domingo, 20 de julho de 2025

 

Koi e o Rio

Carlos Alberto dos Santos Dutra


 









As águas do rio Ivinhema correm mansas levando sobre elas tímidas canoas, como que pedindo licença às suas margens para adentrar o coração da mata.

Ao longe ainda é possível em meio ao canto dos pássaros ouvir o chocalho do indígena ancestral tocado pelo movimento firme da mão do Xamã quebrando o silêncio da tarde que declina.

Do outro lado da margem, curumins brincam saltitantes nas águas sob o olhar compassivo dos pais. São indígenas  Guarani que por ali se encontram vindos do Sul do antigo Mato Grosso para a colheita da erva-mate.

A poderosa de então, Companhia Matte Laranjeira, havia lhes arregimentado trabalho e promessa de vida plena e fartura.

E ali ele estava, o rio, que tudo assistia e interagia com a vida que se arrastava ao longo daquela imensa várzea.

Refrescava os corpos de nativos fatigados; matava a sede de viajantes, pesquisadores e aventureiros; conduzia militares e mercadores em busca de segurança e mantimentos; fornecia alimento farto para o sustento dos ribeirinhos; dava-se inteiro, generosamente, a todos que por ali passavam.

Poucos paravam para ouvir o canto que de suas águas brotava, sobretudo ao cair da tarde, quando o som que principiava a noite se misturava ao som do chocalho e as palavras Ofaié que vinham da outra margem.

Um canto diferente para ouvidos comuns, acostumados somente ao murmúrio das águas. 

–Quem são eles?, perguntou o curumim Guarani ao pai, apontando para o outro lado do rio. 

Quem são eles e o que estão cantando?, quis saber o menino.

--São os Yviva, que na língua Guarani quer dizer na tradução singular de Curt Nimuendajú apenas pessoas. Sim, para os outros, os Ofaié eram apenas pessoas e nada mais. E não ofereciam perigo algum a seus vizinhos.

O rio Ivinhema, permanecia contemplando as embarcações em direção à montante até o porto Angelina e à jusante até a foz do córrego Santa Bárbara, sob o olhar indígena atento do lugar.

Olhar que agora um dos personagens desta história se reencontra com o antepassado de seus pais, motivado por uma produção cinematográfica que presta homenagem a este povo, o Povo Ofaié.

O filme, um documentário longa metragem originalmente intitulado Inventário das Várzeas foi apresentado pelos seus idealizadores Ricardo Câmara e Maurício Copetti, em agosto de 2024, no 18º Festivali, Festival de Cinema de Ivinhema.

O filme mostrou na sua pré-estreia, três ponto de vistas do rio Ivinhema. A visão arqueológica e antropológica, a partir de relatos de estudos com os pesquisadores Gilson Martins e Carlos Alberto Dutra, além da cosmogonia de José Koi Ofaié, um dos últimos indígenas falante da língua Ofaié, povo tradicional do lugar. O contraponto entre a ciência e a história oral ficou a cargo da narrativa do indígena Koi.

A nova edição do filme, tem duração de 26 minutos e recebeu o título Koi e o Rio e foi selecionado para ser apresentado no Festival de Cinema de Bonito/MS no dia 28 de julho próximo, com direito a uma palestra após a exibição que ocorrerá no Auditório Kadiwéu, no Centro de Convenções de Bonito. 

Ali José Koi irá revelar na tela e pessoalmente a jornada de seu povo – ao lado de Marcelo Ofaié --, pelos rios Paraná e Ivinhema em defesa da memória e cultura do Povo do Mel.

Brasilândia/MS, 20 de julho de 2025.

Cf. Mostra Filme Sul-Mato-Grossense • Bonito CineSur 2025

 

 

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