da estrada, revela um pouco de si, sua potência, resistência e resiliência ao longo de eras, submetendo-se à intemperismos e metamorfoses que datam milhões de anos. Tudo lhe conferindo solidez escarpada pela vegetação nativa que lhe cobre e protege. 

Pois foi motivado por esse sentimento icônico e prenhe de significados que dele emergiam, que meus pés adentraram a sala onde o encontro da Ação Saberes Indígenas na Escola acontecia. E ela, aquela serra e seu portal de entrada, ali se encontrava. Não a presença física de seus contornos vulcânicos e sedimentos, mas a força e robustez de sua imagem que pairava sobre o ambiente acadêmico. 

Grupos indígenas falando e evocando suas ancestralidades, apontando rumos para a educação em suas comunidades. Professores, coordenadores e formadores indígenas posicionando-se com ousadia e coragem, diante do desafio de romper barreiras e mostrar ao mundo o quanto de conhecimento e sabedoria possuem, bem como o direito de ministrarem uma educação diferenciada, específica, bilíngue, intercultural e comunitária a seus curumins. 

À semelhança daquele portal natural que permitia ao viajante no rumo da estrada, adentrar a uma nova realidade ambiental preservada a sua frente, aqueles indígenas faziam o mesmo naquele lugar. À semelhança daquela serra de Maracaju abriam-se para o Estado e Governos para dizer que não precisam provar nada para mostrar o que são. 

Imemoriais, porque eles têm consciência de suas histórias e seus saberes. Originários, porque, por vezes, têm de conclamar à desobediência para se fazerem ouvir. Ancestrais, porque buscam nas suas raízes a revolução necessária em face das práticas pedagógicas tradicionais que lhes foram impostas ao longo de cinco séculos. Perenes como o vento, sempre em movimento, porque anseiam alcançar novos ares e sobreviver. 

A semente lançada pela Ação Saberes Indígenas na Escola, iniciada no Estado de Mato Grosso do Sul a pouco mais de 10 anos, deu e está dando frutos com a formação de mais de 300 professores indígenas que alcançam, por meio do ensino superior da Licenciatura Intercultural e outras áreas do conhecimento em nível de graduação e pós-graduação, ofertados por UEMS, UFMS, UCDB e UFGD, o que lhes garante condição isonômica com os demais professores, na disputa de força e poder que têm de enfrentar. 

Iniciativa do Ministério da Educação (MEC) que, além de promover a formação continuada de professores indígenas, com foco no letramento, numeramento e conhecimentos específicos de cada povo, esta ação vai mais longe. Reforça em cada professor o direito de praticar em suas escolas os seus processos próprios de aprendizagem e princípios do Saberes Indígenas, o que lhes garante respeito e autonomia. 

Ânimo que os alimenta sonhar ver sendo praticado por todos os professores esse direito reconhecido pelo Estado, de mostrar a beleza e a relevância do saber indígena, tal qual a grandiosidade da serra de Maracaju e seu portal de natureza que se abre para o conhecimento universal e cósmico do Saberes Indígenas na Escola, vencendo o desafio da montanha.

 

Brasilândia/MS, 26 de julho de 2025.

 

Fotos: Carlos Dutra; Estrada Parque de Piraputanga será uma rota internacional de turismo - O Pantaneiro


 

 

     


















domingo, 20 de julho de 2025

 

Koi e o Rio

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 









As águas do rio Ivinhema correm mansas levando sobre elas tímidas canoas, como que pedindo licença às suas margens para adentrar o coração da mata.

Ao longe ainda é possível em meio ao canto dos pássaros ouvir o chocalho do indígena ancestral tocado pelo movimento firme da mão do Xamã quebrando o silêncio da tarde que declina.

Do outro lado da margem, curumins brincam saltitantes nas águas sob o olhar compassivo dos pais. São indígenas  Guarani que por ali se encontram vindos do Sul do antigo Mato Grosso para a colheita da erva-mate.

A poderosa de então, Companhia Matte Laranjeira, havia lhes arregimentado trabalho e promessa de vida plena e fartura.

E ali ele estava, o rio, que tudo assistia e interagia com a vida que se arrastava ao longo daquela imensa várzea.

Refrescava os corpos de nativos fatigados; matava a sede de viajantes, pesquisadores e aventureiros; conduzia militares e mercadores em busca de segurança e mantimentos; fornecia alimento farto para o sustento dos ribeirinhos; dava-se inteiro, generosamente, a todos que por ali passavam.

Poucos paravam para ouvir o canto que de suas águas brotava, sobretudo ao cair da tarde, quando o som que principiava a noite se misturava ao som do chocalho e as palavras Ofaié que vinham da outra margem.

Um canto diferente para ouvidos comuns, acostumados somente ao murmúrio das águas. 

–Quem são eles?, perguntou o curumim Guarani ao pai, apontando para o outro lado do rio. 

Quem são eles e o que estão cantando?, quis saber o menino.

--São os Yviva, que na língua Guarani quer dizer na tradução singular de Curt Nimuendajú apenas pessoas. Sim, para os outros, os Ofaié eram apenas pessoas e nada mais. E não ofereciam perigo algum a seus vizinhos.

O rio Ivinhema, permanecia contemplando as embarcações em direção à montante até o porto Angelina e à jusante até a foz do córrego Santa Bárbara, sob o olhar indígena atento do lugar.

Olhar que agora um dos personagens desta história se reencontra com o antepassado de seus pais, motivado por uma produção cinematográfica que presta homenagem a este povo, o Povo Ofaié.

O filme, um documentário longa metragem originalmente intitulado Inventário das Várzeas foi apresentado pelos seus idealizadores Ricardo Câmara e Maurício Copetti, em agosto de 2024, no 18º Festivali, Festival de Cinema de Ivinhema.

O filme mostrou na sua pré-estreia, três ponto de vistas do rio Ivinhema. A visão arqueológica e antropológica, a partir de relatos de estudos com os pesquisadores Gilson Martins e Carlos Alberto Dutra, além da cosmogonia de José Koi Ofaié, um dos últimos indígenas falante da língua Ofaié, povo tradicional do lugar. O contraponto entre a ciência e a história oral ficou a cargo da narrativa do indígena Koi.

A nova edição do filme, tem duração de 26 minutos e recebeu o título Koi e o Rio e foi selecionado para ser apresentado no Festival de Cinema de Bonito/MS no dia 28 de julho próximo, com direito a uma palestra após a exibição que ocorrerá no Auditório Kadiwéu, no Centro de Convenções de Bonito. 

Ali José Koi irá revelar na tela e pessoalmente a jornada de seu povo – ao lado de Marcelo Ofaié --, pelos rios Paraná e Ivinhema em defesa da memória e cultura do Povo do Mel.

Brasilândia/MS, 20 de julho de 2025.

Cf. Mostra Filme Sul-Mato-Grossense • Bonito CineSur 2025

 

 

sábado, 19 de julho de 2025

 

Dona Ana e seu Fuso

Carlos Alberto dos Santos Dutra



Há 70 anos eu piso neste solo

Desde a fazenda Pinheiro

Eu ainda sinto o cheiro

Da terra deste meu mundo

Quando eu e meu velho Raimundo

Que com Deus no alto esteja

Enfrentamos mil pelejas

Dei a luz dezesseis filhos

Nos seus rostos vi o brilho

Um a um foram crescendo

Novos brotos vão nascendo

Com meu olhar os conduzo

Rodopiando como o fuso

Que me entretém com o bordado

É como um abraço apertado

Daquele que me visita

Torna minha vida bonita

Isso me torna feliz

Mesmo com a vida por um triz

Fico para o fuso olhando

E fico, assim, cantarolando

Brinco com ele rodando

Assim os dias vão passando

Cardando a lã, de outrora

Para ser feliz não tem hora

O dia está só começando.


Brasilândia/MS, 19 de julho de 2025.

Foto: Ceiça Souza; 

Trilha: Sonido_De_Los_Andes_Lamour_est_blue.


quinta-feira, 17 de julho de 2025

 

Curupira: antes que a humanidade seja transforma da em caça.

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 




Salve o Dia do Protetor de Florestas. 17 de julho é o dia de Curupira, aquela figura do folclore conhecida pelos seus cabelos vermelhos e pelos pés virados para trás. Seus pés virados ajudam, segundo a lenda, a enganar os inimigos, uma vez que seus passos ficam na posição trocada, dando a falsa impressão de que estão chegando perto dele, quando, na realidade, acontece o contrário. 

Esta manifestação mencionada em 1560 por José de Anchieta, o Curupira, protege as florestas das agressões constantes do homem, tais como desmatamento e caça de animais. Ah, Curupira esperto. Os agressores são atraídos por essa figura e nunca mais retornam, perdendo-se na mata. No caso de caçadores, o Curupira é conhecido por transformar a família deles em caça e, só após o caçador ter matado seus familiares, ele reconhece que, na realidade, eram pessoas de sua família.

A lenda também afirma que os índios levavam presentes para evitar o terrível ataque do Curupira. Além de aniquilar os destruidores da floresta, o Curupira possui a capacidade de ressuscitar os animais mortos pelo homem. Ah, como são importantes esses Curupiras dos dias atuais que saltam das páginas da lenda e vestem a roupagem do tempo que se chama hoje. 

São diversos profissionais que, igualmente, protegem todos os dias nossas florestas. À exemplo de Chico Mendes,  Dorothy Mae Stang, Ezequiel Ramin e outros que dedicaram a vida em favor da natureza e proteção das florestas da ação de madeireiros, grileiros e maus fazendeiros, seus ideais ainda continuam vivos e diuturnamente eles lutam pela causa ambiental e destacam-se levantando a bandeira contra a destruição do meio ambiente.  

São cidadãos, estudantes, técnicos, ativistas, biólogos, engenheiros, professores e outros profissionais ecologistas engajados. E lá estão eles com suas planilhas e experimentos encontrando formas científicas e práticas para impedir a destruição das florestas, sendo esses os verdadeiros Protetores de Florestas

Pessoas, muitas vezes não compreendidas e constantemente ameaçadas de morte por se posicionarem contra assuntos de grande interesse econômico, sendo que o caminho correto seria ambos darem-se as mãos no rumo da sustentabilidade e da prosperidade para nossa Casa Comum, o meio ambiente em que vivemos. 

Por esta razão, este dia dedicado a Curupira, todos são conclamados a ser também guardiões das florestas, pois elas são de importância vital para o equilíbrio dos ecossistemas. Deixando todos sempre alerta para que os interesses meramente econômicos de nossos empreendimentos não fiquem acima do interesse do planeta, a incolumidade pública e a sobrevivência da espécie humana.  

Num pontinho distante do globo, na latitude 21º 15' 21" Sul, cá estamos, Brasilândia/MS, buscando sensibilizar os cidadãos de que devemos proteger a natureza, as nascentes dos rios e os córregos; que a mata ciliar seja respeitada e que façamos o uso responsável dos recursos hídricos.

Ainda que escondida em meio às florestas plantadas, o clamor da mata nativa, ainda é possível ouvi-lo. E seu grito é o de que nos apressemos em recompor o que já foi devastado, conclamando a municipalidade e seu entorno para a preservação, o cuidado com a destinação dos resíduos e efluentes que estamos produzindo. Tudo para que Curupira não tenha que transformar a humanidade inteira em caça.

Brasilândia/MS, 17 de julho de 2025
Dia do Protetor de Florestas

Foto: https://www.preparaenem.com/folclore/curupira.htm; 'Proteger a floresta é uma responsabilidade da humanidade';

Fonte: Texto inspirado em SANTOS, Vanessa Sardinha dos. "17 de julho — Dia do Protetor de Florestas"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-protetor-florestas.htm. Acesso em 17 de julho de 2025.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

O juramento à Bandeira e o compromisso com o porvir

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 




Nunca uma bandeira representou tanto para um País, sobretudo, neste momento quando ventos do Norte intentam sobre ela colocando em risco a soberania desta terra brasili. Ver um grupo de jovens prestando juramento ao pavilhão nacional causa sempre emoção e orgulho a todo o brasileiro.

Lembremos que empunharam esta flâmula verde, azul e amarela, ao longo de 500 anos de história, centenas de combatentes, de vários rostos e lugares, que tombaram em defesa deste solo, contra potências estrangeiras que aqui quiseram usurpar os sonhos e liberdade por nós cultivados. 

Por ela, saberão melhor os mais antigos, o quanto de suor e lágrimas representou tê-la nos braços como símbolo de conquista e vitória. E lá a encontramos tremulando sob o olhar fixo, em lágrimas, de atletas, competidores e chefe de nações, livre e soberana, a mostrar a beleza e os encantos desta terra, seus sonhos e os ideais de sua gente. 

Os jovens, cerca de 20 deles, que no dia 9 de julho último receberam pelas mãos da Prefeita Municipal de Brasilândia, o Certificado de Dispensa de Incorporação, na presença do 2º Batalhão Militar e Junta de Serviço Militar local, participaram mais do que uma cerimônia cívica. Prestaram reverência, através do Juramento, ao símbolo maior de seu País. 

Isso porque, a cada ano, este rito oportuniza à comunidade, através de seus filhos, reafirmar o compromisso seu e de seus pais, com a Pátria. E manifestar em alto e bom som, sua lealdade e disposição de defende-la a qualquer custo, sempre que a mesma se encontrar em perigo de cair em mãos estrangeiras. 

Ainda que estes jovens não venham a integrar às Forças Armadas (Ar, Terra e Mar), esta cerimônia os credencia como cidadãos a ingressar na maioridade civil de cabeça erguida e confiante no futuro que os espera. Pois, como diz a canção entoada no Hino Nacional Brasileiro: Verás que um filho teu não foge a luta, demonstrando a coragem daqueles que não irão recuar diante dos desafios que os espera. 

Para aqueles, hoje ocupando a reserva, e que trilhamos os caminhos entre batalhões e quarteis: marchas forçadas, desfiles cívicos, treinamentos com armas, manobras de guerra, provas de sobrevivência, rondas noturnas em guaritas e a disciplina rígida dos comandos, as lições da farda verde-oliva nunca serão esquecidas, vez que tinham como ideal moldar os valores de cada cidadão e sua tropa. 

Aos jovens brasilandenses e do Brasil inteiro que receberam o seu CDI e prestaram seu primeiro juramento à Bandeira resta desejar-lhes sucesso na continuidade dos estudo e realização profissional com responsabilidade e confiança no potencial que carregam no peito. Assim, estão fazendo por merecer o gesto que naquele dia reafirmaram: o compromisso de buscar o progresso do seu País pautado nos valores da ordem, da cultura e liberdade do povo brasileiro.

Brasilândia/MS, 16 de julho de 2025.

 


domingo, 13 de julho de 2025

 

Vitor Rosalino: Luz e benção, e gratidão
Carlos Alberto dos Santos Dutra


Fica sempre o perfume
Nas mãos que oferecem rosas
Nas mãos que sabem ser generosas
Diz a canção de uma Santa
Teresinha, que encanta
E nos enche de emoção
Todos num só coração
Naquele dia na igreja
De repente, ora veja
Ao saber da despedida
Irmão VITOR de partida
Para o Estado de Tocantins
Vai florir novos jardins
Decerto também por lá
Mas por aqui vai ficar
Lembrança de sua família
Não as malas e a mobília
Mas Bruna, Manu e Marina
Vamos guardar na retina
Todos vão deixar saudade
A esta comunidade
Da Paróquia Bom Pastor
Que o acolheu com amor
Devotando-lhe respeito
Algo que nos aperta o peito
Amizade verdadeira
Cultivada além fronteira
Que enraizou na cidade
Jovem cheio de vontade
Junto da esposa e as filhas
Ó meu Deus que maravilha
Trabalhando do Sicredi
E logo o Céu nos concede
Um parceiro na Igreja
Eu aceito, assim seja!
Estava logo engajado
Nos leilões, um aliado
No dízimo e na pastoral
Terço dos Homens, sinal
Espiritualidade encontrou
Sua fé revigorou
Nas promoções, lado a lado
E lá vai o cooperado
No Conselho, na quermesse
Mais um operário na messe
Toda confiança do Padre
Dos ministros e confrades
Líder da comunidade
Congregou fraternidade
Sempre pronto toda a hora...
Mas o que acontece agora?
Nada mais posso fazer
A não ser, agradecer
Dar-lhe um aperto de mão
Homem de bom coração
Dedicado e sem medida
Mais uma etapa vencida
Flores que foram plantadas
Rosas e perfume na estrada
Leva para longe as imagens
Redes sociais e mensagens
Nossa Paróquia agradece
E ergue a Deus uma prece
Luz e Bênção, e boa viagem.
 
Brasilândia/MS, 13 de julho de 2025.

sábado, 12 de julho de 2025

 

A voz do Senhor, o samaritano e a misericórdia

Carlos Alberto dos Santos Dutra





 


A leitura bíblica escolhida para este 15º Domingo do Tempo Comum, do ano C, em toda a Igreja de rito romano, pelo mundo afora, reflete um tema extremamente atual e necessário. Diante de uma humanidade cada vez mais preocupada em garantir sua segurança e obstinada a trilhar caminhos em busca da felicidade, as escolhas nem sempre têm sido fáceis. 

Com um toque de sensibilidade e trilhando o jardim da misericórdia, a conhecida e bela parábola do Bom Samaritano, mais uma vez retorna ao Evangelho dominical colocando-se como a pedra angular que questiona nossas atitudes nos impulsionando para os braços e desafios do amor transcendente. Amor que, mais do que imaginamos, está sempre muito próximo do amor humano que nos move no cotidiano. 

A beleza da Palavra já começa no Livro do Deuteronômio (30,10-14). Quatro versículos apenas, mas suficientes para motivar a humanidade a refletir sobre sua natureza e atitudes tomadas diante da incerteza sobre o amanhã. Dúvidas que conclamam ao ser temente a Deus a ouvir a voz do Senhor e a observar todos os seus mandamentos e preceitos que estão escritos na lei. 

Ora, todos sabemos que em qualquer lugar, razoavelmente considerado, a pessoa humana conduzirá sua vida e existência sob a ordem consuetudinária e legal do lugar onde vive. As leis e as regras sociais, convivemos com elas desde que nascemos e as cumprimos por uma questão de sobrevivência e incolumidade pública, aliada ao direito de viver em paz e com dignidade, ou liberdade para conquista-la. 

A lei civil, assim, nos conduz a caminhos idealmente retos e seguros nos punindo penalmente, por exemplo, quando tiramos a vida de uma pessoa; quando subtraímos um bem de alguém; quando deixamos de cumprir uma obrigação contratual ou deixamos de recolher o imposto sobre os bens que acumulamos. Uma espécie de fio condutor social, tido como conquista civilizatória, marco da distância que, em tese, separou o homem da prática da barbárie. 

No olhar de Deus, nos lembra Moisés, essa adesão à Lei de Deus, também é um imperativo, haja vista a condição que nos encontramos em relação a Ele: somos partícipes da tribo de Javé que nos entregou Jesus, aquele, o Cristo que declaramos símbolo de nossa fé. Um pacto selado ainda no Batismo e confirmado no Crisma que nos amadureceu na fé, e nos abriu as portas do coração e do entendimento para o significado da nossa vida perante Deus. 

Pois bem. Moisés nos mostra o quanto é difícil nos submetermos a Lei de Deus. Nos curvamos perante a lei dos homens, mesmo quando injusta, mas resistimos a cumprir a Lei maior de Deus. Os questionamentos que Moisés apresenta são plenamente aceitáveis, considerando a natureza terrena de que somos feitos. Em razão disso, como que conclamando o cumprimento da Lei, argumenta Moisés: este mandamento que hoje te dou não é difícil demais, nem está fora do teu alcance. 

Para aqueles que acham que a voz do Senhor está somente no céu, que é preciso subir às alturas para alcança-la, Moisés afirma: Ele não está no céu. Responde também para aqueles que acham que a voz do Senhor só é possível ouvi-la em lugares distantes, do outro lado do mar; ou ainda quando perguntam a ele sobre este mandamento: quem nos ensinará para que o possamos cumprir?, Moisés  responde admoestando-os: esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que possas cumprir. 

Tudo para mostrar que não precisamos ir muito longe para encontrar a voz do Senhor em nossa vida. Como nos mostra Jesus, no Evangelho de hoje (Lc 10,25-37) quando revela aos ouvidos de seus discípulos o que Moisés, dois mil anos antes do Mestre nascer, buscava lhes falar, aproximando a fronteira entre o verbo do Senhor e seus filhos, entre a vontade de Deus e o desejo dos homens. Vontade e desejo que se comunicam por intermédio do próximo, o sujeito que motivou a compaixão, rompendo com o amor nefelibático, colocando-o raso, no chão, ao alcance da mão e da misericórdia que transcende a condição humana. 

Marcados por uma sociedade onde a realidade social, econômica e política nos impõe regras e limites, fazendo-nos, por vezes, escravos de um sistema que nos conduz ao consumo desenfreado e narcisismo excludente, a proposta de Jesus caminha no sentido contrário, dando-nos a oportunidade e liberdade para romper com o que nos impede de correr ao encontro do próximo. Mesmo que alguém se pergunte: quem é o meu próximo? ou até onde eu devo amar? 

A lição que a parábola do Bom Samaritano nos dá neste domingo é a de que somente o amor transcendente, alcançado pela força do Espírito Santo, é capaz romper com as fronteiras religiosas, étnicas e culturais. Somente o amor transcendente é capaz de desnudar a hipocrisia de religiões e eclesiásticos que se fecham em doutrinas etéreas, quando não, mais preocupados com o gazofilácio do que com o sofrimento de seu rebanho. Ao reprovar a conduta do sacerdote e do levita, e enaltecer a atitude do desprezado samaritano, Jesus revela que o segredo da obediência à voz do Senhor é a compaixão. 

Compaixão, sobretudo, que exige ação concreta, que exige engajamento, tocar na ferida, acolher e promover, exige comprometimento e doação. Essa é a lógica do Reino. Amar o próximo não é somente amar quem está perto. Próximo é todo aquele que precisa de cada um de nós. Exige, por fim, sair de nossa suposta segurança que nada garante, e ousar levar a voz do Senhor, por meio de gestos concretos a lugares que mais precisam, e onde a misericórdia há muito ali deixou de existir.

 

Brasilândia/MS, 12 de julho de 2025.

 

Fonte de inspiração: Pe. Ricardo Rodolfo. Homilia. Dia 13, 15º Domingo do Tempo Comum. Canção Nova. 13 de julho de 2025.

Foto: Bom samaritano: 1,1 mil imagens, fotos e ilustrações stock livres de direitos | Shutterstock


quarta-feira, 9 de julho de 2025

 

Maria Aparecida Moreira, a nossa Cida da Cocada

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 

 



Alguns artistas, especialmente cantores, brilham com facilidade diante dos olhos do povo. E existe todo um aparato que os promove, sobretudo a partir das instâncias locais de cidades pequenas, como Brasilândia. 

É o caso da maioria dos artistas da urbe que, de quando em vez se apresentam em shows e eventos, promovidos pela municipalidade ou igrejas que se transformam em palco e grandes promotores da cultura e espaço onde desabrocham muitos talentos. 

O caso de Maria Aparecida Moreira, ou simplesmente, Dona Cida, conhecida também como Cida da Cocada, não seria diferente. Porém, em outro patamar de consciência e projeção além-fronteiras. 

Para falar desta pérola negra da poesia e da sonoridade musical é preciso contextualizar como ela adentra este universo da cultura musical de Brasilândia, sendo uma preta, termo agora utilizado para dar visibilidade a uma das etnias que por mais de 500 anos manteve-se em silêncio, amordaçada, subjugada. 

Inicialmente cabe dizer que dona Cida surge não como cantora ou poetisa, como a maioria dos artistas. Ela surge como uma acampada, mulher negra, sem-terra, viúva de um indígena morto e como militante das causas sociais. Uma guerreira, nascida em Adamantina/SP no dia 12 de janeiro de 1952 e que chegou a Brasilândia ainda menina, estendendo no decorrer dos anos, fortes laços de família e engajamento social e político com a comunidade local. 

Mãe de Solange Aparecida, José Márcio, Marcelo Fabiano, Antônio Marcos, Silvana, Suzana, Maria Célia, Paulo Ricardo, seus filhos e uma penca de netos, carrega junto de si uma legião de amigos. E lá a encontramos, no ano de 2007, sob o abrigo de um barraco de lona no Acampamento Esperança, nas margens da rodovia MS 395, junto ao córrego Bom Jardim. 

De outra feita, lá está ela em meio à poeira da estrada pelas bandas da Fazenda Santa Maria, lutando por terra, militando junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasilândia-STRB, imbatível. Coragem que vai buscar lá no fundo de suas raízes as razões para não sucumbir. 

Sua voz e suas canções brotam dessa luta, cotidiana, de esperança de alcançar um cadinho de terra, para quem já havia perdido quase tudo. Sua voz tem o hálito e a força da terra, da organização sindical e do gingado afrodescendente que a transforma em doce símbolo da luta contra a discriminação racial e contra o preconceito. 

Essa voz, entretanto, não é audível a todos os ouvidos. Causa ruído para alguns, saber que suas palavras podem ferir corações, despertar paixões e revolução. Cacos de vidros quebrados, jugos libertados e horizontes nunca antes trilhados. Sua voz soa melhor, mais livre, liberta, pelos campos, acampamentos e palanques improvisados de sem-terra, celebrações, missas e cultos de ação de graça e de fé promovidos por aqueles que acreditam na justiça e no amor. 

Por isso sua voz não chega à maioria dos lugares com a mesma facilidade e convite que os demais. Isso, entretanto, não lhe tira qualquer brilho do olhar. E agora olha lá, há bem pouco tempo a encontramos atravessando o Brasil reforçando o coro da Marcha das Margaridas, ao lado de Dona Ziza (Jesuína Camargo de Toledo) para cantar para a comitiva e delegação do Presidente Lula, que atravessou o salão para cumprimentá-la, animando Congressos de Margaridas e de Sem Terra, no Planalto Central do Brasil. 

E lá, de novo, a encontramos compondo mesa de celebridades, em eventos na Assembleia Legislativa, Câmaras de Vereadores, convenções partidárias, sendo homenageada e aplaudida, sempre dando uma palhinha e deixando de recordação no coração de todos uma de suas canções. Canções que ninguém se preocupou em registrar e eternizar na forma digital, porém, cada cidadão levou consigo para casa um pouquinho dos sonhos desta mulher. 

Dona Cida , ao vê-la nos dias atuais sendo festejada e valorizada, empunhando um microfone para falar de sua trajetória, vejo que o relógio do tempo rodou léguas para, agora, e somente agora, incluí-la no rol das pretas que hoje brilham e são homenageadas como cidadãs de valor e fibra desta Brasilândia multicolorida e pluriétnica. 

E como se não bastasse, aos 73 anos de idade e com vigor juvenil, dona Cida ainda adoça a vida dos conterrâneos com suas cocadas. Olha para o alto e sem hesitar, leva a mão à cabeça e deixa livre a destemida e vasta cabeleira rastafári que ostenta com orgulho, e manda ver..., embalando a todos com o encantamento do seu verbo e de sua canção.

 

Brasilândia/MS, 9 de julho de 2025.

 

Fonte: História e Memória de Brasilândia, Vol. II – Patrimônio, Pág. 28-29.









sábado, 5 de julho de 2025

 

O acolhimento, a solidariedade e os Ofaié

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 




Como é bom se sentir acolhido. Como nos sentimos bem quando descobrimos que temos valor e por isso o mundo sorri para nós. Como é bom poder olhar nos olhos de alguém e perceber que somos bem-vindos. Como é bom saber que nossos corpos merecem ser abraçados e aquecidos pelo calor humano da amizade e da solidariedade. 

Foi assim que naquele dia iluminado a aldeia Anodhi se sentiu. E isso depois de um tempo de expectativa e esperança, de incerteza e desconfiança se seriam ou não merecedores de receber tão importante visita. Ah!, e como nos confortaram os abraços, as palavras e os presentes que recebemos. 

E lá estava a prefeita Márcia Amaral e sua equipe levando até aqueles primi ocupandi desta terra o calor humano que de seu coração desprendia envolto nas fibras têxteis de lã e algodão que buscavam aquecer o corpo e a alma daquele povo Ofaié e Guarani que ali se encontrava fortalecendo-lhe a sua identidade e ancestralidade. 

Ficou para trás o tempo da dúvida e do ressentimento, o tempo do abandono e da desconsideração, o tempo do medo e das palavras mais duras. Enfim, foi-se o tempo onde a ordem para fechar as portas do coração não mais poderá ser ouvida. 

Isso porque o gesto e as palavras ditas naquele momento aproximaram sonhos e cicatrizaram feridas, abriram as portas para uma infinidade de projetos e parcerias, possibilidades sincera de quem se dispõe a construir de mãos dadas uma nova história pilastrada no diálogo e no respeito aos povos originários e sua autodeterminação, valorizando sua arte, sua língua, sua educação e direito de viver com dignidade e liberdade. 

A presença da líder maior da administração municipal, prefeita de Brasilândia, Márcia Amaral, ao se encontrar com a atual liderança da Comunidade Ofaié, a Vice cacique Ramona Pereira, configura marco de um novo tempo para artesãos, professores, agricultores, apicultores e pecuaristas no horizonte do empreendedorismo que hoje a aldeia Anodhi Ofaié já experimenta. 

Os cobertores e agasalhos doados, ao lado do abraço de confiança dedicado e a expressão de afeto sincero manifestado, tornam a administração municipal de Brasilândia um aliada do povo Ofaié, e prenúncio de políticas públicas voltadas para esta comunidade vitoriosa nos diversos campos do saber e do fazer sempre disposta a ensinar, mas também a aprender ser um cadinho Ofaié.

Brasilândia/MS, 05 de julho de 2025.


Para saber mais sobre os Ofaié leia: 

Eu quero falar Ofayé, por Carlos Alberto dos Santos Dutra - Clube de Autores