A voz do Senhor, o samaritano e a misericórdia
Carlos Alberto dos Santos
Dutra
A leitura bíblica escolhida para este 15º Domingo do Tempo Comum, do ano C, em toda a Igreja de rito romano, pelo mundo afora, reflete um tema extremamente atual e necessário. Diante de uma humanidade cada vez mais preocupada em garantir sua segurança e obstinada a trilhar caminhos em busca da felicidade, as escolhas nem sempre têm sido fáceis.
Com um toque de sensibilidade e trilhando o jardim da misericórdia, a conhecida e bela parábola do Bom Samaritano, mais uma vez retorna ao Evangelho dominical colocando-se como a pedra angular que questiona nossas atitudes nos impulsionando para os braços e desafios do amor transcendente. Amor que, mais do que imaginamos, está sempre muito próximo do amor humano que nos move no cotidiano.
A beleza da Palavra já começa no Livro do Deuteronômio (30,10-14). Quatro versículos apenas, mas suficientes para motivar a humanidade a refletir sobre sua natureza e atitudes tomadas diante da incerteza sobre o amanhã. Dúvidas que conclamam ao ser temente a Deus a ouvir a voz do Senhor e a observar todos os seus mandamentos e preceitos que estão escritos na lei.
Ora, todos sabemos que em qualquer lugar, razoavelmente considerado, a pessoa humana conduzirá sua vida e existência sob a ordem consuetudinária e legal do lugar onde vive. As leis e as regras sociais, convivemos com elas desde que nascemos e as cumprimos por uma questão de sobrevivência e incolumidade pública, aliada ao direito de viver em paz e com dignidade, ou liberdade para conquista-la.
A lei civil, assim, nos conduz a caminhos idealmente retos e seguros nos punindo penalmente, por exemplo, quando tiramos a vida de uma pessoa; quando subtraímos um bem de alguém; quando deixamos de cumprir uma obrigação contratual ou deixamos de recolher o imposto sobre os bens que acumulamos. Uma espécie de fio condutor social, tido como conquista civilizatória, marco da distância que, em tese, separou o homem da prática da barbárie.
No olhar de Deus, nos lembra Moisés, essa adesão à Lei de Deus, também é um imperativo, haja vista a condição que nos encontramos em relação a Ele: somos partícipes da tribo de Javé que nos entregou Jesus, aquele, o Cristo que declaramos símbolo de nossa fé. Um pacto selado ainda no Batismo e confirmado no Crisma que nos amadureceu na fé, e nos abriu as portas do coração e do entendimento para o significado da nossa vida perante Deus.
Pois bem. Moisés nos mostra o quanto é difícil nos submetermos a Lei de Deus. Nos curvamos perante a lei dos homens, mesmo quando injusta, mas resistimos a cumprir a Lei maior de Deus. Os questionamentos que Moisés apresenta são plenamente aceitáveis, considerando a natureza terrena de que somos feitos. Em razão disso, como que conclamando o cumprimento da Lei, argumenta Moisés: este mandamento que hoje te dou não é difícil demais, nem está fora do teu alcance.
Para aqueles que acham que a voz do Senhor está somente no céu, que é preciso subir às alturas para alcança-la, Moisés afirma: Ele não está no céu. Responde também para aqueles que acham que a voz do Senhor só é possível ouvi-la em lugares distantes, do outro lado do mar; ou ainda quando perguntam a ele sobre este mandamento: quem nos ensinará para que o possamos cumprir?, Moisés responde admoestando-os: esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que possas cumprir.
Tudo para mostrar que não precisamos ir muito longe para encontrar a voz do Senhor em nossa vida. Como nos mostra Jesus, no Evangelho de hoje (Lc 10,25-37) quando revela aos ouvidos de seus discípulos o que Moisés, dois mil anos antes do Mestre nascer, buscava lhes falar, aproximando a fronteira entre o verbo do Senhor e seus filhos, entre a vontade de Deus e o desejo dos homens. Vontade e desejo que se comunicam por intermédio do próximo, o sujeito que motivou a compaixão, rompendo com o amor nefelibático, colocando-o raso, no chão, ao alcance da mão e da misericórdia que transcende a condição humana.
Marcados por uma sociedade onde a realidade social, econômica e política nos impõe regras e limites, fazendo-nos, por vezes, escravos de um sistema que nos conduz ao consumo desenfreado e narcisismo excludente, a proposta de Jesus caminha no sentido contrário, dando-nos a oportunidade e liberdade para romper com o que nos impede de correr ao encontro do próximo. Mesmo que alguém se pergunte: quem é o meu próximo? ou até onde eu devo amar?
A lição que a parábola do Bom Samaritano nos dá neste domingo é a de que somente o amor transcendente, alcançado pela força do Espírito Santo, é capaz romper com as fronteiras religiosas, étnicas e culturais. Somente o amor transcendente é capaz de desnudar a hipocrisia de religiões e eclesiásticos que se fecham em doutrinas etéreas, quando não, mais preocupados com o gazofilácio do que com o sofrimento de seu rebanho. Ao reprovar a conduta do sacerdote e do levita, e enaltecer a atitude do desprezado samaritano, Jesus revela que o segredo da obediência à voz do Senhor é a compaixão.
Compaixão, sobretudo, que
exige ação concreta, que exige engajamento, tocar na ferida, acolher e promover, exige
comprometimento e doação. Essa é a lógica do Reino. Amar o próximo não é
somente amar quem está perto. Próximo é todo aquele que precisa de cada um de
nós. Exige, por fim, sair de nossa suposta segurança que nada garante, e ousar
levar a voz do Senhor, por meio de gestos concretos a lugares que mais
precisam, e onde a misericórdia há muito ali deixou de existir.
Brasilândia/MS,
12 de julho de 2025.
Fonte de inspiração: Pe.
Ricardo Rodolfo. Homilia. Dia 13, 15º Domingo do Tempo Comum. Canção Nova. 13 de julho de 2025.
Foto: Bom samaritano: 1,1 mil imagens, fotos e ilustrações stock livres de direitos | Shutterstock
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