Koi e o Rio
Carlos Alberto dos Santos
Dutra
As águas do rio Ivinhema correm
mansas levando sobre elas tímidas canoas, como que pedindo licença às suas
margens para adentrar o coração da mata.
Ao longe ainda é possível
em meio ao canto dos pássaros ouvir o chocalho do indígena ancestral tocado
pelo movimento firme da mão do Xamã quebrando o silêncio da tarde que declina.
Do outro lado da margem,
curumins brincam saltitantes nas águas sob o olhar compassivo dos pais. São indígenas
Guarani que por ali se encontram vindos
do Sul do antigo Mato Grosso para a colheita da erva-mate.
A poderosa de então,
Companhia Matte Laranjeira, havia lhes arregimentado trabalho e promessa de
vida plena e fartura.
E ali ele estava, o rio,
que tudo assistia e interagia com a vida que se arrastava ao longo daquela imensa várzea.
Refrescava os corpos de
nativos fatigados; matava a sede de viajantes, pesquisadores e aventureiros;
conduzia militares e mercadores em busca de segurança e mantimentos; fornecia
alimento farto para o sustento dos ribeirinhos; dava-se inteiro, generosamente,
a todos que por ali passavam.
Poucos paravam para ouvir
o canto que de suas águas brotava, sobretudo ao cair da tarde, quando o som
que principiava a noite se misturava ao som do chocalho e as palavras Ofaié que vinham
da outra margem.
Um canto diferente para ouvidos comuns, acostumados somente ao murmúrio das águas.
–Quem são eles?, perguntou o curumim Guarani ao pai, apontando para o outro lado do rio.
–Quem são
eles e o que estão cantando?, quis saber o menino.
--São os Yviva, que na língua Guarani quer dizer na tradução singular de Curt Nimuendajú apenas pessoas. Sim, para os outros, os Ofaié eram apenas pessoas e nada mais. E não ofereciam perigo algum a seus vizinhos.
O rio Ivinhema, permanecia
contemplando as embarcações em direção à montante até o porto Angelina e à jusante até a foz do córrego Santa Bárbara, sob o olhar indígena atento do
lugar.
Olhar que agora um dos
personagens desta história se reencontra com o antepassado de seus pais, motivado
por uma produção cinematográfica que presta homenagem a este povo, o Povo Ofaié.
O filme, um documentário
longa metragem originalmente intitulado Inventário das Várzeas foi apresentado
pelos seus idealizadores Ricardo Câmara e Maurício Copetti, em agosto de 2024, no
18º Festivali, Festival de Cinema de Ivinhema.
O filme mostrou na sua
pré-estreia, três ponto de vistas do rio Ivinhema. A visão arqueológica e antropológica,
a partir de relatos de estudos com os pesquisadores Gilson Martins e Carlos
Alberto Dutra, além da cosmogonia de José Koi Ofaié, um dos últimos indígenas
falante da língua Ofaié, povo tradicional do lugar. O contraponto entre a
ciência e a história oral ficou a cargo da narrativa do indígena Koi.
A nova edição do filme, tem duração de 26 minutos e recebeu o título Koi e o Rio e foi selecionado para ser apresentado no Festival de Cinema de Bonito/MS no dia 28 de julho próximo, com direito a uma palestra após a exibição que ocorrerá no Auditório Kadiwéu, no Centro de Convenções de Bonito.
Ali José Koi irá revelar na tela e pessoalmente a jornada
de seu povo – ao lado de Marcelo Ofaié --, pelos rios Paraná e Ivinhema em defesa da
memória e cultura do Povo do Mel.
Brasilândia/MS,
20 de julho de 2025.
Cf.
Mostra
Filme Sul-Mato-Grossense • Bonito CineSur 2025
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