Marcelo Barros de Souza/Carlos
Alberto dos Santos Dutra
Conheço o monge Marcelo Barros desde o tempo em que fiz teologia na
PUC em Porto Alegre/RS. Não, não conheço este beneditino pessoalmente,
mas desde o tempo de estudante sempre admirei este escritor e teólogo pernambucano,
sobretudo pelo que escrevia. Hoje, passado um bom par de anos, ele, dez anos
mais experiente do que eu, é de admirar, o quanto suas palavras continuam
lúcidas, incisivas e proféticas.
O texto que recebi é a ele atribuído. E acredito
piamente que seja em razão do estilo e força que carrega nas palavras, que
fluem atingindo em cheio o coração de quem deseja estar atento aos sinais dos tempos a sua
volta.
E ele parte de um tema por demais atual: o meio ambiente. Seu artigo inicia com uma pergunta desafiadora:
Por que não proponho rezarmos
pela proteção da natureza? E, bem ao seu
estilo, inicia a exegese contando sua experiência pessoal ocorrida dias atrás ao ser convidado por um grupo cristão que pregava a defesa da terra e da
natureza, através de mudança no nosso estilo de vida. Ele mesmo conta:
Pediram-me para falar da Amazônia e falei. À tarde, me levaram de barco a uma ilha belíssima da lagoa de Veneza: São Francisco do Deserto. Conforme a tradição, ali há exatos 800 anos (1319), São Francisco de Assis voltava do Egito e do encontro com o sultão e, cansado, desembarcou em Veneza.
Pediram-me para falar da Amazônia e falei. À tarde, me levaram de barco a uma ilha belíssima da lagoa de Veneza: São Francisco do Deserto. Conforme a tradição, ali há exatos 800 anos (1319), São Francisco de Assis voltava do Egito e do encontro com o sultão e, cansado, desembarcou em Veneza.
Ali viu aquela ilha
deserta, mas cheia de pássaros. Esses faziam uma imensa orquestra de sons. São
Francisco disse aos irmãos que os pássaros louvavam a Deus e quis participar do
louvor deles. Falou aos pássaros e estes fizeram silêncio para escutá-lo.
Hoje nessa ilha há um
convento e é um lugar de natureza belíssima. Nos jardins do convento embaixo a
uma árvore imensa, se colocaram cadeiras e fui convidado para participar
de uma oração ecumênica pela Criação.
Coordenavam essa oração
o arcebispo (patriarca de Veneza) e um pastor adventista. Eu não queria falar (confessa) mas os organizadores insistiram e eu disse o seguinte:
O que significa orar pela terra e pela natureza?
O que significa orar pela terra e pela natureza?
Que sentido tem viver em uma sociedade
organizada de forma que sistematicamente a natureza é explorada e destruída e
depois rezar a Deus para refazer aquilo que a gente destrói?
Deus poderia pensar que
o fazemos de bobo. Pedimos para que ele proteja a natureza de nós próprios?
Para a tradição judaico-cristã, a oração começa por escutar a Deus. Mas, será que queremos verdadeiramente escutá-lo?
Para a tradição judaico-cristã, a oração começa por escutar a Deus. Mas, será que queremos verdadeiramente escutá-lo?
O que adianta rezar por
uma coisa diante da qual Deus parece impotente e incapaz de ajudar?
Na parábola do evangelho que se leu no último domingo nas Igrejas católicas, anglicanas e luteranas, um homem rico pede ao pai Abraão, que ele trata como sendo Deus, que mande o pobre aliviar a sua sede (na parábola de Lázaro).
Na parábola do evangelho que se leu no último domingo nas Igrejas católicas, anglicanas e luteranas, um homem rico pede ao pai Abraão, que ele trata como sendo Deus, que mande o pobre aliviar a sua sede (na parábola de Lázaro).
Com palavras de hoje,
Deus nos responde: Meu filho (minha filha), nem eu posso ajuda-lo/a. Entre nós
e vocês aí, nesse inferno do lucro e do aquecimento global que faz da terra um
inferno, existe um abismo (Não fui eu que criei abismo ou inferno. Foram vocês
mesmos) e nem eu posso anulá-lo.
Vocês acham que eu
posso convencer à Vale do Rio Doce a ganhar menos lucro e não destruir a
Amazônia e as regiões de Minas que seus proprietários já destruíram? Os rios
que eles já mataram?
Acham que eu consigo
que eu vou conseguir convencer Bolsonaro e os empresários brasileiros a
respeitar a vida dos povos indígenas e o direitos dos pobres?
Acham que algum dia vou
conseguir convencer as comunidades de Igreja e seus pastores que eu quero
justiça e não culto?
Eles continuam achando
que sou extremamente narcisista e que gosto mesmo de ser adorado e bajulado.
Eles criaram um deus à imagem e semelhança de sua ambição de poder e de vaidade
e dizem que sou Eu.
De tudo isso sou tanto
vítima como vocês e a terra. Se vocês quiserem libertar a Terra e aos pobres,
pode ser que ajude também a proposta de vocês pensarem em libertar a mim mesmo
Deus da religião narcisista e hipócrita que adora o poder travestido de Deus e
os que a exploram para a sua vaidade e o seu lucro.
Desculpem vocês que
estão aqui para orar pela criação. Não quero que pensem que estou dizendo que é
inútil. Estou apenas sublinhando as premissas e condições de uma oração bíblica
hoje. Vocês têm razão: podemos sim orar pela criação. Deus está triste e está
meio deprimido.
Que nossa oração tenha
duas dimensões:
1 – a de consolar Deus
do fato de ter fracassado em seu intento de nos empolgar pelo seu reino,
projeto de um mundo feito de amor, justiça e comunhão cósmica.
2 – a de lhe prometer que vamos libertá-lo da prisão em que as religiões e mesmo a nossa Igreja o mantêm prisioneiro e vamos com ele reiniciar o caminho da redenção de nós mesmos e do mundo. Amém.
2 – a de lhe prometer que vamos libertá-lo da prisão em que as religiões e mesmo a nossa Igreja o mantêm prisioneiro e vamos com ele reiniciar o caminho da redenção de nós mesmos e do mundo. Amém.
Brasilândia/MS, 7 de outubro de 2019.
Foto: Romaria da Terra. Arroio Caiboaté (São Gabriel/RS)
local onde tombou o índio Sepé Tiaraju, 7 de fevereiro de 1978.
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